Contencioso jurídico de empresas no Brasil, na Argentina e no Chile
3 de novembro de 2016, 7h40
A posição do Brasil em diversos rankings não é nada alentadora, o que é comprovado por sucinta amostragem. Segundo o Banco Mundial, em 2014, o Brasil figurava na 120º posição, entre 189 países, no quesito melhor ambiente para negócios, bem abaixo de outras nações latino-americanas, como México (39º) e Chile (41º); embora acima da Argentina (124º). Conforme o Doing Business Report, no Brasil eram necessários 100 dias, em 2013, e 83, em 2014, para a abertura de uma empresa. Investigação do Fórum Econômico Mundial, que examinou 144 países, classificou o Brasil entre os últimos colocados em alguns aspectos: peso das regulações governamentais (143º), confiança nos políticos (140º), desperdício do governo (137º) e desvios dos recursos públicos (135º).
A Justiça brasileira, em todas as suas instâncias, é criticada pela morosidade, ineficiência dos serviços judiciários, informatização insuficiente, além de falta de planejamento estratégico e de gerenciamento. Tais problemas aumentaram depois do crescimento incrível das demandas, que se seguiu à entrada em vigor da Constituição de 1988. Pesquisas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), feitas em 2011 e 2012, revelaram que os setores públicos federais e estaduais detinham 39,3 dos processos iniciados no primeiro grau e nos juizados especiais; sendo os três maiores litigantes, o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), a Caixa Econômica Federal e a Fazenda Nacional. Pesquisas levadas a cabo pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em 2010 a 2013, demonstram, que, em 8 das 10 unidades da Federação estudadas, os municípios, os estados e a Federação são responsáveis pela maior parte das ações interpostas.
A Constituição e a legislação infraconstitucional, bem como a diversidade das respectivas interpretações contribuem enormemente para propiciar a judicialização e alimentar a cultura da litigação contenciosa. A lentidão excessiva do Judiciário, por seu turno, completa o círculo vicioso. Ademais da morosidade processual, a instabilidade das decisões judiciais provoca insegurança jurídica, afasta investimentos e prejudica as relações comerciais. Em suma, os aspectos acima comentados desestimulam transações comerciais, aumentam os riscos dos investimentos e influem negativamente no desenvolvimento econômico brasileiro.
Para verificar se a essa verdade empírica, soma-se a verdade científica, o Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES), think tank sem fins lucrativos, acaba de realizar, sob a coordenação da professora doutora. Maria Teresa Sadek (recém empossada como diretora no CNJ), pesquisa comparativa, que analisou o contencioso judicial, trabalhista, tributário e cível de algumas empresas no Brasil, Argentina e Chile. A Argentina foi escolhida pelos avanços de seus métodos consensuais de resolução de conflitos; enquanto que o Chile, por suas políticas favoráveis ao mercado e por ter modernizado seu Judiciário. O intuito foi trazer elementos que contribuam para aclarar as relações entre Direito e o desenvolvimento econômico.
Foram utilizados o método quantitativo (análise de dados fornecidos pelas empresas) e o qualitativo (entrevistas com advogados corporativos, para identificar percepções acerca da Justiça e respectivas consequências sobre as empresas e a economia do país); bem como feitos estudos de caso.
Para a pesquisa, cujo relatório final tem 74 páginas, foram selecionadas três grandes empresas, que atuavam em diferentes setores da economia dos três países escolhidos, além de ter relevância no mercado internacional. Obviamente, a análise tomou em conta aspectos que permitissem a comparação, bem como o tamanho de cada empresa nos países.
Primeiramente, vejam-se os números encontrados, com relação à empresa do setor financeiro. O número geral de processos dessa empresa, no Brasil, foi de 5.890 vezes mais ações do que na Argentina; e 23.560 vezes, relativamente ao Chile. Tendo em vista as proporções “normalizadas”, que levam em conta o parâmetro “número de clientes”, no tocante ao volume de ações trabalhistas: a empresa no Brasil possui 1.486 vezes mais ações trabalhistas, em comparação com a Argentina; e 30.461 vezes, se cotejada com o Chile. As especificidades do setor tributário dificultam e mesmo impedem a comparação. Por isso a pesquisa, nesse aspecto, cingiu-se à relação entre os números do Brasil e do Chile, tendo chegado à conclusão que, no Brasil, há 7 mil vezes mais ações tributárias do que no Chile. Já no âmbito cível, a empresa do setor financeiro, em 2014, possuía 1.321,6 vezes mais ações do que na Argentina; e 48 mil vezes mais do que no Chile. Nesse último caso, existe uma ação para cada 50 clientes, enquanto que na Argentina e no Chile, há uma ação, respectivamente, para cada 443 e 20.948 clientes.
