Observatório Constitucional

Papel de marqueteiros em campanhas eleitorais passa por redimensionamento

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5 de março de 2016, 15h24

Spacca
O filme Our Brand is Crisis (2015) retrata os bastidores da campanha presidencial boliviana de 2002, especialmente sob o ponto de vista da atuação fundamental da marqueteira, interpretada por Sandra Bullock, que revoluciona o desenrolar das eleições.

Sem alterar o caráter e as convicções do candidato, a marqueteira consegue, por meio da manipulação da imagem transmitida ao eleitor, obter os votos necessários à sua eleição. A marqueteira deixa claro ao candidato que ele deve, durante a campanha eleitoral, ser seu fantoche para que possa convencer aos eleitores de que se distingue dos demais e, por isso, é digno de representá-los.

A postura e o trabalho da marqueteira no filme se aproximam bastante do observado nas últimas décadas em democracias representativas contemporâneas, em que os marqueteiros exerceram significativa pressão sobre a balança eleitoral. Não é exagero afirmar que houve situações em que venceu a melhor campanha e não necessariamente o melhor candidato. Essa essencialidade do marqueteiro para o processo político, contudo, parece passar por inexorável influxo reflexivo, que pode ser acelerado por acontecimentos apenas indiretamente ligados às metamorfoses do governo representativo.

No dia 22 de fevereiro, em mais um desdobramento da operação “lava jato”, foi determinada a prisão temporária de João Santana e sua esposa e sócia, Monica Moura, marqueteiros responsáveis por recentes campanhas presidenciais nacionais e internacionais. Sem ingressar no mérito quanto à legalidade de mais uma prisão preventiva antecipatória de pena, fato que tem se tornado regra no âmbito da operação, o acontecimento repercutiu não apenas para aqueles que se valeram dos serviços prestados pelos investigados, mas também para estrategistas e marqueteiros políticos pelo Brasil.

Desde a redemocratização observada nos últimos anos da década de 1980, o marketing político ganhou cada vez mais importância para a definição dos vencedores das campanhas eleitorais no Brasil. A influência dos meios de comunicação – principalmente após a edição da lei que garantiu o horário político gratuito – na formulação da consciência do eleitorado não só é certa como indispensável para a vitória na corrida eleitoral. De fato, os meios de comunicação de massa, hoje, são mais importantes do que os partidos políticos para a aproximação entre o candidato e os seus eleitores.

O fenômeno identificado como mais uma metamorfose do governo representativo foi denominado por Bernard Manin como democracia de audiência[1]. Esta é caracterizada pela utilização dos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, como elemento crucial para a definição da competição eleitoral. Nesta nova conformação do governo representativo, os candidatos lançam suas informações e ideias por meio da televisão para um eleitorado passivo, responsável unicamente por absorver as mensagens transmitidas e, assim, optar pelo candidato que mais se distingue dos demais e que, portanto, mereça ser escolhido como representante.

A principal particularidade identificada por Manin inerente às democracias de audiência – cuja transformação é notada a partir da década de 1970 – é a substituição da proeminência dos partidos políticos pela figura individualizada do líder. Este se aproxima de seu eleitorado, neste novo contexto do governo representativo, por meio da televisão, e não mais pelas estruturas institucionais partidárias.

Tratando-se especificamente do caso brasileiro, a estrutura política nacional possibilitou que a figura do marqueteiro assumisse papel relevante para a definição do resultado final das urnas. Para a campanha vitoriosa de 1994, Fernando Henrique Cardoso contou com os serviços prestados por James Carville, reconhecido mundialmente pela importância que teve na eleição do até então pouco conhecido Bill Clinton em 1992[2]. A abertura democrática permitiu, então, que marqueteiros brasileiros assumissem as campanhas e disputassem os pleitos eleitorais junto com os candidatos.

De fato, não é difícil perceber a importância que o marketing político teve nas eleições brasileiras ocorridas nas últimas duas décadas, como no expressivo caso da campanha presidencial de 2002, em que Duda Mendonça alterou a imagem de opositor de Luiz Inácio Lula da Silva.

Da mesma forma, a campanha eleitoral de 2014 foi marcada por intensa influência do marketing político, utilizado não somente para promover as virtudes dos candidatos, como também para atacar a imagem dos adversários políticos. Foi nesse ambiente que João Santana ganhou a importância que o faz hoje ser reconhecido internacionalmente, chegando mesmo a ter extenso e laudatório perfil publicado no jornal The New York Times[3].

Toda essa relevância do trabalho dos marqueteiros e, ainda mais, dos “supermarqueteiros” para a definição dos resultados eleitorais parece estar, no entanto, em franco e inesperado declínio, pelo menos no concerne ao contexto político brasileiro. E não apenas em virtude do afunilamento das investigações em torno da remuneração dessa categoria.

A readequação do papel da televisão na influência do eleitor e a cada vez maior proeminência da internet são elementos que sem dúvida têm implicâncias imediatas no trabalho do marketing político e no alcance das medidas que antes eram adotadas para se vencer as batalhas eleitorais. A margem de atuação que a internet confere aos eleitores, transformando o papel que até então estes desempenhavam, torna muito mais frágil a imagem dos candidatos como era construída pelos marqueteiros.

