Jurisprudência Fiscal

Repetição de indébito fruto de desconsideração e outras questões

Autores

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

  • Antonio Elmo Queiroz

    é advogado sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

10 de março de 2016, 8h00

Spacca
Mary Elbe Queiroz e Elmo Queiroz [Spacca]Em uma ação judicial, foi discutido o reverso da medalha de uma desconsideração de uma operação feita pelo fisco federal.

É que um contribuinte “AA”” adquiriu debêntures de “BB”. Na época, os rendimentos dessas debêntures foram deduzidos como despesa por “BB” e tributados como receita financeira por “AA”.

Mas, devido às condições tidas como anormais de mercado, o caso foi tratado como planejamento tributário abusivo e “toda a operação foi questionada pela Receita Federal em dois processos administrativos. Um em face da “BB” no qual houve a glosa de despesas relativas à participação nos lucros de debenturistas e consequente cobrança de IRPJ e CSLL (processo 12448.728319/2012-75). No outro, em face da autora, o Fisco defendia que os rendimentos das debêntures deveriam ser tratados como "distribuição de lucros à controladora" (processo 16682.720703/2012-16)”.

Ou seja, para afastar a natureza de pagamento de prêmio de debênture, e glosar a dedução como despesa em “BB”, o fisco requalificou a parcela para “distribuição de lucros”.

Então, como a parcela recebida por “AA” foi tratada como “distribuição de lucros”, que é isenta, a contribuinte pleiteou judicialmente que lhe fossem devolvidos os tributos pagos; afinal já registrado que “como os fatos ocorridos foram qualificados de ofício de forma diversa, deve­se aplicar a nova qualificação com todas as suas consequências. Não é possível se contar a história pela metade, apenas na parte que aumenta a tributação”.

Apreciando o caso, houve sentença concedendo a repetição do que passou a ser indébito, e ainda afastando um complicador, pois “BB” tinha parcelado seu débito, o que gerou a alegação de que a confissão de “BB” afetaria o pedido de “AA”; assim fundamentada:

Ação 0119200-07.2015.4.02.5101 (publicada em 03.03.2016)
Na realidade a requalificação da operação gerou para a autora um crédito tributário, posto que recolheu IRPJ e CSLL em todo o período e que não eram devidos, considerando a natureza jurídica posteriormente reconhecida em âmbito administrativo fiscal, do valor que auferiu em função das debêntures adquiridas da “BB”. (…)

A ré alega, outrossim, que o fato de a “BB” ter requerido parcelamento do seu débito importaria em impossibilidade jurídica do pedido da “AA”, em razão da confissão de dívida imposta como condição para o acolhimento do pedido de parcelamento.

Embora engenhoso, não me parece possível acolher tal argumento.

Explico.

A situação fiscal da “BB”, apurada no processo no. 12448.728319/2012-75, embora seja correlacionada com a “AA”, não pode ser tratada como um débito único.

Em outras palavras, as decisões administrativas trazem efeitos diversos e individualizados para cada empresa.

A “BB” tem um débito fiscal a pagar e por isso pediu o parcelamento e o encerramento do processo no. 12448.728319/2012-75. A “AA” obteve, a partir da decisão proferida em seu processo administrativo, uma decisão que acabou por descaracterizar o fato gerador de IRPJ e CSLL.

Desse modo é evidente que possui o direito de ser restituída do que pagou indevidamente.

E mesmo que assim não fosse, há que se considerar que a confissão da dívida parcelada, assim me parece, é formulada rebus sic stantibus. Ocorrendo alteração da natureza jurídica do substrato fático do fato gerador do tributo, por interpretação do próprio Fisco, não seria razoável vincular o contribuinte à uma confissão de dívida de um tributo já descaracterizado, por assim dizer.

Ou seja, a citada confissão da “BB” não elide o direito à repetição almejado pela “AA”. (…)

O pedido, portanto, é procedente.


