História se repete

Com Youssef e empreiteiras, caso Maluf tem mesmos atores da "lava jato"

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3 de março de 2016, 8h25

Dez anos antes da famosa operação “lava jato”, o juiz federal Sergio Fernando Moro e um promotor paulista ouviram o doleiro Alberto Youssef em investigação que apurava suspeita de desvios de dinheiro da Prefeitura de São Paulo. Preso na época pelo caso Banestado (sobre evasão de divisas na década de 1990, julgado por Moro), Youssef admitiu ter enviado ao exterior dinheiro do ex-prefeito e deputado federal Paulo Maluf (PP-SP).

Os caminhos de lavagem que acabam de levar à condenação do deputado federal na França seguiram o mesmo modelo investigado posteriormente na “lava jato”: segundo o Ministério Público de São Paulo, as empreiteiras Mendes Júnior e OAS usavam notas frias de empresas subcontratadas para justificar o repasse de dinheiro a doleiros.

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Maluf foi condenado à prisão por ter movimentado mais de US$ 5 milhões em diversos países, sem justificativa.

Maluf foi condenado a três anos de prisão por lavagem de dinheiro em grupo organizado. A 11ª Câmara do Tribunal Criminal de Paris considerou que o deputado, a mulher dele, Sylvia Lutfalla Maluf, e seu filho, Flávio, organizaram um esquema para esconder a origem de recursos obtidos via corrupção e peculato em obras da Avenida Água Espraiada (atual Avenida Roberto Marinho) e do Túnel Ayrton Senna.

Os contratos foram firmados pela prefeitura entre 1993 e 1996, na gestão Maluf, com as construtoras Mendes Júnior e da OAS, no primeiro caso. Já a CBPO, que pertence ao grupo Odebrecht, ficou responsável pelo túnel Ayrton Senna. Os valores ultrapassaram R$ 600 milhões na época, de acordo com o promotor Silvio Marques.

Ele afirma que a Mendes Júnior e a OAS subcontratavam empresas de engenharia e pagavam apenas uma parte do valor firmado. O dinheiro restante ia parar nas mãos de doleiros e, em seguida, era repassado por dois caminhos principais: depósito na conta de laranjas no Brasil, que transferiam os valores, e o modelo “dólar cabo”, no qual o doleiro recebia em moeda nacional e movimentava dinheiro já disponível no exterior. Assim, segundo Marques, esses recursos não entravam no sistema formal.

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O doleiro Alberto Youssef confessou ter enviado dinheiro ao exterior a pedido de Paulo Maluf, segundo promotor de SP.

Um ex-diretor da Mendes Júnior, Simeão Damasceno, chegou a admitir a prática, de acordo com o promotor, mas o acordo de colaboração não foi para frente. Mesmo assim, segundo ele, foi possível identificar as movimentações financeiras.

Damasceno, Flávio Maluf e outro doleiro são alvos de ação penal ainda em tramitação na Justiça Federal em São Paulo, enquanto o deputado federal aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal, por ter prerrogativa de foro. A decisão francesa, porém, foca apenas em quem foi acusado de operar as contas naquele país.

Esconde-esconde
Conforme a 11ª Câmara do Tribunal Criminal, Maluf e a família tentaram esconder mais de US$ 5 milhões por meio de sociedades como Blackbird Foundation, Red Ruby e Blue Diamond, além de contas bancárias abertas em Paris, em nome de Sylvia. Esse dinheiro circulou por países como Luxemburgo, Suíça, Reino Unido e Estados Unidos, entre 1996 a 2005, e tem relação com crimes de suborno e peculato cometidos no Brasil e investigados por autoridades brasileiras, segundo a decisão.

A defesa do deputado declarou, em nota, que ainda será julgado recurso na Corte de Apelação Francesa. “Todos os valores envolvidos no processo têm origem lícita, foram declarados às autoridades brasileiras e os respectivos impostos foram pagos”, afirma o escritório Leite, Tosto e Barros Advogados. Durante o processo, Maluf alegou ter movimentado valores referentes à venda de um terreno e aos ganhos de jogos em um cassino.

A Justiça francesa também confiscou 1,8 milhão de euros em contas em nome de Paulo Maluf ou de seus familiares. Além disso, os três deverão pagar multas que somam 500 mil euros, valores que devem ser destinados aos cofres públicos da França.

Apesar da decisão, o ex-prefeito de São Paulo só poderá ser preso se for condenado pelos mesmos delitos no Brasil ou se for alcançado por forças internacionais de segurança. “Na prática, a decisão não produz nenhum efeito no Brasil nesse momento”, reconhece Silvio Marques. “Mas é importante porque vale em outros países. Se ele [Maluf] for à Argentina, por exemplo, poderá ser extraditado.” Segundo o promotor, é a primeira vez que o político tem uma condenação na esfera criminal.

Lá e cá
Segundo a advogada Maristela Basso, professora de Direito Internacional da Faculdade de Direito da USP e associada do escritório Nelson Wilians, é possível usar a decisão de forma prática no país. Para ela, o Tribunal Superior Eleitoral pode analisar se a condenação internacional justifica a aplicação da Lei da Ficha Limpa, para eventual perda do mandato atual. A Comissão de Ética da Câmara dos Deputados também pode ser provocada para avaliar a questão, diz Maristela.

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