De fato, a denominada democracia de audiência, como exposto neste espaço em outra oportunidade, perde hoje a força que já teve, principalmente pela diminuição da perda de importância da televisão nas campanhas eleitorais e a ascensão, ainda nebulosa, do papel da internet, a qual traz nova metamorfose no papel desempenhado pelo eleitor durante o seu processo de definição do candidato mais apto a representá-lo.

Ao invés de unicamente responder a estímulos dos candidatos e assim formar (ou, melhor, ter formada) a sua convicção, o eleitor, no campo da internet, possui maior autonomia e possibilidade de expressar suas preferências, fazendo com que os próprios candidatos tenham que reagir às prioridades do eleitorado de forma muito mais dinâmica do que no modelo de campanha anterior.

Nesse processo, surgem novos atores, que se pautam por racionalidade distinta daqueles que são protagonistas e avançam justamente sobre o principal efeito da degradação do poder, que é o desgaste da confiança que grandes líderes e figuras proeminentes antes gozavam. Com efeito, a incapacidade das instâncias tradicionais de poder de responder às demandas da sociedade engendra o processo de déficit de legitimidade, com a diminuição do alcance antes observado na formação do convencimento da população. Noutros termos, o crescimento da desconfiança na ação política cria o espaço para que novos nomes e estratégias surjam para ocupá-lo.

Essa perda de credibilidade, inclusive, é evidenciada pela cada vez mais frequente ascensão de novos personagens e líderes improváveis, que atuam de forma imprevisível, à margem das regras costumeiras dos centros tradicionais de poder, refletindo o descontentamento crescente da sociedade com as práticas de exercício do poder vigentes, que não atendem ao dinamismo e à pluralidade que regem atualmente as relações sociais. Essa alteração da conformação do governo representativo possui inegáveis reflexos no que diz respeito ao papel do marqueteiro no contexto das campanhas eleitorais.

Todavia, não somente esses elementos podem ser os responsáveis pela diminuição da importância do marketing político. Como dito anteriormente, a inesperada – e, diga-se, questionável – prisão preventiva dos marqueteiros traz reflexos imediatos também na atuação dos profissionais da área.

Em matéria publicada no dia 24 de fevereiro pela revista Piauí[4], Julia Duailibi revela que grandes marqueteiros políticos estão optando por não participar das campanhas eleitorais deste ano. A insegurança com relação à possível origem ilícita de recursos utilizados para pagamento dos serviços prestados e à inevitável posição que favorece o ataque de adversários políticos aumentou os riscos no desempenho da atividade.

Além disso, a jornalista indica que “no mercado, avalia-se que não haverá dinheiro suficiente para compensar o risco inerente à função, que é virar foco de investigações e teste de pontaria dos inimigos”. Não se pode negar, diante das declarações de marqueteiros publicadas na matéria de Julia Duailibi, que a prisão dos marqueteiros desencadeou uma onda de receio com relação à prestação de serviços de marketing político com reflexos diretos nas campanhas eleitorais de 2016.

É claro que se deve evitar, com efeito, generalizar os reflexos imediatos da recente prisão ocorrida para as eleições que virão. No entanto, a recusa de marqueteiros em assumir a condução de campanhas eleitorais é relevante indicativo da alteração da projeção destes no futuro da democracia brasileira. Há em trâmite, por exemplo, o Projeto de Lei do Senado 462/2015, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), que, entre outras disposições, tem por objetivo impedir as grandes publicidades eleitorais, proibindo a participação de terceiros na propaganda eleitoral[5], outro indicativo de mudanças na forma como as corridas eleitorais deverão ocorrer.

A prisão dos marqueteiros pode ser apenas um catalizador de inevitáveis mudanças que o avanço da internet como meio de formação de opinião trará sobre o governo representativo e, inevitavelmente, sobre as campanhas eleitorais. Não obstante, os efeitos imediatos que a prisão trará para as eleições deste ano, principalmente pela insegurança e o elevado risco que o desempenho da atividade de marketing político hoje representa, devem ser a antecipação da formatação futura dos processos eleitorais vindouros.

De fato, não apenas pela recente prisão preventiva – cuja legalidade, vale reforçar, é altamente discutível – a tendência é a efetiva diminuição do impacto que as medidas adotadas pelos marqueteiros tenham no resultado final das eleições, retomando-se a centralidade na figura do candidato em si, e não na imagem de sua campanha.

 


[1] MANIN, Bernard. The principles of representative government. New York: Cambridge University Press, 1997.

[2] A respeito da trajetória professional de sucesso do conselheiro eleitoral James Carville: http://www.iup.edu/page.aspx?id=87121 (acessado em 02/03/2016)

[3] http://www.nytimes.com/2013/04/06/world/americas/a-brazilian-campaign-strategist-expands-his-winning-streak.html?_r=0

[4] http://revistapiaui.estadao.com.br/questoes-da-politica/a-era-dos-supermarqueteiros/

[5] O PLS prevê a inclusão do artigo 44-A na Lei Federal n. 9.504/1997, cujo parágrafo único assim disporia: “A gravação da propaganda eleitoral será realizada em estúdio e consistirá exclusivamente de pronunciamentos do candidato, vedada qualquer participação, direta e indireta, de terceiros.

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