Troca de comando

"Como grande empresa, Ministério Público precisa de gestão profissional"

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31 de março de 2016, 10h25

Spacca
O Ministério Público já é bem diferente do tempo em que Gianpaolo Smanio, ainda garoto, via o pai digitando na máquina de escrever, rodeado de uma pilha de processos. Depois de seguir a mesma profissão, o procurador de Justiça avalia que a instituição tem aumentado seu leque de atribuições, inclusive na área extrajudicial, e por isso precisa ter gestão de “grande empresa” para atender as demandas crescentes da sociedade.

O objetivo dele é ser escolhido para gerenciar as engrenagens movimentadas por 2.037 promotores e procuradores, que no dia 9 de abril vão manifestar a preferência por um dos três candidatos ao cargo ocupado há quatro anos por Márcio Elias Rosa. Quem tem o poder de definir o nome é o governador Geraldo Alckmin (PSDB), com base no resultado da lista tríplice, embora a associação da categoria (APMP) faça campanha pela nomeação do mais votado.

Smanio atendeu pessoalmente a revista eletrônica Consultor Jurídico para conversar sobre suas propostas para o MP-SP e analisar o cenário brasileiro nas áreas jurídica e legislativa. Já foram publicadas entrevistas com os candidatos Pedro Juliotti, nessa quarta-feira (30/3), e Eloisa Arruda, na terça (29/3).

Escolhido por Elias Rosa como sucessor da atual gestão, após uma espécie de seleção interna na cúpula, Smanio atuava como subprocurador-geral de Justiça institucional e exerceu funções durante os mandatos de pelo menos três dos últimos quatro procuradores-gerais antecessores de Elias Rosa: Luiz Antonio Marrey, José Geraldo Brito Filomeno e Fernando Grella.

Sobre a estrutura do Ministério Público paulista, ele reconhece que há sobrecarga de trabalho e “pode ocorrer de faltar computador” para todos os membros. Segundo o candidato, é possível resolver problemas racionalizando gastos e criando um canal de comunicação entre promotores e a Procuradoria-Geral de Justiça, por exemplo.

Mesmo em cenário de crise econômica, ele aposta que é possível fazer investimentos com o caixa do fundo de emolumentos – parte das taxas de serviços notariais e de registro do Judiciário começou a ser repassada ao MP-SP no ano passado, com a Lei 15.855/2015. A lista de propostas inclui ainda aumentar a transparência das atividades de promotores e procuradores. Com o lema “Um MP por Todos Nós”, as ideias foram apresentadas em cerca de 110 visitas pelo estado.

Sobre questões nacionais, o procurador defende mudanças na legislação para combater a impunidade. Avalia que em acordos de delação premiada colaboradores podem abrir mão de alguns direitos e afirma que o sistema penal de São Paulo já garantia direitos de presos antes mesmo das audiências de custódia — iniciativa que garante ao preso em flagrante o direito de ser ouvido por um juiz em até 24 horas, vitrine do Tribunal de Justiça do estado e do Conselho Nacional de Justiça.

Natural de Campinas e torcedor da Ponte Preta, Gianpaolo Smanio é bacharel em Direito pela USP, com mestrado e doutorado em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Ingressou no Ministério Público em 1988, atuou como primeiro-tesoureiro e primeiro-vice-presidente da APMP, foi secretário-executivo do Gaeco e integrou o Órgão Especial do Colégio de Procuradores de Justiça até 2015. É autor de 21 livros na área de Direito e professor do Instituto Presbiteriano Mackenzie. Nas horas livres, gosta de ler, ouvir música e ir ao cinema com a mulher e os dois filhos.

Leia a entrevista:

ConJur – Qual a importância do Ministério Público brasileiro? E do MP-SP?
Gianpaolo Smanio –
O Ministério Público brasileiro tem hoje importância fundamental para a democracia. A maturidade da democracia do país se dá com o funcionamento das instituições. Dentre elas as instituições de fiscalização, de controle, como o Ministério Público. O Ministério Público é um defensor da sociedade, tem importância muito grande na defesa de direitos da cidadania, dos direitos difusos e coletivos.

