Descarte de dados

Provas ilegais vindas da Suíça são "prova-fantasma", dizem professores da USP

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3 de março de 2016, 18h11

Dois professores da Universidade de São Paulo assinaram parecer contra o uso de provas trazidas da Suíça sem passar pelos trâmites legais, na operação “lava jato”. Antonio Magalhães Gomes Filho, titular de Processo Penal da Faculdade de Direito da USP, e Mariângela Gama de Magalhães Gomes, professora associada, afirmam que informações obtidas por meios ilegais enquadram-se na categoria da “inexistência jurídica”, pois “simplesmente não existem como prova”.

O documento foi apresentado ao juiz federal Sergio Fernando pela defesa do executivo Márcio Faria, da Odebrecht, um dos réus do processo, na fase de alegações finais (antes da sentença). A análise envolve o uso de dados enviados pelo Ministério Público da Suíça a procuradores da República que integram a força-tarefa da “lava jato”.

Segundo o Tribunal Penal Federal da Suíça, a promotoria daquele país enviou de maneira ilegal informações bancárias sigilosas da offshore Havinsur, uma vez que ficaram “disfarçadas” em um pedido de cooperação jurídica internacional. Como a decisão em nenhum momento determina a devolução das provas, o Ministério Público Federal e o juiz Sergio Fernando Moro, responsável pelos processos decorrentes da "lava jato" na 13ª Vara Federal de Curitiba, entendem que todas elas podem continuar no processo.

Os professores Antonio e Mariângela Magalhães consideram desnecessária orientação expressa do tribunal estrangeiro, pois a Constituição Federal define como inadmissíveis provas obtidas por meios ilícitos. “É evidente que não compete à Justiça estrangeira determinar às autoridades nacionais qual a conduta a ser adotada. A aplicação das sanções decorrentes da ilicitude verificada é privativa da Justiça brasileira, segundo as regras do nosso ordenamento”, afirmam.

Para eles, o problema constatado pelo Tribunal Penal Federal francês é mais do que mera irregularidade processual, pois violou direitos fundamentais de uma das partes. Por isso, os autores consideram que aceitar essas provas incentivaria práticas ilícitas. “Na raiz da vedação processual das provas ilícitas pela jurisprudência norte-americana, hoje adotada na maioria das Constituições contemporâneas, está a constatação de que somente a exclusão das provas conseguidas ao arrepio da lei seria um eficaz impedimento aos eventuais abusos praticados pelos órgãos estatais da persecução.”

O parecer defende ainda o reconhecimento de inadmissibilidade dos elementos citados, sem nenhuma nulidade processual. “Se [as provas] foram equivocadamente admitidas, devem ser desentranhadas e inutilizadas”, escrevem os professores, citando o artigo 57, parágrafo 3º, do Código de Processo Penal.

Até agora, os documentos em questão foram considerados por Moro “provas materiais principais” do processo contra os executivos da construtora Odebrecht. As movimentações financeiras, conforme a denúncia do MPF, demonstram que a Havinsur emprestou contas para a Odebrecht pagar propinas no esquema de corrupção da Petrobras. A advogada de Márcio Faria, Dora Cavalcanti, já havia criticado o uso dos dados bancários.

D'além-mar
O presidente afastado do Grupo Odebrecht, Marcelo Odebrecht, anexou nas alegações finais parecer assinado por Luís Greco, professor titular da Universidade de Augsburg, e Alaor Leite, mestre e doutorando na Universidade de Munique, ambas na Alemanha. Na peça, em resumo, eles afirmam que nenhum fundamento jurídico é suficiente para a prisão preventiva de Odebrecht, diante da falta de indícios suficientes de autoria.

Greco e Leite são estudiosos da teoria do domínio do fato, do alemão Claus Roxin. Segundo os advogados Nabor Bulhões e José Carlos Porciúncula, a denúncia se vale de uma aplicação “equivocada” da teoria do domínio do fato para tentar imputar ao cliente os crimes descritos pelo MPF.

Clique aqui e aqui para ler os pareceres.

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