Letra da Constituição

Em discurso de homenagem, Celso de Mello exalta posições garantistas de Peluso

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9 de novembro de 2016, 16h38

O ministro Cezar Peluso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, nunca foi conhecido como garantista. Ele mesmo brincava que advogados o consideravam "mão pesada". Mas, no discurso que fez em homenagem ao colega, o ministro Celso de Mello exaltou as posições liberais do ministro e a dura defesa que ele fazia da finalidade do processo penal. Para o decano da corte, a visão de Peluso sobre a persecução penal traduzem com perfeição “a correta percepção de que o processo penal deve ser visto como instrumento de salvaguarda das liberdades fundamentais do réu”.

Peluso deixou a corte em agosto de 2012, quando completou 70 anos, idade que a Constituição Federal reputava como máxima para permanência no serviço público. Nesta quarta-feira (9/11), o ministro recebeu uma homenagem do tribunal que deixou há quatro anos.

Carlos Humberto/SCO/STF
Decano do STF, Celso de Mello recordou feitos de Cezar Peluso durante homenagem ao ex-presidente da corte.
Carlos Humberto/SCO/STF

Como decano, Celso foi o porta-voz do Plenário para recordar os feitos do colega. E lembrou do último voto do ministro, proferido no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão. Naquela ocasião, Peluso explicou que “nenhum juiz verdadeiramente digno da sua vocação condena ninguém por ódio”.

“As condenações são uma imposição da consciência do magistrado, não apenas do ponto de vista funcional, mas também do ponto de vista social e ético, porque condena, Senhor Presidente, em primeiro lugar, por uma exigência de justiça; em segundo, porque reverencia a lei, que é a salvaguarda e a garantia da própria sociedade em que todos vivemos. E, ainda, Senhor Presidente, por amor e respeito aos próprios réus, porque toda condenação é, do ângulo metajurídico, um chamado para que, cumprida a pena, os condenados se reconciliem com a sociedade”, votou.

Para Celso, as palavras de Peluso “refletem, com inequívoca precisão, a superioridade moral e a grandeza profissional de um notável magistrado que sempre agiu, no desempenho da função jurisdicional, sine ira ac studio, “sem ódio e sem preconceito”, mesmo naquelas causas capazes de despertar elevado clamor social”.

E, por mais que tenha sido considerado um juiz legalista — a gíria que o mundo do Direito opõe a garantista —, Peluso hoje seria considerado um liberal. Especialmente porque, em 2009, acompanhou o ministro Eros Grau para dizer que condenações penais só podem ser executadas depois do trânsito em julgado.

O entendimento foi mudado duas vezes pelo Supremo em 2016. Num Habeas Corpus, os ministros autorizaram que um réu seja preso mesmo com recursos pendentes de análise pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça. Depois, em duas ações declaratórias de constitucionalidade, a corte confirmou que penas podem ser executadas antes do trânsito em julgado.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Ministro aposentado do STF, Cezar Peluso era considerado um juiz legalista.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

É uma interpretação que Peluso sempre rejeitou. Ele concorda com a ideia de se poder prender depois da decisão de segunda instância, mas nunca antes do trânsito em julgado. Era esse o espírito da proposta de emenda à Constituição que escreveu e enviou ao Congresso: o trânsito em julgado aconteceria depois da decisão do segundo grau, e os recursos ao Supremo e ao STJ seriam ações rescisórias.

“A concepção revelada pelo ministro Cezar Peluso em seus votos a respeito da natureza e da função instrumental do processo penal evidencia a sua completa fidelidade aos postulados que regem e delimitam, no Estado Democrático de Direito, os atos de persecução estatal, pois não se pode desconhecer que a Constituição da República, ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu, faz do processo penal um instrumento que inibe a opressão do poder e que impede o abuso de autoridade”, discursou Celso.

“Nesse contexto, os votos do ministro Cezar Peluso encerram verdadeiras aulas de liberdade e de proteção e respeito aos direitos e garantias fundamentais de que são titulares quaisquer pessoas sob investigação penal ou persecução criminal.”

Clique aqui para ler o discurso do ministro Celso de Mello.

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