Opinião

Nova regulamentação da terceirização não precariza e impõe avanço com segurança

Autor

  • Yone Frediani

    é sócia de Frediani e Borba Sociedade de Advogados; desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Doutora em Direito do Trabalho PUC-SP mestre em Direito das Relações do Estado PUC-SP e mestre em Direitos Fundamentais pela UNIFIEO. Professora Doutora em Direito do Trabalho na Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e professora visitante das Universidades de Modena e Reggio Emilia (Itália) e da Universidad Tecnológica del Peru.

20 de março de 2016, 8h21

A introdução das mais diversas tecnologias e da robótica nos meios de produção e comercialização de bens provocou alteração substancial no comportamento na administração das empresas, bem como nas relações de trabalho, surgindo novas profissões e novas formas de prestação de serviços.

Outros aspectos merecem ser considerados e que têm influência preponderante nos destinos empresariais decorrem da competitividade entre as empresas e dos impactos provocados pela globalização e pela utilização irreversível da tecnologia, especialmente em relação à automação, informatização e robótica.

Tais fatores impuseram profundas alterações na administração e no gerenciamento empresarial, produzindo inúmeras e novas formas de contratação, citando-se como exemplos o trabalho à distância, o teletrabalho, bem como, a multiplicação dos contratos de prestação de serviços nas mais diversas áreas.

Importante lembrar que qualquer cidadão na atualidade, sem ao menos aperceber-se dessas constantes e diárias alterações de comportamento, também participa do processo de externalização do trabalho quando, ao dirigir-se a um estabelecimento bancário, utiliza o sistema de autoatendimento que permite a movimentação de sua conta-corrente efetuando, saques, transferências, aplicações, pagamentos, obtenção de extratos e saldos, etc.

 Da mesma forma na área dos transportes, o usuário carrega seu bilhete único ou adquire passagem aérea pela internet, executa seu check in em terminais de autoatendimento e emite seu boarding pass e em algumas companhias, até mesmo as etiquetas da bagagem que será despachada.

Lembra-se, também, por oportuno, que no transporte urbano por meio do metrô, já se encontram composições que operam sem necessidade da presença física do operador de ter.

Emblemática, também, a profunda alteração de comportamentos na área comercial, até bem pouco tempo exercida por vendedores empregados de grandes ou pequenas empresas, lentamente substituídos pelo sistema de autoatendimento ou pela aquisição direta de produtos online, com recebimento de suas compras por meio dos Correios ou por empresas especializadas no ramo, com pagamento através de cartões de débito ou de crédito, sem qualquer interferência dos até então imprescindíveis vendedores.

 Enfim, é neste contexto que as empresas do terceiro milênio viram-se compelidas a descentralizar parte de suas atividades produtivas, buscando entidades parceiras, em virtude da necessária e imprescindível especialização de serviços, visando com tal procedimento obter produtividade, qualidade do produto e redução de custos operacionais.

Por conseguinte, criou-se um processo de delegação da prestação de serviços por meio da terceirização que, despontou no ordenamento estrangeiro como técnica na administração do trabalho em franco desenvolvimento e de maneira irreversível.

A terceirização pode ser conceituada como o processo por meio do qual a empresa transfere a terceiro a execução de serviços especializados ligados a atividade-meio, já que o entendimento jurisprudencial pátrio da mais alta Corte Trabalhista, o Tribunal Superior do Trabalho, adotou entendimento vedando a contratação de serviços especializados ligados à atividade-fim da empresa contratante.

A razão do posicionamento adotado pelo TST é fácil de ser explicada e entendida, na medida em que quando o Poder Legislativo deixa de cumprir sua missão na edição de leis, o Judiciário passa a ocupar esse espaço, visto que todos os processos sujeitos à sua jurisdição necessitam uma solução judicial.

Deixando-se de lado o debate acalorado a respeito da terceirização, visto que encontram-se aqueles que a defendem com fervor, bem como os que a repudiam com veemência, o certo é que não se pode admitir a afirmação singela de que a terceirização sirva ao empresário como instrumento de precarização das relações de trabalho sob as suas diversas concepções.

Com efeito, se examinado o conteúdo do artigo 455 da CLT, constata-se que desde 1943, a subcontratação de serviços é permitida sem que tal fato constitua qualquer ilegalidade ou fraude, até porque, na indústria da construção civil, há necessidade permanente de absorção dos avanços da tecnologia nas mais variadas e complexas operações e atividades, seja na utilização de equipamentos altamente sofisticados, seja na prestação de serviços especializados.

