Voto útil

Futuro da Suprema Corte tornou-se fator decisivo nas eleições dos EUA

Autor

7 de novembro de 2016, 15h16

O índice de rejeição a candidatos à Presidência dos EUA nunca foi tão grande — ao menos nos últimos 10 ciclos eleitorais, ou seja, nos últimos 40 anos. Em média (porque são inúmeras as fontes de pesquisa), o índice de rejeição ao candidato republicano Donald Trump é de 57%; o de apoio é de 24%, o que lhe confere um índice negativo de -33. O índice de rejeição à candidata democrata Hillary Clinton é de 52%; o de apoio é de 31%, com um índice negativo de -21. A soma das percentagens de rejeição ultrapassa 100% porque muitos eleitores rejeitam os dois.

Nas eleições desta terça-feira (8/11), precedidas por votação antecipada, os eleitores se veem obrigados a colocar de lado suas rejeições aos candidatos, mesmo que muito fortes, porque há um fator decisivo em jogo: a escolha dos futuros ministros da Suprema Corte dos EUA.

Assim, eleitores republicanos e independentes, com convicções conservadoras, se sentem “obrigados” a votar em Donald Trump, o candidato do Partido Republicano, apesar da rejeição a ele, porque ele irá nomear juízes conservadores para a Suprema Corte.

E eleitores democratas e independentes, com convicções liberais, se sentem “obrigados” a votar em Hillary Clinton, a candidata do Partido Democrata, apesar da rejeição a ela, porque é quem nomeará juízes liberais para a Suprema Corte.

Hoje com oito ministros — quatro conservadores e quatro liberais — desde a morte, em fevereiro, de Antonin Scalia, a nomeação do ministro que irá ocupar a cadeira vaga tem uma importância fundamental para a configuração jurídica, social, econômica e política do país.

Questões em jogo
O país quer manter o Obamacare (seguro-saúde dos pobres) e até melhorá-lo e ampliar o Medicaid (seguro-saúde dos que estão “abaixo do nível de pobreza”), como quer Hillary Clinton, ou quer acabar com o Obamacare e desmontar o Medicaid, como quer Donald Trump, para deixar a questão da saúde nas mãos da livre concorrência?

Quer fazer os milionários, bilionários e grandes corporações pagarem imposto de renda, dentro da alíquota justa que lhes corresponda, para aliviar a carga sobre a classe média e sobre os trabalhadores em geral e, com isso criar novos programas sociais (Hilary), ou quer manter o status quo, em que um bilionário paga menos imposto de renda do que sua secretária, porque são os ricos e as grandes corporações que criam empregos e, portanto, devem receber incentivos (Trump)?

Quer regularizar a situação de milhões de imigrantes ilegais, entre os 11 milhões existentes, para não separar famílias (pai ilegal, filhos legais) e manter uma mão de obra barata que a agricultura, as indústrias e as pessoas precisam (Hilary) ou quer deportar todos os imigrantes ilegais e construir um muro na fronteira com o México para impedir a entrada de mais imigrantes (Trump)?

Quer manter a decisão da Suprema Corte que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo (Hilary) ou quer reverter essa decisão e acabar com o casamento gay no país? Todas essas questões — e outras tantas importantes para definir os rumos que o país irá tomar — serão decididas pela Suprema Corte. Ou, mais precisamente, pelo ministro que for nomeado pelo próximo presidente da República.

Então, todas as grandes questões jurídicas, com um forte conteúdo político (ou econômico ou social), deixarão de terminar empatadas, em quatro a quatro, na Suprema Corte. Passarão a ser decididas por cinco a quatro em favor dos conservadores, como era de costume antes da morte de Scalia, ou em favor dos liberais. As questões puramente jurídicas, em que o conservadorismo e o liberalismo não exercem um papel, continuarão a ser resolvidas juridicamente apenas. E o resultado pode ser de cinco a quatro a nove a zero.

Além da cadeira quer era de Scalia, mais três podem ficar vagas durante o mandato do próximo presidente da República. A ministra liberal Ruth Ginsburger, 83 anos, o ministro conservador Anthony Kennedy, 80 anos, e o ministro liberal Stephen Breyer, 78 anos, podem se aposentar quando lhes for mais conveniente, uma vez que não há aposentadoria compulsória nos EUA. Essa “conveniência” parece próxima.

