Empate técnico

De olho na Flórida, americanos temem que eleição termine em "pesadelo"

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6 de novembro de 2016, 8h06

Se as pesquisas eleitorais estiverem certas, a decisão da eleição presidencial deste ano poderá terminar como em 2000, quando George W. Bush superou Al Gore por margem apertadíssima na Flórida e foi até a Suprema Corte para impedir a recontagem de votos.

Dessa vez, de novo na Flórida e às vésperas da eleição na próxima terça-feira (9/11), a candidata democrata Hillary Clinton tem 45% das intenções de votos e o candidato republicano Donald Trump, 44%. Em outros quatro estados, principalmente na Carolina do Norte, as eleições também estão apertadas.

Nas eleições deste ano, a diferença de 1% nas preferências dos eleitores dispensa a observação corriqueira dos institutos de pesquisa sobre margens de erro. O empate técnico é evidente. E, portanto, a diferença de votos poderá ser pequena o suficiente para detonar a recontagem automática dos votos por meio eletrônico.

A diferença deverá se manter pequena e o candidato com menos votos deverá pedir a recontagem manual. O outro candidato poderá, então, recorrer à Suprema Corte dos EUA, para impedir a recontagem dos votos. Cenário que remete às eleições de 2000.

Cenário de pesadelo
Desde a morte de Antonin Scalia, em fevereiro, a Suprema Corte vem operando com quatro ministros: quatro conservadores e quatro liberais. O Senado, de maioria republicana, se recusou a fazer audiências para avaliar o juiz que o presidente Obama indicou para ocupar a cadeira vaga. Os senadores republicanos declararam que só iriam avaliar qualquer nome depois das eleições.

Jornais e emissoras de TV estão definindo essa situação como o “cenário do pesadelo” — obviamente, constitucional. No caso de a decisão da Suprema Corte confirmar o empate esperado de 4 a 4, deverá prevalecer a decisão do tribunal estadual da Flórida.

Isto é, vai acontecer aquilo que o ministro Anthony Kennedy contou que não se deixou fazer em 2000: um tribunal estadual decidir uma questão constitucional federal tão importante — um grupo de sete ministros do Tribunal Superior da Flórida decidir quem será o próximo presidente dos Estados Unidos.

Se a decisão da eleição presidencial terminar na Suprema Corte, Donald Trump irá declarar que a ministra Ruth Ginsburg deve se declarar impedida, pelos comentários críticos que fez sobre. Ela disse, entre outras coisas, que se Trump, um “embusteiro”, ganhar as eleições, ela iria se mudar para o Canadá.

A lei federal exige que juízes se declarem impedidos, quando sua imparcialidade é razoavelmente questionada. Mas, no caso de ministros da Suprema Corte, “somente o ministro é o juiz final” da questão sobre seu impedimento ou não. Aparentemente, a ministra Ginsburg, com 83 anos, não terá muita vontade de se mudar para o Canadá.

A promessa de mudança para o Canadá é uma forma de protesto dos americanos, quando o sentimento de rejeição que sentem por um concorrente à Presidência é muito forte.

Em 2008, quando Bush foi reeleito a “promessa” se intensificou, o governo do vizinho do norte montou um sistema simplificado para lhes conceder residência no país. O Canadá já vinha, há algum tempo, tentando atrair americanos para aumentar sua população. Funcionou.

Questão imigratória
Canadá à parte, o movimento imigratório mais presente na disputa é aquele feito para dentro dos EUA. Apesar de ser um estado predominantemente hispânico, as declarações de Trump e Hillary sobre a questão não afetam muito a Flórida.

Enquanto a democrata promete regularizar a situação de imigrantes ilegais, o republicano prometeu construir um muro em toda fronteira sul do país para impedir a entrada de mexicanos, além de deportar 11 milhões de ilegais.

Só que é a Califórnia o estado que abriga a grande concentração de mexicanos, os que se sentiram mais ofendidos com as declarações de Trump. A maioria dos hispânicos da Flórida são cubanos, colombianos e porto-riquenhos. Os demais são oriundos de todos os países da América Latina.

A presença é tão forte que, em algumas regiões da Flórida (principalmente na grande área de Miami, os americanos precisam aprender espanhol para sobreviver) — ou pelo menos “spaninglish”, correspondente ao “portunhol”.

Mas essa predominância hispânica no estado não garante votos para Hillary Clinton — que escolheu um candidato a vice que fala espanhol fluentemente, já sabendo que a Flórida é “problemática”. Isso porque praticamente todos os cubanos se tornaram cidadãos, assim como os porto-riquenhos, que já são cidadãos. Muitos imigrantes de outros países regularizaram sua situação nos EUA: tornaram-se residentes ou cidadãos.