Por outro lado, é importante ressaltar que a Constituição Federal nos artigos 1º, V e 170, reconheceu os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, circunstância que confere ao empresário a livre organização e administração de seu empreendimento.

Voltando-se à discussão da atividade-meio e atividade-fim, inexiste lei que impeça ou proíba a terceirização nesse sentido, posto que toda e qualquer legalidade decorre da ordem jurídica, não sendo demais repetir que, se há alicerce de legalidade consoante os dispositivos constitucionais acima apontados, não se justifica a afirmação de que terceirização constitui uma prática ilegal, o mesmo ocorrendo em relação à necessidade das empresas na subcontratação de serviços.

De ser realçado que, mesmo no âmbito do TST, há inúmeras divergências entre os julgados de suas Turmas, tomando-se como exemplo a situação concreta das empresas de telecomunicações, com reconhecimento ou vedação de terceirização da atividade-fim.

Merece, destaque, ainda, a consideração de que Súmulas editadas pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho não constituem lei em sentido formal, nem tampouco, dispõe de poder vinculante, tratando-se, apenas, da cristalização de determinado entendimento a respeito de matéria específica.

Nesse cenário de insegurança jurídica é que o Colendo Supremo Tribunal Federal, em decisão inédita, conferiu repercussão geral ao tema “terceirização de serviços para a consecução da atividade-fim da empresa”, propondo-se assim a apreciar a constitucionalidade da restrição imposta pela Justiça do Trabalho por meio da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

 O fundamento adotado para o acolhimento da repercussão geral foi possível violação à liberdade de contratar no âmbito do princípio constitucional da legalidade, inserta no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal.

Ao que tudo indica, pelas razões adotadas pelo MM. Ministro Relator, deverá prevalecer o entendimento de que a proibição de terceirização na atividade-fim viola o princípio constitucional da liberdade de contratar, sendo imperioso o sobrestamento das ações que apresentem discussão de questão idêntica.

Paralelamente à decisão que será proferida pela mais alta Corte do país, o tema terceirização encontra-se em vias de ser regulamentado pelo Poder Legislativo, se aprovado for o Projeto de Lei nº 4.330/2004, verificando-se, pois, o embate jurídico x embate politico.

Uma análise rápida, porém, responsável e séria, do PL 4.330/2004, revela que o mesmo é benéfico ao trabalhador, na medida em que introduz mecanismos de atuação e de fiscalização até então inexistentes, inclusive para trabalhadores admitidos diretamente mediante contrato de trabalho.

O primeiro ponto de destaque é que o PL extingue a diferenciação entre atividade-meio e atividade-fim, autorizando a contratação de quaisquer serviços especializados, valendo dizer que não sera possível substituir empregados diretos por trabalhadores terceirizados.

Tal como ocorre nos dias atuais, qualquer inobservância legal, inadequada ou utilização ilegal da terceirização, implicará no estabelecimento do vinculo de emprego diretamente com a empresa tomadora dos serviços.  

A nova legislação obrigará a empresa tomadora dos serviços a fiscalizar a empresa contratada no que respeita ao cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias, conferindo maior segurança ao trabalhador, posto que é fato público e notório, que muitas empresas fornecedoras de mão de obra existem em função dos contratos mantidos e, regra geral, não dispõe de patrimônio que possa suportar as obrigações assumidas com seus empregados.

No caso de inadimplência, a empresa tomadora dos serviços deverá proceder ao pagamento dos salários e encargos dos empregados da empresa contratada.

Ainda sob referido aspecto, o novo diploma legal estabelece, como regra, a responsabilidade solidária entre o tomador e a empresa contratada, aniquilando a atual responsabilidade subsidiária, exigindo a prestação de garantia pela contratada que poderá ser expressa por meio de caução pecuniária, seguro ou fiança bancária.

De ressaltar-se que aos empregados terceirizados deverão ser garantidas as mesmas condições proporcionadas aos empregados diretos da tomadora dos serviços no que respeita à utilização de refeitórios, concessão de transporte, atendimento médico e treinamento e extensão das medidas de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores.

Do quanto exposto, pode-se constatar que a nova regulamentação, longe de representar precarização do trabalho, imporá maiores encargos às empresas tomadoras de serviços, circunstância que não representará redução de custos, mas, de avanço com a necessária segurança jurídica.

Autores

  • é desembargadora aposentada do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Professora, membro cademia Brasileira de Direito do Trabalho, do Instituto de Direito do Trabalho do Mercosul e da Associación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social.

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