O Ministério Púbico de São Paulo tem atuação muito forte, tanto dentro dessa área dos direitos sociais e humanos, difusos e coletivos, quanto também no combate à criminalidade. Seus índices de condenações criminais são superiores a 70%, e é muito tradicional e reconhecido seu trabalho na área do combate à corrupção e no controle do meio ambiente. Temos também promotoria comunitária, que faz o trabalho de atuação do Ministério Público junto a hipossuficientes, à sociedade.

ConJur – O papel da instituição tem sido maior do que a ideia do órgão acusador, interessado em prender?
ianpaolo Smanio –
O Ministério Público hoje é garantidor da ordem social, da ordem pública, da ordem jurídica. Tem atuação na defesa do estado democrático, dos direitos sociais, dos direitos indisponíveis. Dentro desse trabalho também está a ação criminal dele.

ConJur –  O que melhorou no MP-SP com a atual gestão da Procuradoria-Geral de Justiça?
Gianpaolo Smanio –
Essa gestão aperfeiçoou tanto questões internas como externas. Conquistou maiores valores orçamentários e ganhou participação no fundo de emolumentos [taxas de serviços notariais e de registro], novidade que garante autonomia orçamentária relevante. Externamente conseguimos o reconhecimento de prerrogativas importantes, como a rejeição da PEC 37 [Proposta de Emenda à Constituição que limitaria poderes de investigação do MP], na qual a sociedade esteve junto do Ministério Público em defesa das suas garantias.

ConJur – O que precisa ser aperfeiçoado?
Gianpaolo Smanio –
É muito importante dizer que o Ministério Público cresceu muito em São Paulo. Com variadas atuações tanto no interior quanto no litoral, precisa de descentralização administrativa e na área de infraestrutura. Esse é o passo que precisa dar agora. Também cresceu na sua atuação extrajudicial, então deve criar redes de atuação, firmar convênios e melhorar a estruturação física e de funcionários. Precisamos ainda promover melhor comunicação entre a Procuradoria-Geral e os promotores. Já existe a transparência dos atos, mas é possível aperfeiçoar, criando portais de comunicação para atender melhor o cumprimento da nossa atividade-fim e conseguir maior eficiência no atendimento à sociedade.

ConJur – Dentro dessa proposta de transparência, o que pode ser melhor divulgado? O senhor pretende, por exemplo, ampliar estatísticas e divulgar TACs [termos de ajustamento de conduta]?
Gianpaolo Smanio –
Pretendo mapear todas as atividades executadas e demonstrar que o Ministério Público é um investimento da sociedade — todos os recursos destinados revertem para a própria sociedade. A Promotoria do Patrimônio de São Paulo, por exemplo, com os acordos que faz, consegue repatriar altos valores. Núcleos do Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado] recuperam bens, e promotorias no interior fazem TACs para a construção de hospitais — em Sorocaba, promotores firmaram um acordo com o Banco do Brasil para o atendimento de deficientes. Como comentei anteriormente, alcançamos 70% das condenações criminais. E nosso conselho superior analisou recursos administrativos, inquéritos civis e procedimentos totalizando 19 mil feitos no ano passado, amostra de quanto a instituição tem atuado. Esse número representa só uma parte dos inquéritos civis, pois corresponde só aos que são objeto de recurso por parte de advogados e arquivamentos pelos promotores.

ConJur – Hoje o Ministério Público não sabe dizer quantos estão em andamento?
Gianpaolo Smanio –
Sabe, temos um sistema de controle interno que permite até a elaboração de rankings sobre a produtividade e o volume de trabalho de cada promotoria. A ideia é fazer uma prestação de contas permanente para mostrar o que regionalmente o Ministério Público conquista para cada comarca, para cada região.

ConJur – Quais são então suas principais propostas?
Gianpaolo Smanio –
A principal proposta é a descentralização, regionalizar a atuação para tornar a gestão compatível com o tamanho atual do Ministério Público. Somos uma instituição de mais de 7 mil pessoas, mais de 2 mil promotores e procuradores, cerca de 5 mil funcionários espalhados em 366 promotorias pelo estado todo. Então o Ministério Público hoje é uma grande empresa, e a gestão precisa ser mesmo profissionalizada e estruturada, já que a demanda da sociedade continua aumentando.

