Opinião

Objeto de polêmicas, Código Florestal gera insatisfação generalizada

Autor

  • Letícia Yumi Marques

    é co-head de Direito Ambiental no escritório KLA Advogados mestranda em Sustentabilidade pela EACH-USP especialista em Direito Ambiental pelo Mackenzie e pós-graduada em Direitos Animais pela ESA-RS.

15 de março de 2016, 6h15

Em fevereiro desse ano, o Programa de Regularização Ambiental (PRA) foi regulamentado no Estado de São Paulo pelas Secretarias de Meio Ambiente (SMA) e da Agricultura e Abastecimento (SAA), por meio da Resolução Conjunta SMA/SAA 01/2016.

A edição da resolução conjunta ocorreu menos de quatro semanas após uma resolução exclusiva da SMA sobre o tema ter sido revogada depois de apenas uma semana em vigor, o que se deve, segundo veiculado pela imprensa, a pressões de ruralistas.

O recente ocorrido revela que o cenário de insegurança jurídica que cerca a aplicação da Lei 12.651/2012, especialmente no tocante à compensação de reserva legal, cômputo de áreas de preservação permanente (APP) e áreas de Cerrado, que ainda prevalecem. Desde sua publicação, há quase quatro anos, o Código Florestal tem sido objeto de polêmicas e não foi plenamente aplicado.

Ainda em 2012, poucos meses após sua publicação, a polêmica acerca da legislação florestal chegou aos tribunais, escancarando a insatisfação generalizada de ruralistas e ambientalistas.

De um lado, produtores rurais que buscaram regularizar seus imóveis nos termos da nova lei, valendo-se, especialmente, do acréscimo das APPs ao cômputo da área de reserva legal e da compensação ambiental; de outro, o Ministério Público (MP) a sustentar a tese da inconstitucionalidade da Lei 12.651/2012, com fundamento na chamada Teoria da Proibição do Retrocesso, segundo a qual, em tese, uma lei superveniente não pode reduzir a proteção anteriormente outorgada por outra ao meio ambiente.

Ações civis públicas e termos de ajustamento de conduta (TAC) iniciados ou firmados sob vigência da lei florestal antiga, mas ainda em curso ou em fase de cumprimento no advento da nova lei, são exemplos das questões que alcançaram os tribunais.

A pressão do MP tem sido tamanha que, no noroeste paulista, em alguns casos, imóveis sem curso d'água e, portanto, sem APP, passaram a valer mais que imóveis cortados por riachos, já que ter APP no imóvel tornou-se sinônimo de problema.

De olho nas usinas de açúcar, álcool e etanol, alguns promotores de Justiça passaram a pressionar pequenos produtores rurais, que arrendavam parte de suas terras para o cultivo de cana. Esses custam ainda a entender por que o MP lhes nega a possibilidade de incluir as APP no cômputo da reserva legal.

"Por que o Código Penal pode retroagir para beneficiar bandido, mas o Código Florestal não pode retroagir para me beneficiar?", questionou-me certa vez um produtor da região de São José do Rio Preto, interior de SP.

Atentas à necessidade de segurança jurídica, as Câmaras Reservadas ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo têm se manifestado, desde 2012, pela constitucionalidade da Lei 12.651/2012, determinando, na grande maioria dos casos, a sua imediata aplicação.

Contudo, a maioria das turmas julgadoras do Superior Tribunal de Justiça reforma decisões favoráveis à aplicação do Código Florestal, com base na já mencionada Teoria da Proibição do Retrocesso, afastando, assim, mais uma vez, a aplicação da nova legislação.

Ademais, antes mesmo de completar um ano, o Código Florestal se tornou objeto de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADI), ajuizadas pela Procuradoria-Geral da República no Supremo Tribunal Federal.

Embora o pedido liminar para suspender a aplicação da Lei 12. 651, de 2012, tenha sido negado pelo ministro Luiz Fux, as ADIs ainda aguardam julgamento. A questão ganhou um novo capítulo: relator das ações no Supremo, Fux convocou audiência pública para o dia 18 de abril para tratar da matéria.

Em São Paulo, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) emitiu, em maio de 2013, um parecer com respostas a questões formuladas pela SMA sobre a aplicação do novo Código Florestal em território paulista.

Em linhas gerais, o documento seguiu a regra de prevalência da norma mais restritiva e protetiva ao meio ambiente, inviabilizando, na prática, a aplicação de importantes instrumentos da nova lei, em especial a possibilidade de instituição de reserva legal por meio de compensação ambiental.

Desta sorte, grande parte dos processos administrativos com pedidos de compensação ambiental deixaram de ser apreciados pelo órgão ambiental paulista, à espera da regulamentação estadual sobre o tema, que só ocorreu com a recente edição da resolução conjunta das Secretarias de Meio Ambiente e da Agricultura.

A nova regulamentação, apesar de mais flexível que o mencionado parecer da PGE, ainda dificulta bastante a compensação ambiental, restringindo-a muito em comparação com o texto original da Lei 12.651, de 2012.

Ruralistas e ambientalistas ainda terão que conviver neste cenário de insegurança jurídica por mais algum tempo. O prazo para inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), que é requisito para adesão ao PRA, se estende até maio de 2016.

Até lá, ainda que o STF se manifeste de forma conclusiva com o julgamento das ADIs, questões técnicas, especialmente relacionadas à regeneração e recomposição de áreas de Cerrado, podem reacender os debates. Infelizmente, a Lei 12. 651, de 2012 não foi formulada com base nos fundamentos técnicos-científicos necessários para evitar uma série de problemas jurídicos.

Autores

  • Brave

    é especialista em direito ambiental da Lee, Brock Camargo Advogados, e professora convidada de Direito Ambiental do Curso de Direito Imobiliário do Cogeae-PUC-SP e membro da Comissão de Infraestrutura, Logística e Desenvolvimento Sustentável da OAB-SP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!