Trânsito em julgado

Prisão poderia valer após recurso extraordinário, diz Mariz de Oliveira

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3 de março de 2016, 18h34

Para o advogado criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, há, sim, muitas opções de recursos, e o trânsito em julgado poderia ocorrer depois do recurso extraordinário. Assim, o cumprimento da pena começaria antes de embargos de declaração e infringentes, por exemplo. “Acho que se recorre muito. Penso que deveria ser possível que o trânsito [em julgado] se dê depois da decisão de segundo grau, por ocasião do recurso especial e também do extraordinário”, afirmou durante sabatina nessa quarta-feira (2/3), na Casa do Saber, em São Paulo.

Durante duas horas, o ex-presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil respondeu perguntas da plateia e expôs sua opinião sobre a situação atual do Brasil, as pressões e desilusões da sociedade com a Justiça e a perigosa aproximação de juízes e promotores com a imprensa e a opinião pública. “Foi o povo que crucificou Jesus Cristo”, afirmou o advogado à ConJur no fim do evento. “A cultura punitiva tomou conta do país. A expectativa é pela culpa.”

Nelson Jr./SCO/STF
Mariz de Oliveira diz que busca incessante pela criminalização das pessoas pode levar o país à ditadura do Judiciário, que ele considera a pior de todas.

De acordo com o criminalista, atualmente, tanto a magistratura quanto a imprensa não reconhecem a importância da advocacia e esquecem que foi a classe quem os defendeu durante a ditadura militar, restabelecendo seu direito de falar e suas prerrogativas. “A imprensa não nos agradece, muito pelo contrário […] Para certos juízes, a advocacia atrapalha.”

Essa falta de reconhecimento, segundo o advogado, seria resultado da sanha punitiva que tomou conta do Brasil nos últimos tempos, mais precisamente desde a Ação Penal 470, o processo do mensalão. Mariz também diz que o efeito dessa busca incessante pela criminalização das pessoas pode levar o país à ditadura do Judiciário, que ele considera a pior de todas. “Rasga-se a Constituição em nome do punitivismo”, disse. "Não prendermos os criminosos do colarinho branco durante séculos não justifica", complementou.

Citando a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o trânsito em julgado, o advogado explica que ações como essa demonstram um claro ativismo por parte do Judiciário, tido por ele como muito perigoso. “O STF é o guardião da constituição, mas não pode reformá-la. O Supremo se arvorou de Legislativo e alterou o trânsito em julgado. Oxalá, a corte tenha bom senso e veja os riscos que está correndo e aos quais submeteu a democracia.”

Outro ponto desse ativismo do Judiciário citado por Mariz são as propostas de combate à corrupção. Ele destaca que ninguém é a favor da criminalidade, mas que o combate deve atuar em outras frentes, como educação e saúde, não apenas na edição de leis. “São propostas ilusórias, como outras que virão e outras que já vieram […] Jamais se trabalhou as causas do crime”, criticou, lembrando que hoje se criminaliza mais, podendo ser usado como exemplo o fato de que 200 novas leis foram criadas em 20 anos.

Imprensa como algoz
Segundo Mariz de Oliveira, há uma espécie de parceria entre a polícia, os promotores, a magistratura e a imprensa, pois as autoridades buscam aparecer, e a mídia ganha com a exposição da criminalidade. Ele exemplifica citando que um dos ministros do Supremo, quando percebe que está sendo focado pela câmera de televisão, se arruma e penteia o cabelo. “O crime acende paixões […] A mídia estimula a sanha punitiva. Ela espetaculariza o crime e não se preocupa em discuti-lo de maneira pedagógica. Ela adora o crime porque traz frutos financeiros.”

Contribui para esse círculo vicioso, de acordo com o advogado, o fato de os recebedores da informação não a questionarem. “O homem se tornou midiático, perdeu o senso crítico, se tornou um refém da mídia.” Além da sociedade civil, Mariz também argumentou que, desde o mensalão, as autoridades brasileiras também ficaram a mercê da imprensa. “Passaram a dizer aquilo que o público pretende ouvir”, o que, para ele, impede um juiz, por exemplo, de absolver ou reduzir a pena de um criminoso, pois a sociedade já espera a condenação.

Mariz diz ainda que junto a esse problema há os juízes que assumem competências policiais, tomando partido e considerando, antes de qualquer condenação efetiva, que o réu do processo que julgam é culpado. Ele ressalta que isso, somado à divulgação pela mídia, traz a sensação de impunidade à população, mas esse sentimento seria artificial. “Que impunidade é essa onde o país é o quarto maior em população carcerária”, questiona. O Brasil possui mais de 580 mil presos. Desse total, 41% são provisórios, segundo dados do Ministério da Justiça.

A magistratura e o Ministério Público, para o advogado, também teriam um “promíscuo relacionamento”. Ele argumentou que é possível fazer essa constatação, pois, em muitos casos, principalmente os mais divulgados, quase nenhum pedido da defesa é deferido, enquanto os da promotoria quase sempre são. “O juiz não pode julgar subjetivamente, com seu cheiro, com sua presunção.”

OAB e criminalidade
Em relação à criminalidade tão divulgada, Mariz ressalta que o aumento dos crimes nada mais é do que resultado da insensibilidade da população, principalmente das elites, com o próximo. Segundo ele, se os menores que hoje cometem crimes estivessem apenas embaixo dos viadutos, a sociedade não se lembraria deles. “As pessoas estão desinteressadas pelo bem comum […] Os menores estão dando o troco”, afirmou.

Mariz de Oliveira também destaca que é papel da advocacia “remar contra a maré” e enfrentar esse desejo de justiçamento de vários setores da sociedade. Porém, ele ressalta que falta aos advogados o apoio da Ordem, que estaria aquém das atitudes que tomou no passado. “A OAB não esclarece para a sociedade porque viemos.” Nesse momento, o mediador da sabatina, o também advogado Pierre Moreau tomou partido: “Não vejo a OAB exercendo seu papel como já o fez”.

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