ConJur – O MP de São Paulo tem hoje estrutura eficiente?
Gianpaolo Smanio –
A estrutura existente hoje dá conta do trabalho, mas em todas as promotorias há sobrecarga. É preciso criar condições de melhorias estrutural e física para que essas demandas possam ser atendidas de maneira mais eficiente.

ConJur – Nas visitas que o senhor tem feito às promotorias, que tipos de demanda são mais comuns?
Gianpaolo Smanio –
São comuns essas demandas sobre melhorias na estruturação. As regiões também estão hoje demandando a criação de promotorias regionais, para tratar de assuntos que não se restringem a uma comarca. Existem propostas de promotorias regionais ambientais, de execução penal e de improbidade administrativa, por exemplo.

ConJur – Durante a campanha foi dito que falta até computador para o Gaeco [Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado]. A afirmação procede?
Gianpaolo Smanio –
Pode ocorrer de faltar computador e outros materiais, por isso insisto numa gestão mais profissional para conseguir atender essa demanda toda com rapidez.

ConJur – Como aprimorar os trabalhos e atender pedidos de promotores e procuradores com orçamento enxuto, em cenário de crise econômica?
Gianpaolo Smanio –
Precisamos racionalizar os gastos e utilizar nosso orçamento conforme as possibilidades. Hoje temos uma conquista importante: a participação no fundo de emolumentos, que nos permitirá fazer investimentos de modernização já em 2016. Então é possível promover melhorias dentro da atual previsão orçamentária.

ConJur – O senhor disse que o papel do Ministério Público vem aumentando, e uma dessas tarefas é desenvolver investigações por conta própria. Há critérios fixos para definir quais fatos serão investigados diretamente pela instituição?
ianpaolo Smanio –
A definição cabe a cada promotor, a cada promotoria. Os promotores têm autonomia, e ao procurador-geral cabe garantir que o promotor possa desempenhar sua atividade com absoluta independência e garantia funcional. É preciso que o promotor possa agir como agente político que ele é e que possa definir quais são as prioridades de sua atuação, dentro da sua atribuição e dentro da sua competência.

ConJur – Com essa autonomia, o membro do Ministério Público pode anunciar que vai investigar alguém? Ou deveria aguardar mais elementos?
Gianpaolo Smanio –
É preciso garantir a autonomia da atuação do promotor. A forma de agir, a forma de atuar tem de ser de acordo com a convicção do próprio promotor. Existem promotores que preferem agir de um jeito, outros preferem agir de outro.

ConJur – Quais mudanças legislativas são mais relevantes ou urgentes no país?
Gianpaolo Smanio –
Precisamos de uma legislação que possa combater melhor a impunidade, sobretudo em crimes mais graves, de “colarinho branco”. Precisamos de uma ação de perdimento de bens, de extinção de domínio, para aqueles que enriqueceram ilicitamente percam tudo que ganharam com condutas ilícitas. Precisamos também criminalizar o enriquecimento ilícito e debater o instituto da prescrição. Pouquíssimos países adotam hoje a prescrição retroativa, como o Brasil. Precisamos de legislação que diminua esse volume de recursos processuais. É necessário enxugar esses procedimentos para buscar melhor eficiência, sem retirar direitos.

ConJur – O Supremo Tribunal Federal acertou ao rever jurisprudência e antecipar a execução da pena a partir de decisão colegiada em segundo grau?
Gianpaolo Smanio –
É uma decisão adequada, importantíssima contra a impunidade. O Brasil é um dos pouquíssimos países que adotava uma interpretação constitucional tão ampla como o Supremo fazia. Medidas provisórias são decorrentes do processo, não ferem garantias de coisas julgadas, da presunção de inocência. Esse já era o posicionamento da corte até 2009, e a nova mudança veio em bom momento.