Voto útil
Esse é um quadro que assusta gregos e troianos. A provável nomeação de quatro ministros liberais ou quatro conservadores para a Suprema Corte em um ou dois mandatos presidenciais significa décadas de domínio liberal ou conservador na corte que decide os destinos do país. A atual corte tem maioria conservadora há décadas, porque uma substituição de alguns ministros ocorreu durante um governo republicano.

Os EUA é um país de dois partidos, o Republicano e o Democrata. Mas existe uma terceira força eleitoral, a formada pelos chamados “independentes”. Além disso, o país tem diversos partidos minúsculos, uns de esquerda ou extrema esquerda, outros de extrema direita, que só representam alguma coisa quando somados.

O Partido Republicano é declaradamente de direita, e o Partido Democrata é veladamente de direita — ou de centro-direita, embora abrigue “progressistas”, uma força considerável nos EUA que se opõe à direita, mas não se alinha com a esquerda e os “esquerdistas” que nunca se elegeriam sob uma sigla de esquerda. O Partido Democrata se diferencia do Republicano porque, de quando em quando, apoia medidas sociais. Mas, como regra geral, se alinha com os princípios capitalistas, protege as grandes corporações, defende o livre comércio etc.

Em todos os ciclos eleitorais, os eleitores não republicanos e não democratas votam em candidatos de outros partidos, com destaque para o Partido Verde (5% dos votos, constantemente), para ajudá-los a crescer. Neste ano, os eleitores, de uma maneira geral, vão esquecer desse propósito e preferir o voto útil. Estão dando seu “voto útil”, desde o início da votação antecipada, para Hillary Clinton ou Donald Trump, porque as eleições estão muito apertadas (a vantagem nacional de Hillary é de apenas 3% e, às vezes, cai a 1%) e há muita coisa em jogo. Por exemplo, o destino do país, que será traçado pela Suprema Corte.

A vantagem de 3% ou um pouco mais em âmbito nacional não significa nada. Os eleitores votam, em cada um dos 50 estados americanos mais o Distrito de Colúmbia, para escolher delegados para o Colégio Eleitoral, os verdadeiros eleitores do presidente e vice-presidente da República. Em 2000, Al Gore ganhou a eleição nacional, em número de votos, mas perdeu em número de delegados estaduais, depois da intervenção da Suprema Corte, que impediu a recontagem de votos na Flórida.

Corte sob influências políticas
Nesse quadro, as eleições de 2016 irão provavelmente criar um fenômeno ou dois, relacionados à Suprema Corte, que deverão ser observados. Após a morte do ex-ministro Scalia, o presidente Obama indicou, para ocupar sua cadeira, o juiz Merrick Garland. Obama fez essa escolha contra as preferências do Partido Democrata, porque Garland é considerado um juiz não politizado, moderado, sem tendências relevantes para o mundo liberal, embora não seja conservador.

O presidente achou que seria um nome palatável para o Senado com maioria republicana, bem como com uma Comissão do Judiciário também de maioria republicana. Porém, os republicanos se recusaram a fazer audiências particulares e coletivas com Garland, alegando que a escolha do novo ministro deveria ser feita pelo novo presidente, quando ele tomasse posse, na esperança de que um candidato republicano seria eleito.

Isso só ocorreria em fevereiro de 2017, após a posse do novo presidente, processo de escolha do novo juiz, submissão ao Senado etc. Porém, os senadores republicanos reconheceram, ultimamente, que a possibilidade de Hillary Clinton vencer Donald Trump existe. Se Hillary for eleita, e o Partido Republicano perder a maioria no Senado, ela provavelmente indicará um juiz liberal, não o moderado Garland.

Por isso, os senadores republicanos tratarão de convidar Garland para audiências e votação pelo Plenário do Senado, antes do fim do ano, para assegurar que a corte tenha um candidato moderado, que às vezes poderá votar com os conservadores, com base em suas convicções jurídicas.

Um outro cenário é o de Hillary se eleger, mas o Senado manter maioria republicana. Aí se criaria uma situação que o país não tem ideia de como resolver. Os senadores republicanos esperariam até fevereiro, para Hillary nomear juízes liberais para a corte, mas não concederiam audiências a qualquer candidato liberal — e muito menos votariam nele. Vários senadores de peso do Partido Republicano já anunciaram que esse será o procedimento do partido.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!