Opinião

É necessário regulamentar os "jogos de azar" no Brasil

Autor

  • Paulo José Iász de Morais

    é advogado criminalista conselheiro estadual da OAB-SP presidente da Comissão de Monitoramento Eletrônico de Detentos da OAB-SP e sócio do escritório Morais Donnangelo e Toshiyuki Advogados Associados.

30 de março de 2016, 7h42

O Projeto de Lei 186/2014, que ora se analisa, busca regulamentar a atividade de bingos no Brasil. A questão que deve nortear os debates não é se tais atividades devem ser regulamentadas, mas em que medida deve haver essa regulamentação.

Com efeito, os que se opõem à legalização e regulamentação da exploração de jogos, vulgarmente conhecidos como “jogos de azar”, afirmam que a legalização gerará crescimento no número de casas de jogos e causará o aparecimento de níveis patológicos da prática. Além disso, haverá dificuldade em fiscalizar a atividades daquelas empresas que se dedicarão à exploração dos jogos. Dizem, inclusive, que aqueles que se ocuparão da referida atividade empresarial poderão desenvolver mecanismos e práticas de fraude à legislação.

Com todo o respeito, laboram em equívoco os que assim se posicionam. Isso porque a exploração e prática de jogos, apesar de ilegal, já existe no Brasil efetivamente, e não surgirá com a sua regulamentação, acha vista a existência de apontadores do “jogo do bicho” em todos locais das grandes cidades, bingos clandestinos, casas com máquinas ilegais em pleno funcionamento. O que se busca é justamente dotar as pessoas políticas de dados concretos e confiáveis para saber como, onde e por quem são exploradas tais atividades.

A partir daí será possível planejar e implementar políticas públicas de esclarecimentos sobre a “questão jogos”, bem como de políticas de saúde para aqueles que, eventualmente, façam uso abusivo de tal prática, os conhecidos portadores da ludopatia. Não é possível manter na clandestinidade uma atividade em razão de uma parcela (que nem se sabe seguramente qual é) de pessoas que fazem uso doentio de jogos, sendo certo que, nos países que já têm a atividade devidamente regulamenta, estudos indicam que, normalmente, varia entre 1% e 3% daqueles que fazem uso do jogos como entretenimento.

Os opositores à regulamentação pressupõem que todos que praticarem os jogos serão doentes, ludopatas, e todos os que explorarem os jogos como atividade econômica o farão mediante o cometimento de ilícitos.

Também no que tange à falta ou dificuldade de fiscalização, cumpre observar que tal argumento não é suficiente para obstar a regulamentação que ora se pretende, isso porque ocorreram significativas mudanças legislativas e jurisprudenciais no que tange à fiscalização e controles de atividades financeiras, bem como para os eventuais ilícitos praticados.

Podem ser mencionadas, por exemplo, a Lei 9.613/98 (“Lei de Lavagem de Dinheiro” e sua alteração pela Lei 12.683/12), que instituiu mecanismos de compliance e rol de pessoas obrigadas a informar ao Conselho de Controle da Atividade Financeira (Coaf) sobre atividades que movimentem expressiva quantidade de ativos financeiros, bem como a Lei 12.850/13 (“Lei de Organizações Criminosas”), que prevê medidas de investigação e combate às chamadas organizações criminosas, tais como colaboração premiada, captação ambiental, ação controlada, acesso a bancos de dados, interceptação telefônica, quebra de sigilo, infiltração de agentes e cooperação entre órgãos de fiscalização e controle.

Além disso, no âmbito jurisprudencial, recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu pela possibilidade de acesso, por órgãos da administração tributária, de acesso a dados sigilosos mesmo sem autorização judicial.

De se notar, portanto, que cada vez mais o Estado tem sido dotado de instrumentos e mecanismos novos para fiscalização, controle e combate de eventuais ilícitos praticados por agentes econômicos, ou seja, o Estado, hoje, com Receita Federal, Polícia Federal e Coaf está absolutamente preparado para o controle e fiscalização dessa atividade no Brasil.

A questão “a quem interessa a regulamentação” deve ser invertida para perguntar “a quem interessa a manutenção dos jogos na clandestinidade?”.

A regulamentação permitirá, como já afirmado, que sejam traçadas e implementadas medidas de fiscalização e controle nas atividades de jogos, além de idealização de políticas públicas de saúde àqueles que fizerem uso abusivo da prática de jogos. Permitirá, ainda, que se criem campanhas de esclarecimento sobre os riscos e efeitos da prática desmedida de jogos.

Nessa esteira, como dizer que a fiscalização se torna inviável se a manutenção das atividades na clandestinidade é justamente o que provoca a falta de fiscalização?

Profetizar que a legislação que se discute será ineficaz, além de desrespeitar a atividade parlamentar, incorre em erro conceitual: a eficácia da lei não é critério para que o legislador as elabore. Academicamente é assunto da sociologia jurídica e, na prática, a aplicação da lei cabe ao Judiciário e aos órgãos de fiscalização e controle, sendo inócuo argumentar que não adianta legislar sobre tal ou qual assunto em razão da futura e eventual falta de aplicação dos comandos legais.

Por fim, é preciso notar que o “poder paralelo” a que aludem alguns dos opositores do projeto analisado é decorrência direta da situação de clandestinidade em que se encontram os jogos no Brasil; não é algo que nascerá da regulamentação.

Ao contrário, a legalização terá como efeitos, ainda que secundários, justamente a diminuição do “poder paralelo” do (então) contraventor. 

Autores

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    é advogado criminalista, presidente da Comissão de Estudos sobre o Monitoramento Eletrônico de Detentos da OAB-SP e autor do livro Monitoração Eletrônica, Probation e Paradigmas Penais.

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