ConJur – O senhor avalia que esse entendimento também pode ser aplicado para condenações não criminais?
Gianpaolo Smanio –
Acredito que deve haver execução provisória diante de assuntos que exigem esse provisionamento. Em tese, sou favorável a esse tipo de execução quando há decisão de segunda instância, por ser uma decisão colegiada.

ConJur – O senhor defendeu o combate à corrupção, mesma pauta do Ministério Público Federal, que tem feito propaganda de dez medidas contra esse tipo de crime. O senhor concorda com todas elas?
Gianpaolo Smanio –
Em princípio concordo com todas, algumas das propostas de celeridade processual que comentei fazem parte dessas dez medidas. É importante que o país tenha uma pauta de combate à corrupção porque hoje esse é um problema grave do nosso país. A democracia brasileira exige um novo procedimento em relação a cargos públicos e ao relacionamento público-privado.

ConJur – Em meio a esse discurso de combate à corrupção, têm sido frequentes delações premiadas e acordos de leniência. Como que o senhor avalia esses instrumentos?
Gianpaolo Smanio –
É importante no Direito Penal essa possibilidade de negociação entre as partes.  Tanto para a defesa, que pode avaliar se deseja ou não a negociação, quanto para a sociedade, quando permite que agentes usem os depoimentos para avançar nas investigações. O combate ao crime organizado, aos crimes de “colarinho branco” e até mesmo crimes graves de terrorismo têm como um dos instrumentos importantes a delação premiada.

ConJur – Termos de colaboração podem obrigar que a parte desista de recursos e pedidos de Habeas Corpus?
Gianpaolo Smanio –
Dentro de uma negociação é possível que cada parte coloque suas condições e decida o que é importante. Assim como os órgãos de apuração e acusação abrem mão de medidas, considero possível que o acusado ou o investigado também possa abrir mão de medidas. São condicionantes da negociação, não vejo problema nelas, desde que sejam feitas dentro da legalidade.

ConJur – Como avalia o indulto?
Gianpaolo Smanio –
O indulto é previsto na Constituição Federal, então cabe a nós cumpri-la. Evidentemente, o órgão que o concede tem que levar em conta os requisitos. O Ministério Público sempre defende maior rigor e maior controle, por causa da sensação de impunidade.

ConJur – Como o senhor avalia a condução das audiências de custódia no TJ-SP?
Gianpaolo Smanio –
O Ministério Público de São Paulo sempre se posicionou na sociedade para essas medidas viessem através de lei, porque é preciso adequar o sistema processual às medidas e aos institutos que estão sendo realizados. Se a questão é trocar a prisão por medidas chamadas de alternativas, é preciso ter essas medidas alternativas efetivamente. Se não há tornozeleiras eletrônicas, pode ficar uma sensação de insegurança para a sociedade. O Supremo já considerou legal a forma como essas audiências chegaram [por ato administrativo dos tribunais], por causa do Pacto de San José, que está no nosso ordenamento jurídico. Ainda assim acho importante que viesse em formato de lei. 

Sinceramente o sistema processual sempre foi capaz de detectar qualquer ato de ilegalidade e permitir aos acusados que tivessem garantias. Não me parece que o sistema processual tivesse qualquer vício ou qualquer mácula capaz de ferir garantias de réus. É possível encontrar um ou outro caso em São Paulo, realidade que eu conheço, mas o sistema garante ao acusado todas as possibilidades de defesa. Dentro das decisões do Supremo, cabe ao Ministério Público atuar para que os institutos possam ter a sua aplicação dentro do rigor legal, dentro da condição da defesa da sociedade. Já conversei com o grupo que atua nas audiências de custódia, são colegas muito combativos, que têm conseguido resultados muito importantes.

ConJur –  A operação “lava jato” levou à quebra do sigilo telefônico de um escritório de advocacia e divulgou conversa entre a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. Como o senhor avalia essas medidas?
Gianpaolo Smanio – Essas questões envolvendo quebra de sigilo telefônico e divulgação de áudios estão sendo analisadas pelo Supremo Tribunal Federal. É preciso aguardar essa análise, que é própria do Supremo, a respeito da constitucionalidade ou não dessas medidas.

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