Justiça Tributária

Não queremos contrabando: queremos um Brasil legal!

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

7 de março de 2016, 8h01

Spacca
Na quinta-feira, 3 de março, realizou-se evento sobre o Dia Nacional de Combate ao Contrabando. Sobre a matéria foi divulgado informe da Associação Brasileira de Combate à Falsificação, no qual a prática ilícita é justificada pela carga tributária e aumento de impostos. Reclama-se ainda contra o governo que “nada fez para combater o problema”.

Não há a menor dúvida de que o assunto tem relação direta com o tema desta coluna. A Justiça Tributária tem como objetivo fixar normas e mecanismos capazes de permitir que os contribuintes cumpram de forma adequada suas obrigações. Enquanto isso, devem os poderes constituídos fazer com que a arrecadação retorne à sociedade através de serviços que viabilizem as normas contidas na Constituição Federal, apontadas de forma sintética no seu preâmbulo.  

O artigo 334 do nosso Código Penal alcançava o contrabando e o descaminho com poucas especificações. Com o advento da Lei 13.008, de 26 de junho de 2014, as duas espécies de ilícito foram tipificadas com maior clareza, permanecendo o artigo 334 a cuidar apenas do descaminho, criado então o artigo 334-A, que trata do contrabando.

A diferença entre os tipos é que o descaminho cuida de qualquer mercadoria enquanto o contrabando trata daquela cuja importação ou exportação sejam proibidas.  Por outro lado, a nova redação amplia o alcance da lei, com o objetivo de atingir um maior número de situações consideradas ilegais.

Dar à lei penal maior alcance ou tornar mais severas suas penas não traz resultado prático se não houver meios eficazes de fiscalização. No crime de descaminho a  pena básica é de reclusão de um a quatro anos e pode dobrar se a operação for realizada por via aérea, marítima ou fluvial. No contrabando a pena é de dois a cinco anos e também dobra na mesma hipótese citada.

O grande público não diferencia as duas espécies e as denomina de forma geral como contrabando. Por certo esse hábito tem origens antigas, pois no Brasil a prática é tolerada desde sempre e em alguns casos admitida por autoridades.

Veja-se a respeito a afirmação de um magistrado, então presidente do Tribunal de Justiça, que tentou justificar a concessão de vantagens financeiras a seus colegas ao afirmar que eles necessitavam viajar com frequência ao exterior para adquirir roupas de melhor qualidade!

Pessoas há que, travestidas de turistas, transformam-se em comerciantes informais de mercadorias. São chamados de sacoleiros, mas são criminosos. Não é necessário ampliar os exemplos, pois é matéria de conhecimento geral.

Todavia, o assunto merece destaque especial em relação a pequenos e médios comerciantes que pretendem agir de forma lícita e muitas vezes são injustamente envolvidos em crimes que não cometeram.

Brasileiros de qualquer idade desejam adquirir mercadorias estrangeiras. Em alguns casos o que os move pode ser apenas o desejo de exibir marcas conhecidas, seja de roupas ou acessórios de moda. Podemos dar a isso qualquer nome: ostentação, exibicionismo etc. O consumidor pode assumir tal desejo como forma de se sentir feliz.

“Ser feliz é o desejo de todo ser racional”, já ensinou Kant na Crítica da Razão Prática.  Para Freud, “A felicidade é um problema individual. Aqui, nenhum conselho é válido. Cada um deve procurar, por si, tornar-se feliz”.

O interesse em mercadorias estrangeiras é universal, seja pela melhor qualidade, design, composição de matérias primas, acabamento etc. Assim, o comerciante brasileiro não pode deixar de se dedicar a esse ramo, pois a economia é globalizada.

O combate ao descaminho ou contrabando deve ser rigoroso. Mas na fiscalização corriqueira desse tipo de crime podem ocorrer abusos.

O § 1º do artigo 334 do Código Penal ao tratar do descaminho diz em seus incisos III e IV que também se sujeita à mesma pena de 1 a 4 anos quem:

III – vende ou expõe à venda mercadoria estrangeira que “sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem”.

IV – adquire ou recebe mercadoria estrangeira, “desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.”  

Ora, quando adquire mercadorias estrangeiras no mercado interno e observe todas as cautelas a que qualquer comerciante está obrigado, não pode o comerciante sofrer tais penalidades, pois não tem a possibilidade de exercer sobre seus fornecedores legalmente estabelecidos no país qualquer tipo de fiscalização.

Fraudes não são presumíveis só porque mercadorias são estrangeiras. Pior ainda é quando o agente público tem preconceitos relativos à nacionalidade do comerciante, importador ou industrial.

Já ocorreu uma fiscalização de tributos federais neste Estado onde ao fazer seu relatório o auditor assinalou que o industrial seria suspeito por ser chinês! Para livrar-se de penalidades por fatos que não cometeu, o tal chinês demonstrou que era naturalizado desde 1950 e estabelecido com indústria desde 1970, em enorme imóvel próprio onde mantinha mais de 100 empregados, tudo em situação absolutamente regular.

Face a tais preconceitos, o comerciante de produtos importados deve adotar cautelas rigorosas na aquisição de mercadorias no mercado interno. Recomenda-se que faça um completo cadastro de todos os seus fornecedores, inclusive de mercadorias nacionais. Isso abrange cópias de seus registros na Junta Comercial, certidões de distribuidores forenses, buscas no CNPJ , Sintegra, Serasa etc. Outra cautela fundamental é não fazer pagamentos em espécie, preferindo os meios bancários através de TED na conta do próprio fornecedor.

Ainda que tais cautelas exijam emprego de tempo e algum custo, é bom lembrar que ao desprezá-las pode o comerciante arcar com perdas maiores em custos e constrangimentos que decorrem de inquéritos policiais ou mesmo processos criminais.

O que não pode nem deve é tentar resolver a questão com a prática de crime muito pior, que é a corrupção. Nesta, o comerciante torna-se cúmplice de um crime no primeiro momento e corre sério risco de se tornar refém por tempo indeterminado.

Como disse o informe citado no início desta coluna, todos nós brasileiros, que aqui nascemos ou trabalhamos, “queremos um Brasil legal”.

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    é jornalista e advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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