Empréstimo centenário

Quebra de confiança e longo prazo de comodato justificam rescisão

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7 de novembro de 2016, 14h25

A quebra de confiança por uma das partes que assinam contrato de comodato justifica a rescisão unilateral do pacto, ainda que não haja prova de urgência para devolução do bem. Outro motivo que garante a quebra do acordo é o período combinado. Assim entendeu a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao manter decisão que considerou rescindido o contrato de empréstimo gratuito de um imóvel cedido a um pastor pelos próximos cem anos.

O acordo foi quebrado porque, logo após a assinatura do termo, o pastor que assumiu o imóvel trocou de instituição religiosa. Em ação de reintegração de posse, os autores afirmaram que o bem, localizado em Carazinho (RS), foi cedido em comodato ao pastor para que ali fossem instalados serviços de assistência da Igreja do Evangelho Quadrangular.

O pedido foi julgado procedente em primeira instância. O magistrado entendeu que o arrependimento do comodato ocorreu após o pastor ingressar em outra instituição religiosa, a Igreja Internacional da Fé, e a promover cultos da nova igreja no local, situação não prevista à época do contrato.

Assim, apesar de não haver prova sobre urgência na retomada do bem, o juiz considerou que o comodante foi induzido a erro quando fez o ajuste. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para os desembargadores gaúchos, os autores assinaram contrato por motivações religiosas, cedendo o imóvel em comodato por cem anos, que, caso fosse mantido, atingiria a própria natureza do comodato e inviabilizaria a retomada do bem.

O pastor recorreu argumentando que o contrato com período determinado estabelecido entre as partes só poderia ser rescindido antes do prazo no caso de comprovada necessidade imprevista e urgente do comodante, o que não ficou comprovado nos autos. O relator do recurso na 4ª Turma, ministro Luis Felipe Salomão, esclareceu que o regime de comodato pode ser contratado para vigorar por prazo determinado ou indeterminado.

Ponderou ainda que, em qualquer dos casos, o elemento de temporariedade é característico dessa modalidade de empréstimo, cujo regime não pode ser vitalício ou perpétuo. “A fixação de lapso centenário, que supera a expectativa média de vida do ser humano, vai de encontro a tal característica do comodato, não podendo subsistir a cláusula contratual que possui o condão de transmudar a declaração de vontade do comodante em doação destinada à pessoa que nem sequer mantém vínculo com a instituição religiosa que se pretendia beneficiar.”

Além disso, o ministro lembrou que os comodatos são baseados na relação de confiança entre as partes. Considerou também que a mudança de igreja instalada no imóvel, sem o consentimento do comodante, atingiu a boa-fé do negócio jurídico, constituindo motivo válido para a rescisão contratual.

“Nesse contexto, infere-se a regularidade da resilição unilateral do comodato operada mediante denúncia notificada extrajudicialmente ao comodatário (artigo 473 do Código Civil), pois o ‘desvio’ da finalidade encartada no ato de liberalidade constitui motivo suficiente para deflagrar seu vencimento antecipado e autorizar a incidência da norma disposta na primeira parte do artigo 581 do retrocitado codex, sobressaindo, assim, a configuração do esbulho em razão da recusa na restituição da posse do bem, a ensejar a procedência da ação de reintegração”, concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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REsp 1.327.627

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