Nome do mercado

Engenheiro citado na "lava jato" passa a representar gigantes de combustível

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9 de março de 2016, 19h20

Quatro meses depois de renunciar à presidência da BR Distribuidora em meio a investigações da operação “lava jato”, o engenheiro químico José Lima de Andrade Neto continua nos bastidores do setor, comandando agora o sindicato que representa as maiores distribuidoras do Brasil. Como a BR Distribuidora costuma liderar o comportamento da entidade, especialistas da área apontam que ele segue interferindo em políticas de óleo e gás.

O Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom) é uma das entidades mais influentes nas decisões nacionais sobre o tema. Tem apenas 12 associadas, mas entre elas a BR Distribuidora — responsável por 35% do mercado brasileiro —, Shell, Ipiranga e Chevron.

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Andrade Neto foi citado por Cerveró em delação e se afastou da BR Distribuidora.
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Segundo o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró, que assinou delação premiada na “lava jato” e também foi diretor financeiro da distribuidora, Andrade Neto participou de encontro que discutiu repasse de propinas da Petrobras. Cerveró disse que a reunião ocorreu em 2012, no hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro, onde estavam presentes o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) e o ex-ministro Pedro Paulo Leoni Ramos.

Ainda de acordo com Cerveró, o então presidente da BR disse que contratos de álcool, aluguéis de caminhões e obras de bases de distribuição de combustíveis seriam “os negócios que poderiam render propina mais substancial”.

Outro delator, Ricardo Pessoa, dono da UTC Engenharia, relatou ter pagado propina de R$ 20 milhões para conseguir obras de infraestrutura na BR, também na gestão de Andrade Neto.

Para o Sindicom, no entanto, o mercado de distribuição de combustíveis "não foi, nem está sendo afetado sob qualquer aspecto em função das investigações da 'lava jato'", conforme nota da entidade enviada à ConJur.

Andrade Neto foi secretário nacional de Petróleo e Gás na gestão do então ministro Edison Lobão (Minas e Energia) e tem ligações com o senador Fernando Collor (PTB-AL), ambos alvos do desdobramento da “lava jato” no Supremo Tribunal Federal. Ele deixou a BR justamente quando os dois senadores deixaram de ter controle político da subsidiária da Petrobras.

O engenheiro saiu do cargo em setembro de 2015, alegando problemas de saúde, e assumiu as atividades no Sindicom em janeiro deste ano. A antiga empresa de Andrade é a principal mantenedora do sindicato, tendo contribuído com cerca de R$ 100 milhões nos últimos dez anos. Tudo o que o sindicato gastou no mesmo período soma R$ 150 milhões.

Atuação na Justiça
A atuação do sindicato não se resume à criação de normas. A entidade tem participado, como terceiro interessado, de ações judiciais envolvendo o Fisco e distribuidoras que não são associadas a ele. Num caso, envolvendo a Arrows Petróleo do Brasil, o Sindicom levou ao processo informações que auxiliaram o Fisco do Rio de Janeiro a vencer a ação que cobrava o recolhimento de ICMS em substituição tributária — regime de recolhimento em que o primeiro setor de uma cadeia de produtos é responsável por antecipar o imposto de todo o restante da cadeia.

Essa pressão do Sindicom sobre distribuidoras não associadas foi assunto no próprio Supremo, em 2006. Em voto na Reclamação 4.810, que tratava do excesso de ações civil públicas do Ministério Público e de seu uso político, o ministro Gilmar Mendes citou reportagem da revista Época levantando suspeita de que o Sindicom teria “comprado” uma investigação do Ministério Público Federal contra distribuidoras. A negociação teria ocorrido, de acordo com a revista, via patrocínio de R$ 70 mil para o livro de um procurador da República que investigou a distribuidora Petroforte Brasileiro Petróleo, fechada pela Agência Nacional do Petróleo sob acusação de fraudar combustíveis e sonegar impostos.

A justificativa dada pelo sindicato para interferir nos processos foi a da proteção à concorrência e a igualdade de condições para todas as distribuidoras. Por isso o esforço em evitar que liminares desobrigassem essas companhias de recolher tributos, como o ICMS.

O comportamento não foi o mesmo, porém, com uma de suas afiliadas, a ExxonMobil (Esso). A companhia mantinha imunidade para não recolher Cofins sobre a venda de derivados do petróleo. O direito foi adquirido graças a uma decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em que a Procuradoria da Fazenda Nacional perdeu o prazo para contestar. O Fisco levou o caso ao Superior Tribunal de Justiça, que determinou o pagamento do tributo. Em todo esse processo, que levou mais de 20 anos, não há uma palavra do Sindicom sobre desequilíbrio concorrencial em relação às demais distribuidoras.

Questionado sobre a questão, o Sindicom afirmou, via assessoria de imprensa, que "graças à sua atuação séria no aperfeiçoamento da regulamentação e na defesa de práticas tributárias justas, como forma de contribuir para a melhoria do ambiente de negócio do setor, a entidade consolidou uma imagem reconhecida pela credibilidade, tradição, experiência e defesa da ética concorrencial".

Assinaturas em xeque
Foi ainda sob o comando de Andrade Neto que a BR Distribuidora foi acusada de usar um contrato falso de fiança para direcionar uma execução de dívida para os sócios de uma empresa devedora. Os sócios alegaram não serem verdadeiras as suas assinaturas no contrato de fiança que garantiria a dívida, apresentado pela BR. O direcionamento da dívida foi negado e a BR teve de pagar os honorários advocatícios dos recursos que ajuizou contra decisões anteriores no mesmo sentido. 

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