Direito Civil Atual

A alteração do nome: o abandono afetivo e o vínculo socioafetivo

Autores

  • Vivian Gerstler Zalcman

    é mestranda em Direito pela PUC-SP pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso professora de Direito Civil e Processo Civil em diversas Instituições. Pós-Graduada em Direito de Família e Sucessões pela PUC/SP em Direito Civil e Processo Civil bem como em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Sócia-Diretora do Escritório Zalcman Advogados Associados.

  • Carlos Eduardo Silva e Souza

    é pós-doutor em Direito pela PUC-RS. Doutor em Direito pela Fadisp. Mestre em Direito Agroambiental pela UFMT. Diretor da Faculdade de Direito da UFMT. Professor adjunto da Faculdade de Direito da UFMT. Advogado.

28 de março de 2016, 8h00

Ao sujeito de direito dá-se a denominação de pessoa natural, nomenclatura esta adotada tanto pelo Código Civil de 1916, quanto pelo Codex de 2002. O nome, no direito civil brasileiro, é a forma de individualização da pessoa natural.

Desde o período que o ser humano desenvolveu sua capacidade de verbalizar intenções, a nomenclatura de coisas e pessoas tornou-se relevante, senão fundamental. E o nome dado às pessoas evoluiu com o passar do tempo.

De início, apenas um nome era suficiente para identificar um determinado indivíduo no seu núcleo de convívio, o que foi se modificando com o crescimento populacional e a especialização das formas de locomoção.

O povo hebreu, a princípio, era identificado apenas com um nome seguido da filiação, como, por exemplo, Jacó filho de Isaac. Essa forma de individualização para um povo, até então pequeno, era suficiente para o convívio.

Com a necessidade de uma melhor forma de denominação que não gerasse tanta confusão, passou-se a incluir um segundo nome, em referência à profissão ou localidade ou acidente geográfico de nascimento.

Na Grécia, o nome de início era único e depois passou a ser composto por três partes: o prenome, o nome de família e o nome da gens da qual o sujeito integrava. Já os romanos, por sua vez, possuíam também um nome composto por prenome, nome, cognome e, certas vezes, acrescido do agnome.

Na Idade Média, voltou-se ao costume de dar nome único, geralmente nomes relacionados aos santos e, com o tempo e a confusão gerada pelos nomes semelhantes, passou-se a adotar um segundo nome que poderia ser relacionado à filiação, ao local de nascimento, a plantas ou animais.

Essa forma de individualização iniciou-se entre as classes mais altas até ser disseminada a todos os integrantes da sociedade. Entre nós, contemporaneamente, o nome consiste num direito personalíssimo, sendo resguardado pelo Código Civil, em seu artigo 16: Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

Os direitos da personalidade relacionam-se com tudo que é necessário à natureza humana, como, por exemplo, a vida, a liberdade de pensamento e de expressão, a integridade, a honra, a moral, a intimidade, a segurança e tudo aquilo que for relacionado a uma vida humana digna. O direito ao nome está, da mesma maneira, inserido naquilo que é indispensável para a natureza humana.

O fato de ser direito personalíssimo suscitaria a dúvida quanto à sua característica de imutabilidade, porém vastos são os casos de exceção a essa regra dentre os direitos personalíssimos, além da possibilidade de modificação do patronímico ser previsto em lei. O princípio da imutabilidade é facilmente relativizado pela doutrina, jurisprudência e encontra respaldo nos próprios dispositivos legais, tanto para a alteração do prenome quanto do nome de família.

Em verdade, há diversas situações em que é possível e comum a alteração do patronímico: a) alteração pelo casamento ou união estável; b) divórcio, nulidade e anulação do casamento ou dissolução da união estável; c) adoção; d) homonímia; e) alteração motivada por razão fundamentada – nesse caso, ressalta-se a alteração do nome em virtude do abandono afetivo.

A forma mais comum de alteração de nome é por ocasião do casamento ou união estável, em que a os envolvidos tem a opção legal de adotarem ou não o nome de família do cônjuge ou companheiro. Tal faculdade independe do sexo, podendo o varão adotar o nome da cônjuge/companheira virago ou o contrário.

A mudança do patronímico pelo casamento está prevista no artigo 1565, §1º do Código Civil que dispõe: Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. Já a Constituição Federal, em seu artigo 226, §3º, equiparou o casamento e a união estável. De igual forma, assim procedeu a Lei de Registros Públicos, em seu artigo 57, §2º, já que permite a adoção do patronímico do companheiro.

Outra forma aceita de modificação do nome é através do divórcio, da nulidade ou anulação do casamento ou, ainda, pela dissolução da união estável. O rompimento do vínculo matrimonial entre os cônjuges ou o findar da união estável entre os conviventes não obrigam os envolvidos a retornar ao status quo, no que tange ao patronímico, uma vez que se trata de uma faculdade dos envolvidos manter ou não o nome adquirido com a modificação de estado. Isso é pacífico nos divórcios e dissoluções de uniões estáveis em que há consensualidade entre os envolvidos.

