Intolerância política

Clima de "faca nos dentes" é preocupante, diz ministro aposentado Ayres Britto

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21 de março de 2016, 19h25

As intensas disputas políticas vistas nos últimos tempos em vários setores da sociedade, que se enfrentam internamente e entre si, preocupam o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto. “É preocupante esse clima de faca nos dentes, de intolerância”, disse em palestra a estudantes do Insper na última quinta-feira (17/3), em São Paulo. “Sem tolerância, como nos abrimos para o pluralismo?”, questionou.

Gil Ferreira/SCO/STF
“Vamos sair dessa crise sem virar a mesa, sem golpe”, disse Ayres Britto.

Sobre essa intolerância, Ayres Britto a exemplificou citando o confronto entre “coxinhas" e "petralhas" e afirmou que esse clima de intransigência não pode prevalecer, pois esse comportamento “é uma cegueira deliberada”. Mesmo assim, o jurista ressaltou que a participação intensa da população na política é positiva e motiva as instituições a responderem às expectativas, inclusive o Supremo.

Segundo Ayres Britto, a “voz das ruas” é uma inspiração para magistrados, pois estes são cobrados por melhores resultados e postura mais contundente. Ele também explicou que esse é um caminho natural, em que a democracia vai amadurecendo, e a população vai se tornando mais consciente de sua função e de seus direitos. “Chegamos a um ponto em que a sociedade passa a ler a Constituição e entendê-la.”

Contando que foi crítico da Constituição de 1988 no princípio, o ministro aposentado se disse arrependido das críticas que fez anteriormente. Ele argumentou que a considerava incompleta por causa da necessidade de leis complementares em muitos pontos, mas que hoje a vê de maneira totalmente diferente. Tanto é que a enxerga como a base para a saída da crise política vivida pelo Brasil.

“A Constituição nos assegura a saída triunfal de qualquer crise, desde que não haja pedalada constitucional”, opinou o jurista, fazendo ressalva que a resolução dos problemas enfrentados não ocorrerá por outra via que não a democrática. “Vamos sair dessa crise sem virar a mesa, sem golpe.”

Ponto de unidade
Para Ayres Britto, o fato de o Judiciário estar sendo tão observado nos últimos tempos tem uma explicação simples: o poder é o “ponto de unidade” do nosso sistema de Estado, pois é nele “onde desaguam as diferença”. Esse fluxo ocorre, de acordo com o ministro aposentado, porque o modelo político adotado no Brasil faz com que seja responsabilidade das instituições que não governam “impedir o desgoverno”, destacando que esse objetivo está sendo alcançado.

O jurista complementou o raciocínio explicando que o país deixa de funcionar se o Judiciário e as instituições de fiscalização falharem. Questionado se esse protagonismo não pode prejudicar o funcionamento ideal desses órgãos, ele afirmou que não se preocupa com esse tipo de liderança, pois ela supre o vácuo do Congresso, que, em algumas ocasiões, deixa de atuar para não perder capital político.

“A ideia de ativismo como usurpação de competência é absurda”, disse Ayres Britto. Ele também explicou que para evitar abusos e excessos existem órgãos que supervisionam as atuações, como os conselhos Nacional de Justiça e do Ministério Público. Afirmou, ainda, que espera ver a criação do Conselho Nacional de Imprensa, iniciativa que precisa ser capitaneada pela própria classe, não pelo poder público.

Força que vem da lei
Especificamente sobre o STF, o ministro aposentado, que atuou na corte durante quase 10 anos, afirmou que a corte constitucional tem respondido às expectativas em muitos temas importantes, como, por exemplo, a união homoafetiva, o aborto de anencéfalos e a permissão à marcha da maconha. “O Supremo tem sabido enterrar ideias mortas, mesmo em uma sociedade conservadora como a nossa […] O STF tem vitalizado a Constituição.”

Ayres Britto também destacou a importância do STF para a história política brasileira e citou o julgamento da Ação Penal 470, que ficou conhecida como mensalão. Para ele, o caso foi um divisor de águas, pois a corte “contou uma história processual com começo, meio e fim”. Aproveitando o tema, ressalvou que tudo deve seguir os trâmites determinados pela lei. “A eficácia do Direito Penal é uma coisa boa, mas não se admite pular etapas.”

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