Em segundo lugar, observem-se os números da empresa no setor de agronegócio. Para se ter ideia da dimensão da empresa em cada país pesquisado, levou-se em conta o respectivo faturamento em dólares norte-americanos. No Brasil, a empresa fatura 2,9 vezes mais do que na Argentina e 14,8 vezes mais do que no Chile. A empresa possui no Brasil, em termos absolutos, 5 vezes mais ações judiciais do que na Argentina; e 14,8 vezes mais do que no Chile, Assim, em termos absolutos, a empresa no Brasil ostenta 5 vezes mais ações do que na Argentina e 78 vezes mais, relativamente ao Chile. No âmbito trabalhista, para cada 2,85 empregados no Brasil, existe uma ação trabalhista; enquanto que na Argentina, essa relação é de 1 ação para cada 8,97 empregados; e no Chile é de 1 ação para cada 26,7 empregados. Em números absolutos, a empresa possui 9,6 mais ações trabalhistas do que na Argentina e 125, relativamente ao Chile. A possibilidade de se fazer acordo é 16 vezes menor no Brasil, do que na Argentina e no Chile. Passando-se à esfera tributária, a empresa tem no Brasil 10,2 vezes mais ações em comparação com a Argentina e 25,5 vezes mais ações do que no Chile. O valor provisionado no Brasil para ações tributárias é 7 vezes maior do que o verificado na esfera trabalhista.
Por fim, são os seguintes os números encontrados para a empresa do setor de bens de consumo. Para que a comparação fosse adequada, considerou-se a dimensão da empresa em cada um dos países, consoante o volume de negócio, partindo do volume da produção em hectolitros, no ano de 2014: o Brasil produz cerca de 4,96 vezes mais volume do que a Argentina e 78,33 vezes mais do que o Chile. A empresa tem no Brasil 7,78 vezes mais ações do que na Argentina e 25,53 vezes mais se comparada com o Chile. No que tange aos números totais de processos, em termos absolutos, a empresa no Brasil possui 38,6 vezes mais ações do que na Argentina; e 2 mil vezes no cotejo com o Chile. É de 0,52% do montante faturado por ano, a relação entre valor provisionado e faturamento no Brasil; e de 0,89% para a Argentina; não havendo números para o Chile. Na esfera trabalhista, há uma ação trabalhista, para cada 1,6 empregados no Brasil. Na Argentina essa relação é de 1 ação para cada 9,3 empregados; enquanto que no Chile, é de 1 ação para cada 27,11 empregados. A empresa no Brasil possui 36,9 vezes mais ações do que a Argentina; e 1,548,5 vezes em relação ao Chile; em termos absolutos. No âmbito tributário, a empresa no Brasil possui 334 vezes ações do que na Argentina; impossibilitada a comparação com o Chile, nesse aspecto. Finalmente, na esfera civil, a empresa no Brasil, tem, em termos absolutos, 18 vezes mais ações do que na Argentina; e 723 vezes mais de que no Chile.
Tão importante quanto os números da pesquisa, que acabam de ser revisitados; e que, por saltarem aos olhos, prescindem de comentários explicativos; são as percepções que os entrevistados têm sobre o impacto da atuação da legislação e do Poder Judiciário no desempenho das empresas e, por consequência, na economia dos países pesquisados, particularmente do Brasil. Essas percepções dizem respeito às leis; aos vários ramos do Poder Judiciário e respectivos desempenhos; ao ambiente de negócios; às gratuidades da Justiça; e ao dano moral. Tais percepções, pela sua importância, serão examinadas, detidamente, em continuação.
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