Nos divórcios litigiosos, a situação não é tão simples. Não adentrando aqui na seara da continuidade da existência ou não do instituto da separação judicial, fato incontroverso é que a culpa não consiste mais em requisito para a obtenção do rompimento do vínculo matrimonial. Porém, diferentemente do posicionamento de alguns doutrinadores, a culpa continua a ser um ponto de máxima importância para conseguir um ressarcimento pelos danos morais e materiais causados, bem como para obstar aquele que adquiriu o patronímico do outro e continua a utilizá-lo.

Outra forma, desta vez obrigatória, de alteração do nome é a adoção. Decorre do princípio constitucional da igualdade o subprincípio denominado “igualdade entre todos os filhos”, extirpando a diferenciação dada, no passado, entre filhos consanguíneos havidos no casamento, dos adotados ou oriundos de relações extraconjugais. Assim, quando se dá a adoção, é obrigatória a mudança do patronímico do adotado para que se iguale ao dos adotantes.

A fim de modificar o nome para cessar a confusão com pessoas que detém igual denominação, é permitido o acréscimo de outro nome ao qual a pessoa faça jus, a fim de evitar a chamada homonímia. Por fim, a mudança de nome que se encontra em voga, foco do presente estudo, é a alteração do nome motivado por abandono afetivo dos genitores e pelo vínculo socioafetivo.

Em que pese essa espécie de modificação de patronímico não se encontrar expressa na legislação, a Lei dos Registros Públicos dispõe acerca da possibilidade de modificação por qualquer motivo justo e fundado. Desta feita, a exclusão do patronímico do genitor que cometeu o abandono tem sido amplamente aceita tanto pela doutrina, quanto pela jurisprudência pátria.

O pensamento contemporâneo das relações familiares acaba por valorizar a visão principiológica-valorativa dos fatos sociais, com a preponderância do afeto aos vínculos hereditários. Diante dessa nova ordem de pensamento e da valorização individual do ser humano trazida pela pós-modernidade, o rigor conservador da formatação tradicional da família foi deixado para trás e o vínculo pautado no amor e afeto priorizado.

Nessa seara, a lei, a doutrina e a jurisprudência caminharam para a aceitação de ligações familiares não sanguíneas, dando, por exemplo, ao padrasto ou madrasta o status de pai ou de mãe em todos seus direitos e deveres – inclusive no que tange ao registro. Da mesma maneira, foram impostas penalidades e até mesmo a perda do poder familiar aos genitores que deixaram seus papéis, corroborando para a ocorrência do abandono afetivo.

Fato é, dado o reconhecimento do abandono afetivo, seria absurdo obrigar aquele que já sofreu com a ausência daqueles que mais deviam lhes apoiar a carregar consigo um patronímico que lhes recorda constantemente a relação dolorosa a que foram submetidos – de maneira ativa ou passiva.

A questão, aliás, já foi objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça, a exemplo do Recurso Especial nº 1.304.718-SP, cuja decisão permitiu a retificação de assento de nascimento de filho abandonado pelo pai na infância e, assim, viabilizando a supressão do patronímico paterno, sob o argumento de que o princípio da imutabilidade efetivamente não deve ser considerado absoluto no sistema jurídico brasileiro.

É fundamento também, na indigitada decisão do Superior Tribunal de Justiça, que a possiblidade de alteração de nome, com fulcro no artigo 57 da Lei de Registros Públicos, seria possível, de maneira excepcional e diante de justo motivo, que seria justamente o caso do abandono afetivo.

Aliás, a flexibilidade em relação ao princípio da imutabilidade do nome civil adotada o Superior Tribunal de Justiça pelo próprio papel que o nome desempenha na formação e consolidação da personalidade de uma pessoa, como se destacou no julgamento do Recurso Especial nº 1.412.260-SP, também destacado no retro citado acórdão.

Assim, deve-se considerar a possibilidade do sujeito alterar o seu nome, a fim de lhe permitir eliminar a constante lembrança de um relacionamento traumático e que se consubstancia no que se convencionado denominar como abandono afetivo.

* Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).

Autores

  • Brave

    é mestranda em Direito pela PUC-SP, pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Mato Grosso, professora de Direito Civil e Processo Civil em diversas Instituições. Pós-Graduada em Direito de Família e Sucessões pela PUC/SP, em Direito Civil e Processo Civil, bem como em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus. Sócia-Diretora do Escritório Zalcman Advogados Associados.

  • Brave

    é pós-doutor em Direito pela PUC-RS. Doutor em Direito pela Fadisp. Mestre em Direito Agroambiental pela UFMT. Diretor da Faculdade de Direito da UFMT. Professor adjunto da Faculdade de Direito da UFMT. Advogado.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!