Além da lei

Norma da Receita Federal sobre repatriação é insuficiente, dizem advogados

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20 de março de 2016, 7h47

A Instrução Normativa 1.627/2016, que define as regras para aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), foi publicada nesta terça-feira (15/3) pela Receita Federal no Diário Oficial da União. A adesão dos contribuintes à medida que permite a repatriação de capitais depositados no exterior sem o conhecimento do Fisco poderá ser feita entre os dias 4 de abril e 31 de outubro.

Podem participar do regime especial os contribuintes que tinham bens no exterior até 31 de dezembro de 2014 ou os transferiram para o Brasil sem declará-los à Receita Federal. Mesmo que o interessado não tivesse mais a posse dos bens na data definida pela instrução normativa, ele ainda deverá informar ao Fisco. Para aderir ao regime especial de regularização, a pessoa deverá apresentar Declaração de Regularização Cambial e Tributária (Dercat), além de pagar 15% de imposto sobre os recursos que serão regularizados e multa de 100% sobre o tributo apurado na Dercat.

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Para Bottini, instrução normativa "sana alguns problemas, mas mantém outros".

O advogado criminalista Pierpaolo Cruz Bottini explica que a IN esclareceu algumas coisas, mas deixou outros pontos em aberto. Entre os “defeitos” corrigidos está, por exemplo, a proibição de a Receita pedir a demonstração documental da origem dos bens que serão regularizados. Porém, a regulamentação de como será declarado o trust e quem o fará ainda está um pouco confusa. “A IN foi um avanço, fortaleceu algumas coisas, mas algumas inseguranças ainda existem. Ela sana alguns problemas, mas mantém outros.”

Segundo o tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório Sacha Calmon Misabel Derzi, o documento vai além do que define a Lei 13.254/2015 e traz inovações que não poderiam ser inseridas, além de deixar algumas lacunas existentes na norma que trata da regularização, por exemplo, ao não especificar quais documentos podem ser usados para comprovar a licitude dos valores que serão repatriados. “Isso deixa muita margem a interpretação. O melhor seria listar, para cada tipo de ativo, pelo menos a título exemplificativo, os documentos hábeis a tal comprovação.”

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Segundo Igor Mauler, órgãos de cobrança resistem aos programas de regularização como o que passará a valer em abril.
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O advogado explica que uma das mudanças apresentadas na IN que vão contra a lei é a restrição do campo de abrangência do perdão que será concedido aos contribuintes que aderirem.

O artigo 6º da Lei 13.254/2015 define que a adesão ao RERCT, com o pagamento dos 30%, permite a remissão dos demais tributos federais ligados aos ativos regularizados, exceto os retidos e não pagos. Mas a IN não inclui no perdão os impostos que já foram lançados pela Receita Federal. “O contribuinte terá que ir a juízo fazer valer a lei. É uma inovação descabida da instrução normativa”, diz Santiago.

Igor Mauler também destaca que a IN erra ao definir o duplo grau de jurisdição para os processos administrativos. As regras apresentadas definem que eventual recurso contra a exclusão do RERCT será decidido pelo Superintendente da Receita Federal. “A Lei 13.254/2015 não regula a parte processual, e a Constituição garante o duplo grau também no processo administrativo. É imprescindível permitir recurso ao Carf.”

Esse impedimento, de acordo com Santiago, fará com que os contribuintes eventualmente excluídos entrem com mandados de segurança para recorrer ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e vão ganhar o processo. “Está se exigindo dele algo ilegal, que a lei não determinou”, opina. “Há uma resistência dos órgãos de cobrança de crédito a esses benefícios, que, portanto, na regulamentação, fazem o possível para impedir o acesso ou obter a exclusão dos contribuintes que aderem”, complementa.

Democracia tributária
O advogado tributarista e professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo, Heleno Torres, destaca a importância que a consulta pública teve na correção de alguns erros existentes no projeto que foi colocado sob o crivo da população. "Percebi que o texto ganhou muito nesse aprimoramento. Isso é relevante para aprimorar a legislação interna sempre ouvindo aquelas pessoas sobre quem a legislação recairá."

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Consulta Pública foi importante para aprimorar texto da Instrução Normativa.
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"Seria bom se a Receita providenciasse um caderno de perguntas e respostas e aproveitando, ao longo do tempo, as dúvidas que chegarão para esclarecer outros contribuintes. Isso será um facilitador muito importante para facilitar a uniformização junto aos bancos e para garantir que as pessoas tenham ciência de suas obrigações e dos mecanismos de controle que a IN implementa", finaliza o professor.

Sugestão acolhida
Das três sugestões apresentadas pelo Movimento em Defesa da Advocacia, uma foi incluída pela Receita Federal na versão final da IN. Para o MDA, os créditos tributários já extintos ou já constituídos e não pagos até 14 de janeiro de 2016, data em que a Lei 13.254/2016 foi publicada, não deveriam ser usados na remissão dos créditos tributários e na redução de 100% das multas.

A medida consta no inciso II do parágrafo 2º do artigo 13 da IN. Segundo o MDA, a redação anterior do dispositivo o deixava "obscuro" e dava margem à cobrança, pela Receita Federal, dos outros tributos incidentes sobre o mesmo fato jurídico tributário.

"Com essa ressalva, conferiu-se segurança jurídica e ficou esclarecida a questão sobre a impossibilidade da Receita Federal cobrar outros tributos, como PIS/Cofins, IPI, II, CIDE e CSLL, sobre o mesmo fato jurídico tributário, operando-se integralmente a remissão e a anistia da multa previstas pela Lei", comemora o MDA.

Clique aqui para ler a IN 1.627/2016.

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