Opinião

Quatro decisões do Supremo que penetram no manejo do Estado brasileiro

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8 de novembro de 2016, 10h53

*Artigo originalmente publicado no Blog do Sacha com o título Quatro decisões históricas do STF.

Nos últimos 70 dias, a nossa Suprema Corte, tão assoberbada, produziu quatro decisões históricas que penetram fundamente no manejo do Estado brasileiro.

Antes de abordá-los, convém informar ao público leigo que temos, no mundo, Europa, Américas, boa parcela da Ásia e Oceania, destaques para a Austrália e a Nova Zelândia,e alguns países africanos, dois sistemas de controle de constitucionalidade das leis: a) o sistema difuso, no bojo de um caso concreto, onde todo e qualquer juiz pode decretar a inconstitucionalidade de uma lei, mas sujeitando-a a recursos que terminam-na mais alta corte judicial (nascido nos EUA e confirmado no caso Marbury versus Madison), também chamado por alguns de judicial review e; b) o controle concentrado de constitucionalidade inspirado pelo jurista Kelsen, na Áustria, desde 1920, onde cortes constitucionais concentram a competência para dizer se dada lei é ou não constitucional. Essa corte fica acima do Poder Judiciário, dos parlamentos e dos governos (sempre  parlamentaristas, às vezes com executivos fortes, como na França e Portugal). Às cortes chegam os justiçáveis através de ações diretas de constitucionalidade e reclamações, ou pela via da exceção, quando os juízes ou tribunais param os processos e remetem os autos do incidente à corte constitucional, que resolve a questão constitucional suscitada e remete de volta o incidente que a determinou aos tribunais e juízes, que decidirão, então, a demanda entre as partes. 

Pois bem, o Brasil é o único país a adotar os dois sistemas ao mesmo tempo, daí alguns autores falarem num a tal de brazilian law, ao lado do civil law (Europa continental, onde a lei é a fonte primária do direito) e do common law (Inglaterra  e países anglófonos), onde os precedentes judiciais sobre os significados das normas que estão enclausuradas nas leis são reveladas pelos juízes (judge-made law). 

Agora, as decisões do Supremo Tribunal Federal, inicialmente referidas. A primeira decisão diz respeito aos limites da “presunção de inocência”.  Ela vai até a condenação em segundo grau. A partir daí, a presunção é de culpa. Com efeito, os juízes e tribunais de apelação discutem os fatos e o direito. Se  por duas vezes o réu for condenado, terá preservado o sagrado direito de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e ao  Supremo, até mesmo pela via do habeas corpus,  mas o fará preso. Sempre foi assim até 2009, quando o ex-ministro Eros Grau convenceu a corte de que alguém só poderia ser preso em flagrante ou após o trânsito em julgado da decisão condenatória nas cortes superiores. É comum a condenação transitar após 12, 15 e até 18 anos após o crime. A impunidade sofreu um golpe tremendo, liquidando a chicana processual. 

A segunda decisão foi considerar — superando o Tribunal Superior do Trabalho — que o combinado nos acordos coletivos de trabalho vale mais do que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), inspirada, aliás, no Código de Mussolini, do tempo do fascismo. É preciso valorizar o contrato coletivo de trabalho e as partes, ao revés de tutelar o trabalhador urbano como se fosse uma criança. 

Os advogados de sindicatos defendem o trabalhador. O juiz não é babá, julga segundo o Direito. É preciso acabar como mito de hipossuficiente.  Um deles tornou-se presidente da República. 

A terceira decisão da nossa Suprema Corte foi a de assegurar aos governos federais, estaduais e municipais o direito de descontar os dias parados nas greves dos servidores públicos. O entendimento da corte pode conter o ímpeto grevista dos servidores federais, que têm as categorias mais bem organizadas do país. O PT, é sabido, sempre incitou manifestações de estudantes e paralisações  no serviço público. Lascou-se.

A quarta decisão foi impedir a revisão dos proventos de aposentados dos que voltaram a trabalhar. Se estão trabalhando, por que se aposentaram? Trabalhar após a aposentação pode. O que não pode é revisar os valores dos proventos. O limite de 65 anos se impõe ou vamos todos de roldão ladeira abaixo. 

Os governos só não poderão cortar os dias parados — o que, de resto, prejudica a população intensamente —, se eles próprios estiverem em mora, isto é, não pagarem os vencimentos dos funcionários, forçando com isso a austeridade nos gastos e investimentos em gestão (fazer mais com menos). Sabe-se que o PT inchou a máquina pública e descurou das regras de boa gestão, gastando “à la godaça”. 

Parece-me que começamos a sair do lodaçal, e que os poderes da República estão funcionando a contento, sem descurar dos três programas sociais: o Bolsa-Família, o Minha casa, minha vida, e o financiamento estudantil (Fies). Terminaram as falácias da Dilma. Os programas contra a desigualdade social estão nos programas do PMDB e do PSDB. Educação, saúde, segurança e mobilidade são prioritários.

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    é advogado, coordenador da especialização em direito tributário das Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e da UFRJ.

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