Decisões variadas
a) No Agravo de Instrumento 0008018-83.2016.4.01.0000 (publicado em 1.3.2016), apreciada ação de contribuinte que pediu anulação de acórdão do Carf por ofensa ao contraditório, já que Embargos de Declaração foram julgados com efeitos infringentes, sem ter sido aberta a oportunidade para contrarrazões. E decisão monocrática do Tribunal Regional Federal da 1ª Região mantém decisão de primeiro grau que antecipou a tutela; assim fundamentada: “O princípio do contraditório/ampla defesa também deve nortear o processo administrativo. Ainda que as contrarrazões não estejam previstas no regimento interno isso não afasta o direito assegurado na Constituição Federal, art. 5º/LV. Dessa forma, INDEFIRO o efeito suspensivo, ficando mantida a decisão recorrida”.

b) No Acórdão 9101-002.177 (publicado em 4.3.2016), analisados Embargos de Declaração que alegava haver contradição em anterior acórdão, pois “decisão da CSRF utilizou como fundamento a prática de simulação, argumento que não foi mencionado pela acusação fiscal. Assim, teria ocorrido, primeiro, inovação no critério jurídico, e segundo, cerceamento de defesa, vez que o assunto não foi trazido pelo recurso especial interposto pela PGFN”. Porém, a CSRF do Carf, por maioria, não conheceu os Declaratórios, pois inovação não caracterizaria contradição; assim ementado: “Contradição prevista na legislação processual refere-se aos fundamentos adotados pelo voto, ou seja, o cotejo encontra limites no corpo da decisão, numa acepção endógena. Elementos exógenos, como as razões apresentadas por uma das partes, por outras decisões anteriores, ou pela peça acusatória, encontram-se fora do alcance da admissibilidade”.

c) No Acórdão 9101-002.196 (publicado em 27.2.2016), discutida, para fins de IRPJ, a “dedutibilidade, ou não, de multas administrativas aplicadas por órgãos de regulação”. E a CSRF do Carf, por maioria, mantém a indedutibilidade, também porque um ato antijurídico não pode ser considerado necessário à atividade da empresa; assim ementado: “A dedução das multas administrativas das bases de cálculo dos tributos resultaria em verdadeiro benefício, eis que a empresa repassaria para a Administração Pública, e maior extensão, para a sociedade brasileira, parte dos custos pela sua desídia, o que ofenderia o sistema jurídico vigente, na medida em que a pena não pode passar da pessoa do infrator”.

d) No Acórdão 9101-002.185 (publicado em 4.3.2016), analisada glosa de amortização de ágio adquirido em operação societária, mas feita no tempo em que o fisco autuava quando a adquirida incorporava a adquirente, pois enxergava “inconsistência lógica” na operação; o que sofreu uma virada interpretativa, já que atualmente o fisco preconiza justamente o contrário, qual seja, que só pode deduzir o ágio se adquirente e adquirida desaparecerem para formar uma única pessoa jurídica, em estado de confusão. E enfrentando autuação do período anterior, a CSRF do Carf, por maioria, não conhece recurso especial e assim mantém o cancelamento da autuação, exatamente porque a interpretação atual é que a Lei 9.532/97 imporia a junção de adquirente e adquirida, inclusive por incorporação inversa; assim ementado: “Estando a acusação fiscal da glosa da amortização de ágio baseada no desconhecimento dos arts. 7º e 8º da Lei 9.532/97, em juízos de valor e em digressões, impõe-se o cancelamento do lançamento”.

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    é pós-doutora e doutora em Direito Tributário. Membro do CONJUR da FIESP. Membro da Comissão de Juristas do Senado para estudar a Desburocratização. Membro Imortal da ANE. Presidente do IPET. Professora. Advogada sócia de Queiroz Advogados.

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    é advogado, sócio do escritório Queiroz Advogados Associados e diretor do Centro de Estudos Avançados de Direito Tributário e Finanças Públicas do Brasil.

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