"Abraço do afogado"

Uso do fundo especial sucateará a Justiça, diz presidente do TJ-RJ

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7 de novembro de 2016, 21h01

Ao criticar as medidas de austeridade propostas pelo governo do Rio de Janeiro, o presidente do Tribunal de Justiça fluminense, desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, alertou que a apropriação do Fundo Especial da corte pela administração estadual sucateará a Justiça, inclusive com fechamento de fóruns. O pacote de corte de gastos foi proposto na última sexta-feira (4/11) pelo governador Luiz Fernando Pezão (PMDB).

Ao todo, são 22 projetos de lei, que ainda serão apreciados pela Assembleia Legislativa, e seis decretos, já publicados no Diário Oficial. Até o momento, como medida econômica, as secretarias foram reduzidas de 20 para 12, e sete autarquias e fundações foram extintas.

Um dos principais pontos é o aumento da contribuição previdenciária, que, se aprovado, passa de 11% para 14% para servidores ativos e inativos. O governo também quer que todos os servidores, mesmo os aposentados e pensionistas que ganham menos de R$ 5,1 mil, atualmente isentos da taxa, tenham um desconto previdenciário extra por 16 meses.

Nesse período, a alíquota previdenciária da proposta será de 30% para todos os servidores estaduais ativos e inativos. O governo também pretende extinguir alguns programas sociais — Renda Melhor e o Renda Melhor Jovem, além do Aluguel Social, destinado a desabrigados — e municipalizar os restaurantes populares. Os que não forem transferidos para o município serão extintos até junho do ano que vem.

Segundo o desembargador, a atitude do Executivo estadual não passa de “um verdadeiro abraço do afogado, uma solução que importa no naufrágio de todos, ainda que sua causa não tenha decorrido do Poder Judiciário”. Já o procurador-geral de Justiça do estado, Marfan Martins Vieira, disse que, caso o pacote de medidas seja aprovado pela Alerj, o Ministério Público do Rio de Janeiro entrará com ação de questionamento no TJ-RJ e no Supremo Tribunal Federal.

“O Poder Judiciário não irá permitir que a crise financeira do estado seja utilizada como motivo para que seja rasgada a Constituição Federal, desrespeitados os princípios da independência e da separação dos Poderes, com a quebra da autonomia financeira e orçamentária, em evidente prejuízo para o Estado Democrático de Direito e a milhares de pessoas”, disse o desembargador durante sessão do Órgão Especial do tribunal, nesta segunda-feira (7/11).

Carvalho afirmou ainda que Pezão reeditou projetos de lei que já haviam sido questionados pelo Ministério Público do RJ e pela Defensoria Pública do estado por causa de inconstitucionalidades. “Agora, novamente reedita algumas propostas que, além de inconstitucionais, não salvam o Poder Executivo, mas quebram o Poder Judiciário”, criticou.

O desembargador contou que, em 2014, o TJ-RJ emprestou R$ 400 milhões ao governo do Rio de Janeiro, o que permitiu que o governador pudesse fechar as contas e tomar posse. Segundo Carvalho, o empréstimo, cujo valor corrigido chega a R$ 500 milhões, ainda não foi pago, “causando evidente prejuízo ao Poder Judiciário”.

Além do empréstimo, Carvalho lembrou que, em 2015, para ajudar o governo fluminense na superação da crise, encaminhou à Assembleia Legislativa projeto de lei conjunto com o Poder Executivo estadual para liberação de valores de depósitos judiciais, que somaram R$ 7 bilhões.

Somados a valores dos precatórios, a quantia liberada atingiu R$ 12 bilhões. O Executivo, por sua vez, se comprometeu a pagar ao TJ valores honrados anteriormente pelo Banco do Brasil e que constituem recursos para custeio do Poder Judiciário, o que não ocorreu, segundo Carvalho, gerando dívida de cerca de R$ 100 milhões.

Na avaliação do presidente do TJ-RJ, o governo fluminense não se esforçou para reduzir gastos e evitar o agravamento da crise. “Ao contrário, houve manutenção de despesas expressivas com propaganda, isenções fiscais e nomeação de inúmeros cargos em comissão, como noticiado na mídia, e de gastos também elevados em obras olímpicas.”

Carvalho disse ainda que o governo estadual não pode se apropriar do duodécimo, que é o percentual para pagamento dos salários, e nem deixar de repassar o valor aos integrantes do Poder Judiciário, como determina a Constituição Federal. “Não pode se apropriar de parcela que não lhe pertence, ainda que em um período de gravíssima crise financeira.”

Dívida que cresce
A crise financeira do Rio de Janeiro chegou ao seu ápice quando o vice-governador Francisco Dornelles publicou, em junho, decreto declarando estado de calamidade pública. A medida forçou a União a fazer um aporte de R$ 2,9 bilhões no estado, e deu ao poder público o direito de tomar diversas medidas para manter a saúde dos cofres públicos.

Entre as razões citadas para a decisão à época estão as Olimpíadas, a queda na arrecadação com o ICMS e os royalties do petróleo e problemas na prestação de serviços essenciais, como segurança pública, saúde, educação e mobilidade.

O Supremo chegou a decidir que o governo estadual estava obrigado a repassar aos poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, até o dia 20 de cada mês, os recursos destinados por lei a esses órgãos. A decisão foi do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski. Há também uma decisão de outubro que obriga o estado a pagar os salários dos servidores até o décimo dia útil de cada mês. Com informações da Agência Brasil.

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