Essa é uma comunidade que, em maioria, disputa empregos de baixa e média renda entre si e com os imigrantes ilegais. Na prática, eles parecem não se importar se alguns milhões de imigrantes ilegais, seus principais concorrentes, sejam deportados e deixem o mercado.

Na Flórida, assim como em outros estados onde as pesquisas revelam que a intenções de voto estão muito próximas, a eleição presidencial será decidida por uma parcela razoavelmente pequena do eleitorado: parte dos eleitores independentes, que não são nem republicanos, nem democratas.

Os eleitores de Hillary Clinton e de Trump já decidiram há tempos em quem vão votar. Como costumam dizer as emissoras de TV, os eleitores de Hillary Clinton a amam e odeiam Donald Trump — o contrário também é verdadeiro. Entre os eleitores independentes, a maior parte já escolheu seu candidato (e muitos já foram votar nas eleições antecipadas) com base no que os candidatos prometeram fazer.

Hillary promete melhorar o Obamacare (o seguro-saúde “dos pobres”). Trump promete acabar com ele na primeira semana de governo. Hillary promete fazer os bilionários e as grandes corporações pagarem imposto de renda (não pagam praticamente nada, hoje em dia). Trump promete reduzir ainda mais o imposto de renda desse grupo, para aumentar empregos.

Número mágico
Esse cenário acirrado previsto para a Flórida deixa de ser um elemento considerável na eleição presidencial, se um dos candidatos atingir, em todo o país, o “número mágico” de 270 delegados para o Colégio Eleitoral. Nos EUA, os eleitores votam para presidente mas, na verdade, elegem delegados para o Colégio Eleitoral, também chamados de “os eleitores”.

Serão escolhidos 538 delegados (número que corresponde ao número de parlamentares no Congresso); a metade de seus votos, portanto, é 269. Assim, se um partido conseguir eleger 270 delegados, terá maioria para eleger o presidente e o vice-presidente do país. O Colégio Eleitoral não reúne todos os delegados em um lugar. Eles se reúnem e votam em seus próprios estados.

Depois os votos serão encaminhados para o Congresso para contagem – na verdade para confirmação, porque cada delegado se comprometeu anteriormente a votar nos candidatos de seu partido. O processo todo pode se prolongar até início de janeiro, com etapas em dezembro. De qualquer forma, os americanos saberão quem ganhará as eleições em 9 de novembro, porque saberão quantos delegados cada partido elegeu.

Mas, se os americanos acordarem em 9 de novembro e descobrirem que nenhum candidato alcançou o “número mágico” de 270 delegados e que o resultado final da eleição está pendente, porque a diferença de votos foi mínima na Flórida, com pedidos de recontagem eletrônica e manual, idas e vindas aos tribunais, eles vão dizer o que sempre dizem em situações em que alguma coisa que já aconteceu antes e que não gostaram: “There you go again”.

Déja vu
Em 8 de novembro de 2000, os americanos foram dormir pensando que o candidato democrata Al Gore, havia vencido as eleições. Mas se surpreenderam no dia seguinte, quando souberam que o candidato republicano George Bush havia vencido por 1.784 votos na Flórida. Pior que isso, havia vencido até em cinco condados considerados redutos perenes dos democratas, onde as pesquisas haviam indicado ampla vantagem para Gore.

A diferença de votos foi de menos de 1%, o que disparou a recontagem automática dos votos por meios eletrônicos, como foi feita a apuração inicial. A recontagem reduziu a diferença e levou à descoberta que o sistema de apuração era falho. O governador da Flórida era Jeb Bush, irmão do candidato George Bush, o que levantou ainda mais suspeitas.

O Partido Democrata pediu ao Tribunal Superior do Estado para autorizar a recontagem manual dos votos nos cinco condados (apenas) em que deveriam ter vencido por uma boa margem. O tribunal autorizou a recontagem manual, porém o Partido Republicano recorreu à Suprema Corte dos EUA, pedindo a suspensão da ordem de recontagem manual do tribunal da Flórida.

A Suprema Corte ordenou a suspensão e, mais tarde, anunciou que ia decidir, ela mesma, o caso da recontagem manual dos votos na Flórida, no famoso caso “Bush vs Gore”. A partir desse momento, os republicanos já podiam comemorar a vitória de Bush.

Com cinco ministros conservadores, indicados por presidentes republicanos, e quatro ministros liberais, indicados por presidentes democratas, o resultado já estava anunciado. A Suprema Corte fez audiências, como de praxe, escreveram votos e Bush venceu por 5 a 4.

Por formalidade, a Suprema Corte ainda ordenou ao Tribunal Superior da Flórida que adequasse sua decisão de autorizar a recontagem manual dos votos à decisão da Suprema Corte do país — por uma questão de consistência. Anos depois, uma recontagem informal dos votos, feita por organizações, revelou que Gore teria vencido na Flórida.

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