Opinião

Os 50 anos do código que racionalizou o sistema tributário brasileiro

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4 de novembro de 2016, 5h25

Nos últimos dias 13 e 14 de outubro, no Plenário Evandro Lins e Silva, na seccional da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), fizemos, pela Comissão Especial de Assuntos Tributários, importante Congresso comemorativo dos 50 anos do Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), recém completados no último dia 25 de outubro.

Participaram, como palestrantes, alguns dos mais festejados tributaristas do País, como a Ministra do STJ, Regina Helena Costa, os Desembargadores Federais Marcus Abraham (TRF-2) e Maria do Carmo Cardoso (TRF-1), o juiz federal Érico Teixeira, os professores Paulo de Barros Carvalho, Marco Aurélio Greco, Ricardo Mariz de Oliveira, Humberto Ávila, Roberto Quiroga, Agostinho Netto, Alexandre Alkmim, Gustavo Amaral, Carlos Alexandre Campos, Marcos de Vicq, Robson Maia, Gustavo Brigagão, Paulo Ayres Barreto, e Sérgio André Rocha.

Ao longo de dois dias, foram debatidos os temas mais relevantes e controvertidos dessa notável Lei que, há mais de cinco décadas, estabeleceu regras sobre o Sistema Tributário Nacional e as normas gerais de direito tributário que norteiam e disciplinam a relação entre os entes políticos (União, estados e mais de 5 mil municípios) e os contribuintes, e que foi recepcionada pelas Constituições de 1967, 1969 e 1988, sem que, até hoje, nenhuma de suas disposições tenham sido declaradas inconstitucionais.

Essa longevidade e a sobrevivência de suas disposições devem ser creditadas a juristas e homens públicos da envergadura de Rubens Gomes de Sousa, Aliomar Baleeiro, Mario Henrique Simonsen, Gilberto de Ulhôa Canto e Gérson Augusto da Silva, que participaram direta ou indiretamente da reforma tributária introduzida pela EC 18/65 e da concepção do anteprojeto do CTN.

É claro que o tempo e a evolução das relações jurídicas e econômicas em âmbito interno e também no cenário internacional exigem uma constante interpretação dos seus institutos e a sua adequação aos anseios da sociedade. Por isso, questões como, por exemplo, o sigilo no âmbito da Administração, o dever de colaboração do contribuinte ou, também, a questão da responsabilidade tributária suscitam debates acalorados e foram objeto de interessantes abordagens no recente evento promovido na OAB-RJ. Quando se responsabiliza o grupo econômico? Que situações autorizam o redirecionamento do crédito ao sócio ou gerente? As situações — regra geral — são casuísticas e devem ser interpretadas caso a caso, levando em consideração o contexto sociopolítico-econômico do momento.

Outro tema que foi objeto de agudas discussões envolve a regra do art. 98, que determina que os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha. A despeito de entendimento pacificado pelo STJ quanto à sua validade, em razão da regra da especialidade, parte minoritária da doutrina defende a sua inconstitucionalidade ou a sua não recepção pela Carta Política de 1988.

A propósito, quando se fala de longevidade e qualidade do Código, não se pode perder de vista que algumas das questões mais polêmicas se originaram de dispositivos surgidos muito tempo após a sua promulgação, como é o caso da regra do artigo 170-A, que veda a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

Ora, essa regra foi editada em 2001, época do “boom” do contencioso judicial tributário, ou seja, antes do advento da EC 45/04, que introduziu na Carta Política a garantia fundamental à razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, meios estes que se materializaram com a criação posterior dos julgamentos sob o regime de repercussão geral (2006) e de recursos repetitivos (2008), e mais recentemente, com o CPC/2015, que dentre outras inovações, criou a tutela de evidência e o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, consagrando definitivamente a força dos precedentes judiciais.

Vale dizer, é urgente a relativização ou interpretação conforme a Constituição dessa regra do artigo 170-A, do CTN, que somente deve ser observada para aqueles casos em que impende de decisão das Cortes Superiores a legalidade ou constitucionalidade do crédito tributário controvertido, cujo valor correspondente ao pagamento indevido ou a maior se pretenda compensar (na verdade, suspender a respectiva exigibilidade) antes do trânsito em julgado da ação. De fato, não há mais qualquer sentido em perenizar a satisfação dessa pretensão em questões que envolvam, nas palavras do legislador de 2015, “juridicidade ostensiva”.

Outra questão tormentosa, que também adveio posteriormente à promulgação do Código, diz respeito ao parágrafo único no art. 116, introduzido pela LC 104/01, que facultou à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária

Ora, até que ponto a Receita pode desconsiderar os atos validamente praticados para constituir o crédito tributário? Nesses casos, pode surgir a discussão de propósito negocial, de demonstração de materialidade da operação. A maneira como o contencioso administrativo e o judicial veem os planejamentos tributários são diferentes, e, ao que parece, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) teria muito mais experiência para analisar a questão. Essas discussões sendo judicializadas agora.

Em suma, o Código, oriundo de um trabalho brilhante e incansável de uma comissão de juristas notáveis, racionalizou o Sistema Tributário Nacional e as normas gerais de direito tributário que, até então, eram editadas por cada ente político de acordo com suas conveniências, e mantém atual até hoje. Evidentemente, os pontos controvertidos havidos ao longo dessas cinco décadas, originados não apenas do advento de três Constituições mas da própria evolução das relações sociais e econômicas, devem continuar a ser enfrentados e resolvidos pelos Tribunais Administrativos ou pelas Cortes de Justiça.

Enfim, muitos defendem a elaboração de um novo código, mas nos parece que o CTN/66, até que advenha uma efetiva e improvável Reforma Tributária, ainda há de vigorar por muitos e muitos anos, o que não impede, como bem assinalou a ministra Regina Helena Costa, em sua notável palestra acerca do CTN à luz da jurisprudência do STJ, que se façam adequações pontuais para concertá-lo, sincronizá-lo com o atual Sistema Constitucional Tributário, notadamente quanto a regras gerais concernentes às contribuições sociais, objeto de um sem número de discussões judiciais e que não eram previstas na CF/46, vigente à época da publicação do CTN.

Mauricio Faro e Gilberto Fraga, respectivamente, Presidente e Vice-Presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB/RJ

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    é vice-presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ e sócio do Fraga, Bekierman e Cristiano — Advogados.

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    é sócio de Barbosa Müssnich & Aragão Advogados, mestre em Direito pela UGF e Presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.

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