Opinião

Novo CPC impõe a fundamentação, que pode ser sucinta, mas não deficiente

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26 de março de 2016, 17h50

Conforme aponta o constitucionalista Uadi Lammêgo Bulos, a fundamentação/motivação são consectários do devido processo legal e não deve ser expedida em desapreço as garantias constitucionais da imparcialidade e livre convicção[1]. Demais disso, está calcada expressamente no art. 93, IX[2] e em total compasso com a nova visão do contraditório de efetiva[3] – dentro dos vetores do neoprocessualismo e assim, do dever de consulta, diálogo e consideração – e real influência nas decisões judiciais conforme artigos 7º[4], 9º[5] ,10[6] e 11[7] do Novo Código de Processo Civil. 

Fundamentar, do mesmo modo, é atividade que parte da escolha interpretativa do julgador e, a partir desta premissa, deve sua decisão fundamentadamente conter a justificação dos enunciados com base em critérios que evidenciem ter sido sua escola racionalmente apropriada[8]. Assim, a justificação racional das escolhas interpretativas é que, de fato, deve estar, devidamente, fundamentada.

É neste enfoque que será analisado o inciso IX do art. 93 da Constituição Federal, é claro, com sua incidência na fundamentação da sentença, especialmente, no que tange do inciso IV[9] do §1º do art. 489 do Novo Código de Processo Civil.

É preciso mencionar, inicialmente, que, ainda, são princípios vetores do novo sistema processual civil a persuasão racional e o livre convencimento motivado conforme se denota pelo teor do art. 371[10] da novel legislação. Por certo que a argumentação lançada pelas partes torna-se relevante a partir do momento que cumprido restar seu ônus probatório para sua consequente valoração pelo julgador.

A propósito, colaciona-se ensinamento do Daniel Amorim Assunpção Neves sobre o tema:

“Entendo que o Novo Código de Processo Civil manteve o sistema da valoração do livre convencimento motivado, anteriormente previsto no art. 131 do CPC/73 e atualmente no art. 371 do Novo CPC[11], não me impressionando com a supressão de todas as referências ao termo livre convencimento e outras expressões em sentido parelho com o ordenamento processual. Há certa confusão nesse entendimento porque o sistema de livre convencimento motivado tradicionalmente é vinculado à parte fática da decisão, de forma que as novas alterar o sistema de valoração da prova e fundamentação jurídica da decisão. Afirmar que a mudança legislativa levará ao respeito às decisões dos tribunais superiores ou à exigência de que o juiz enfrente todas as questões arguidas pelas partes demonstra bem a confusão entre a valoração da prova e fundamentação jurídica da decisão[12]”.

No mesmo toar firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[13]. Ademais, e dentro deste contexto, o órgão de interpretação constitucional e guardião da Constituição Federal por inúmeras vezes debruçou-se sobre a fundamentação das decisões sob a ótica magna, bem sintetizado no acórdão relatado pelo E. Ministro Gilmar Mendez e, fulcrado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, a saber:

“O art. 93, IX, da CF exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão.” (AI 791.292QORG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-6-2010, Plenário, DJE de 13-8-2010, com repercussão geral.)

No mesmo sentido, ainda estão: AI 737.693AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 26-11-2010; AI 749.496AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 1141 Art. 93, IX18-8-2009, Segunda Turma, DJE de 11-9-2009; AI 697.623AgREDAgR, Rel.Min. Cármen Lúcia, julgamento em 9-6-2009, Primeira Turma, DJE de 1º-7-2009; AI 402.819AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 12-8-2003, Primeira Turma, DJ de 5-9-2000.

Ou seja, seguindo a força dos precedentes sinalizadas pelo Novo Código de Processo Civil, em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal pacificou o tema postulando que a fundamentação não deve, necessariamente, pormenorizar as questões de cada uma das alegações ou provas.

Assim, firmado nos vetores do livre convencimento motivado, os fundamentos devem ser fulcrados a partir dos argumentos lançados pelas partes que relevante tornarem-se à escolha interpretativa e desate do bem da vida pleiteado em juízo. Se não bastasse, não se pode confundir ausência de fundamentação dos argumentos relevantes à entrega da prestação jurisdicional com fundamentação concisa ou suficiente para a análise constitucional da lide.

Por isso, do mesmo modo, a Corte Suprema verbera que “a falta de fundamentação não se confunde com fundamentação sucinta. Interpretação que se extrai do inciso IX do art. 93 da CF/1988.” (HC 105.349AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 23-11-2010, Segunda Turma, DJE de 17-2-2011).

De mais a mais, a citada Corte de Superposição ainda fulcrou entendimento de que é possível fundamentação per relationem na medida em que “não viola o art. 93, IX, da CF o acórdão que adota os fundamentos da sentença de primeiro grau como razão de decidir.” (HC 98.814, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 23-6-2009, Segunda Turma, DJE de 4-9-2009.)

