Encontro em Portugal

Má-governança configura crime de responsabilidade, diz professor

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29 de março de 2016, 18h50

Para o professor aposentado de Direito Constitucional da Universidade de São Paulo (USP) Manoel Ferreira Gonçalves Filho,  o processo de remoção de presidentes da República não se cinge a motivações de ordem penal. Ele exemplificou com afastamentos de presidentes anteriores à Carta de 88, como Carlos Luz e Café Filho e, posteriormente, de Collor, quando se adotou critérios políticos, apesar do rito jurídico.

Manoel Gonçalves invocou a origem do mecanismo de impeachment brasileiro, a Constituição americana, que prevê desde 1787 a remoção motivada por  “treason, bribery, and other high crimes and misdemeanors", em tradução livre: "Traição, corrupção e outros crimes graves e má-governança". A explicação foi dada em Lisboa, nesta terça-feira (29/3), durante seminário promovido pelo Instituto Brasiliense de Direito Público.

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“Legitimidade não se obtém apenas das urnas. Tem que ser conquistada no dia a dia”, disse Manoel Gonçalves.
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O texto dos EUA detalha que, além do presidente, também se sujeitam ao impeachment o vice- presidente, e todos os funcionários civis dos Estados Unidos" que serão afastados de suas funções quando indiciados e condenados pelos delitos relacionados.

Durante sua fala na capital portuguesa, Manoel Ferreira Gonçalves, que fará 81 anos em junho, justificou o fato de ter sido convidado por ser, entre os presentes, o mais experiente em crises institucionais republicanas, tanto aqui quanto no exterior, pois participa desses eventos desde a deposição de Getúlio Vargas, em 1945. Ele também esteve na França em 1958, ano em que o general Charles De Gaulle chegou ao poder e a Constituição francesa foi elaborada.

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Na entrada do evento, manifestantes petistas criticavam Aécio Neves.
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O professor ressalta que em todos esses anos pôde perceber que a “legitimidade não se obtém apenas das urnas. Tem que ser conquistada no dia a dia”. Sobre a separação de poderes, que é adotada pelo Brasil e por outros países, Manoel Gonçalves destacou que o modelo serve como freio e contrapeso. “[A separação] Não se preocupava com a eficiência, mas com o equilíbrio”, disse.

Ao falar sobre os sistemas de governo,  destacou que todos têm suas peculiaridades e problemas. Usando o presidencialismo como exemplo, ele ressaltou que as crises entre instituições ou poderes geram uma espécie de bloqueio, o que resulta na paralisação da economia, tornando difícil o funcionamento de qualquer governo. “Isso é crucial para a legitimidade.”

Arremedo de presidencialismo
Ainda sobre o sistema presidencialista, o presidente do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Jorge Miranda, disse que na América Latina existem apenas desvios ou arremedos e presidencialismo. Para Jorge Miranda, o único país da América onde o modelo realmente existe são os EUA.

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Manifestantes contra impeachment de Dilma foram ao evento em Lisboa.
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O presidencialismo foi instituído no Brasil depois de plebiscito promovido em 1993. O modelo de governo recebeu 36,6 milhões dos 66 milhões de votos registrados e passou a valer em 1995, conforme delimitou a Emenda Constitucional 2. Desde 1992, a Constituição recebeu 91 emendas. No site do Palácio do Planalto consta que além desses projetos há outros seis que foram usados para revisar dispositivos.

Lá e cá
O evento serviu também para comparações entre a Justiça portuguesa e a brasileira. Eduardo Vera-Cruz Pinto, presidente do Instituto de Direito Brasileiro da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
contou que em Portugal juízes são avaliados pelo mérito das decisões e afirmou que isso faz muito bem para a qualidade das decisões judiciárias em Portugal.

O advogado Leandro Schuch, sócio da Nelson Wilians e Advogados Associados, presente no evento, afirmou que as palestras servem para mostrar como Portugal superou momentos recentes de crise sem qualquer ameaça de rompimento da ordem institucional. "Somado a isso, concordo com as manifestações sobre a necessidade de um Judiciário fortalecido como contribuição para a manutenção da paz social".

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Seminário reuniu juristas dos dois países.
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Estiveram presentes no evento os ministros do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli e Gilmar Mendes — que é um dos organizadores do seminário —, do Superior Tribunal de Justiça Ricardo Villas Bôas Cueva e João Otávio de Noronha; o senador José Serra (PSDB-SP), o embaixador do Brasil em Lisboa, Mario Vilalva; e o ex-advogado-geral da União Luis Inácio Adams, entre outros.

[Texto alterado às 7h23 de 30/3 para correção de informações]

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