Dinheiro do cliente

Advogado dativo é equiparado a servidor
e condenado por concussão no Paraná

Autor

5 de novembro de 2016, 5h42

Advogado dativo, por se equiparar a servidor público para efeitos penais, comete crime de concussão se obtém vantagem indevida em prejuízo do seu cliente. Por isso, a 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região manteve a condenação de um advogado que desviou R$ 7 mil de sua cliente (pessoa pobre, deficiente e incapaz), que buscava a implantação do benefício de prestação continuada junto ao Instituto Nacional do Seguro Social.

No primeiro grau, o juiz Rafael Webber, da 1ª Vara Federal de Pato Branco (PR), disse que a versão da mãe da autora (que a representou no processo contra a autarquia) foi confirmada pelo depoimento do chefe do cartório judicial da Justiça Federal, de que o advogada dativo não a informou corretamente sobre os valores liberados por Requisição de Pequeno Valor (RPV).

Em juízo, o advogado disse que não exigiu vantagem indevida, pois o valor depositado em sua conta referia-se ao pagamento de honorários advocatícios contratuais devidos e oriundos de outros processos em que atuou como causídico para a mãe da autora. Explicou que acompanhou a mulher no ato de recebimento do RPV como forma de garantir os seus honorários. Logo, o pagamento se deu de forma espontânea, já que havia sido acordado.

“Considerando o depósito feito na conta do réu referente a mais da metade da RPV recebida por C. e os depoimentos citados, entendo comprovado que o réu exigiu vantagem indevida em razão da função pública que exercia como advogado dativo, praticando as elementares do tipo em análise”, anotou na sentença.

Webber condenou o réu a dois anos de reclusão. Na dosimetria, a pena privativa de liberdade acabou substituída por duas restritivas de direito — multa no valor de R$ 40 mil e proibição do exercício da advocacia pelo período de dois anos.

Abrandamento da pena
O relator da Apelação na corte, desembargador Márcio Antônio Rocha, rebateu a tese de que o valor desviado para a conta do réu (50% do RPV) fosse proveniente de honorários de outros processos em que teria atuado para a mãe da parte autora. É que a secretária e o estagiário que trabalham no escritório de advocacia, ouvidos em juízo como testemunhas, informaram não terem presenciado a contratação de honorários entre o réu e a vítima. E também não foi juntado ao processo o contrato de prestação de serviços. Em suma: o advogado não apresentou documento que demonstrasse a natureza remuneratória do valor depositado em sua conta.

“A culpabilidade do réu é desfavorável, merecendo maior grau de reprovabilidade, tendo em vista a condição advogado-dativo, nomeado para defender pessoas carentes, o que aumenta o juízo de censura, porque além da consciência da ilicitude decorrente do conhecimento jurídico que possui, tinha, no caso, o dever de assistir pessoa de baixa capacidade financeira, e, valendo-se dessa circunstância, aproveitou-se para exigir vantagem indevida”, registrou no acórdão.

Apesar disso, Rocha reduziu o valor da multa pela metade e derrubou a proibição do exercício da advocacia, substituindo-a por prestação de serviços à comunidade. “Não é razoável aplicar a sanção de proibição do exercício da atividade profissional a quem comete o delito de forma isolada, pois a consequência seria privá-lo de sua atividade laboral, em cujo mister praticou um único delito, para o qual demonstrou arrependimento ao reparar o dano”, ponderou.

Denúncia do MPF
Narra a peça inicial que, no dia 16 de julho de 2012, o profissional foi nomeado pelo juízo da 1ª Vara Federal de Pato Branco (PR) como advogado dativo de uma mulher deficiente, absolutamente incapaz, curatelada pela mãe. O processo, movido contra o INSS, buscava a concessão do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social, no valor de um salário-mínimo mensal.

Ao fim do processo, o INSS foi condenado a conceder o benefício à parte desde a data de entrada do requerimento, bem como a pagar as prestações vencidas, até a data do trânsito em julgado — que ocorreu em 21 de janeiro de 2014. Assim, foi autorizada a emissão de requisição de pequeno valor (RPV) no nome autora, no valor de R$ 14.797,68. O dinheiro estaria disponibilizado na sua conta bancária a partir de 13 de maio de 2014.

No dia 19 de maio, segundo a denúncia, o advogado se dirigiu, por três vezes, à casa da mãe da autora, para lhe dar a notícia. Sem conseguir encontrá-la pessoalmente, ligou para a mulher, perguntando se tinha, à mão, carteira de identidade e CPF. Pediu que ela o acompanhasse na Justiça Federal, sob pena de perder o “aposento” da filha.

Ao chegar no prédio, ele a levou até a agência da Caixa Econômica Federal, onde se encontravam presentes somente um vigilante e uma funcionária. Esta entregou à vítima diversos papéis, além de ter dito que sua conta estaria aberta e que seu procurador já teria dado andamento em tudo. Ou seja, ela deveria apenas assinar os papéis.

Após assinar os papéis, o procurador falou para a funcionária da Caixa depositar 50% para cada um. Naquele momento, feliz, a vítima percebeu que não perderia o “aposento” da filha, já que recebera mais de R$ 7 mil atrasados. Aproveitou o para sacar R$ 400 para compras no supermercado, uma vez que nem gás de cozinha tinha mais em casa. Logo em seguida, ainda segundo a denúncia do MPF, a funcionária da Caixa teria dito ao advogado: “agora, são os seus”. Nesse momento, falando baixo, ambos foram para outra mesa, atrás de uma divisória, para assinar documentos.

Ao saírem do prédio, o advogado levou a vítima de carro até o seu escritório. No caminho, ainda segundo a denúncia, pediu que ela não falasse nada a ninguém sobre o ocorrido e que não fosse mais à Justiça Federal, pois “estava tudo resolvido”. Dentro do escritório, por sua solicitação, a mulher recebeu alguns dos papéis que tinha assinado no banco, dentre os quais um comprovante de depósito no valor de R$ 7.421,29 na conta do advogado.

Com este recibo, ela retornou à agência da Caixa, onde solicitou, à outra funcionária, uma cópia do documento que apontasse o valor do ganho. Ficou sabendo, então, que tinha direito a R$ 14.842,58. No dia seguinte, 20 de maio, retornou à Justiça Federal para sacar mais dinheiro. Na oportunidade, foi até o cartório judicial se informar sobre o processo, questionando o fato de ter recebido apenas R$ 7 mil. O diretor da secretaria prestou todos os esclarecimentos e lhe entregou os documentos.

O advogado foi denunciado por concussão pelo Ministério Público Federal. Ele foi incurso nas penas do artigo 316 combinado com o artigo 327 do Código Penal — funcionário equiparado a servidor público que, no exercício da função, obtém para si vantagem indevida.

Clique aqui para ler a sentença modificada.
Clique aqui para ler o acórdão modificado.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!