Ainda no mesmo sentido: HC 94.384, Rel. Min. Dias Toffoli , julgamento em 2-3-2010, Primeira Turma, DJE de 26-3-2010. Vide: AI 789.441AgR, Rel.Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 9-11-2010, Primeira Turma, DJE de 25-11-2010. AI 664.641ED, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 16-9-2008, Primeira Turma, DJE de 20-2-2009; MS 25.936 ED, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 13-6-2007, Plenário, DJE de 18-9-009; HC 86.533, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 8-11-2005, Primeira Turma, DJ de 2-12-2005

Logo, por qualquer prisma que se observe, na espeque do neoconstitucionalismo, é possível concluir pela necessidade da fundamentação, ainda que sucinta, nos exatos termos das premissas firmadas pelo julgador diante dos argumentos das partes que, neste vagar, foram relevantes para a solução adotada no caso concreto.

Alias, esta é a exata jurisprudência do E. Tribunal de Justiça de Goiás,

DUPLA APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE PERMUTA DE IMÓVEIS. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. VÍCIO REDIBITÓRIO CARACTERIZADO. STATUS QUO ANTE. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. 1 – O sistema de valoração adotado pelo direito processual brasileiro é o da persuasão racional no qual o juiz é livre para formar seu convencimento, dando as provas produzidas o peso que entender cabível. 2 – O julgador não é obrigado a debater todas as alegações da exordial, desde que, de modo substancialmente fundamentado, entenda o caso de maneira que torne desnecessária ou irrelevante abordar fatos outros que não influenciaram em seu convencimento. (…). APELOS CONHECIDOS. O PRIMEIRO PARCIALMENTE PROVIDO E O SEGUNDO PREJUDICADO.(TJGO, APELACAO CIVEL 429639-71.2011.8.09.0006, Rel. DR(A). WILSON SAFATLE FAIAD, 6A CAMARA CIVEL, julgado em 13/10/2015, DJe 1896 de 23/10/2015)

Atentando-se ao inciso IV do §1º do art. 489 do Novo Código de Processo Civil, é preciso repisar que na trilha do anterior, deu continuidade a linha mestra ou princípio valor a persuasão racional ou livre convencimento motivado que, assim, não impõe ao julgador o rebate pormenorizado das questões postas, com exceção daquelas que influírem e foram nodais para o desate e julgamento dos pedidos formulados.

Assim, o magistrado deve sim enfrentar todos os argumentos que forem capazes de, em tese, infirmarem a conclusão adotada, tornando-se, despiciendo, portanto, a análise acurada dos demais (que não influírem para o julgamento), seja pela ótica constitucional como já pavimentado nas linhas anteriores, ou mesmo pela interpretação sistemática do artigo presente com o art. 371 do mesmo diploma.

Neste rumo são os ensinamentos de Nelson Nery Júnior[14] “não se deve confundir a sentença com fundamentação sucinta com aquela de fundamentação deficiente. O juiz não tem obrigação de responder a todos os argumentos das partes [v. CPC 489 § 1.º IV], mas tem o dever de examinar as questões que possam servir de fundamento essencial à acolhida ou rejeição do pedido do autor [Athos Gusmão Carneiro. Sentença mal fundamentada e sentença não fundamentada (RP 81/220)]”.

Ainda, com maestria, Luís Guilherme Marinoni[15] no mesmo caminho “é importante perceber, porém, que o art. 489, § 1.º, IV, não visa a fazer com que o juiz rebata todo e qualquer argumento invocado pelas partes no processo. O Poder Judiciário tem o dever de dialogar com a parte a respeito dos argumentos capazes de determinar por si só a procedência ou improcedência de um pedido – ou de determinar por si só o conhecimento, não conhecimento, provimento ou desprovimento de um recurso. Isso quer dizer que todos os demais argumentos só precisam ser considerados pelo juiz com o fim de demonstração de que não são capazes de determinar conclusão diversa daquela adotada pelo julgador”.

Só mais uma análise quanto o tema: se a sentença for proferida nos contornos da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), destaca-se que o art. 38[16], no âmago do microssistema, expõe que cabe ao magistrado fundamentar a sentença, tão somente, nos elementos que firmarem sua convicção, aliados, portanto, aos princípios norteadores da simplicidade e celeridade[17][18].

Vale mencionar, ainda, que se, eventualmente, não houver fundamentação dos argumentos (fáticos ou jurídicos) das partes relevados na posição adotada do julgador caberá, diante de hipótese de error in procedendo, manejo do recurso de apelação – entretanto, com alteração significativa em relação ao regime sistemático anterior –  ao Órgão Superior, da aplicação da teoria da causa madura (tanto que houve julgamento do mérito em primeiro grau) prolação de nova decisão de mérito[19], agora devidamente fundamentada quanto os pontos que eram importantes para o desate mas foram olvidados nos termos do art. 1013, §3º, IV[20], do Novo Código de Processo Civil.

Por isso, e percorrendo a ordem constitucional, e nos termos pavimentados antes, de acordo com o Novo Código de Processo Civil, entende-se que a fundamentação é vislumbrada a partir da dicotomia dos argumentos (fáticos e jurídicos) lançados pelas partes e da posição interpretativa do magistrado.

Sendo assim, repisa-se, quanto ao inciso IV do §1º do art. 489 do Novo Código de Processo Civil, seguindo interpretação sistemática constitucional e, mesmo, pelos contornos fundamentais do novo sistema processual, os demais argumentos lançados pelas partes que não influenciaram no teor do julgamento, por tal razão, tornam-se desnecessária sua análise, inclusive, como corolário da máxima e célere efetividade da prestação jurisdicional[21].


[1]BULOS. Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 2014. 8ª ed. Ed. Saraiva. Pag. 707.

[2]Art. 93. (…) IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

[3]Neste sentido: WAMBIER. Tereza Arruda Alvim e outros. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil. Ed. Rt. 1º ed. 2015. “Este dispositivo integra os contornos da noção contemporânea do princípio do contraditório. O contraditório não se resume à atividade das partes, no sentido de terem a oportunidade de afirmar e demonstrar o direito que alegam ter. O contraditório só tem sentido se se supõe a existência de um observador neutro, no sentido de imparcial que assista ao diálogo entre as partes (alegações + provas) para, depois, decidir. O momento adequado para o juiz demonstrar que participou do contraditório é a fundamentação da decisão. As partes têm de ter sido ouvidas, apesar de suas alegações poderem, é claro, não ser acolhidas. Até porque o juiz pode decidir com base em fundamentos não mencionados por nenhuma das partes ( iura novit curia). Mas não sem antes dar às partes oportunidade de se manifestar”.

[4]Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório.

[5]Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único.  O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência;II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art. 701.

[6]Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

[7]Art. 11.  Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.

[8]MARINONI. Luíz Guilherme. Curso de Processo Civil vol. 2. 1º ed. 2015. RT. Pag. 446

[9]Art. 489.  São elementos essenciais da sentença:(…)§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:(…) IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

[10]Art. 371.  O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento.

[11]No mesmo sentido Wambier em primeiros comentários ao novo CPC, pag. 645, Amaral, Comentários, pag. 494; Scarpinella Bueno, Comentários, pag. 272.

[12]Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 8ª ed. 2016. pag. 668.

1.[13]

[14]JÚNIOR. Nelson Nery. Comentários ao Novo Código de Processo Civil Comentado. 1ª Ed. 2015. Ed. RT.

[15]MARINONI. Luís Guilherme. Curso do Novo Código de Processo Civil. 1º ed. 2015.

[16] Art. 38. A sentença mencionará os elementos de convicção do Juiz, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos em audiência, dispensado o relatório.

[17]EMENTA Juizado especial. Parágrafo 5º do art. 82 da Lei nº 9.099/95. Ausência de fundamentação. Artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. Não ocorrência. Possibilidade de o colégio recursal fazer remissão aos fundamentos adotados na sentença. Jurisprudência pacificada na Corte. Matéria com repercussão geral. Reafirmação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. (RE 635729 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 30/06/2011, REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-162 DIVULG 23-08-2011 PUBLIC 24-08-2011 EMENT VOL-02572-03 PP-00436 )

[18]Lei nº 9.099/95  Art. 2º O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

[19]Nestes termos Bedaque, Apelação, v. 7, n.2.1, p. 450-451.

[20]Art. 1.013.  A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada. (…) § 3o Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando: (…) IV – decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.

[21]EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL DA PARTE AUTORA. EXISTÊNCIA DE OMISSÃO E DE CONTRADIÇÃO NO ACÓRDÃO REGIONAL APENAS NO TOCANTE AO ART. 36, III, B DA LEI 8.112/90 E À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO PARA A CONCESSÃO DE REMOÇÃO PROVISÓRIA ATÉ A REALIZAÇÃO DE NOVA INSPEÇÃO DE SAÚDE. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. AUSÊNCIA DE OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS.(…)  Excepcionalmente, o Recurso Aclaratório pode servir para amoldar o julgado à superveniente orientação jurisprudencial do Pretório Excelso, quando dotada de efeito vinculante, em atenção à instrumentalidade das formas, de modo a garantir a celeridade e a eficácia da prestação jurisdicional e a reverência ao pronunciamento superior, hipótese diversa da apresentada nos presentes autos.(…) 4.   Não se constatando a presença de quaisquer dos vícios elencados no art. 535 do CPC; a discordância da parte quanto ao conteúdo da decisão não autoriza o pedido de declaração, que tem pressupostos específicos, que não podem ser ampliados.5.   Embargos de Declaração rejeitados.(EDcl no AgRg no AgRg no AREsp 148.908/PB, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 03/02/2016)

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