Sem saída

Queda na arrecadação obriga prefeitos a violarem Lei de Responsabilidade Fiscal

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1 de março de 2016, 7h20

Diversos prefeitos do interior de São Paulo podem ser condenados pela legislação eleitoral por uma situação que, dizem eles, foge de seu controle. O problema teve início com a crise econômica, que resultou em queda de arrecadação de tributos por parte do estado e, consequentemente, menor repasse aos municípios. Sem poder demitir por causa da estabilidade do funcionalismo público, as prefeituras se veem obrigadas a gastar mais de 54% de seu orçamento com folha salarial, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

A situação deixa os prefeitos sem opção: eles tendem a acabar desobedecendo a lei, já que demitir é impossível. Caso as contas da gestão sejam reprovadas pelo Tribunal de Contas, podem ser condenados a ficar oito anos inelegíveis e até a ter que devolver valores ao erário público. Especializado em Direito Político, o advogado Renato Ribeiro de Almeida tem seis clientes que são chefes do Executivo de municípios paulistas e estão nessa encruzilhada.

“As medidas são sempre cortar o máximo possível de custos, demitir comissionados, estagiários, temporários e enxugar onde der. O problema é que, em municípios pequenos, muitas vezes com menos de cinco mil habitantes, você corta tudo e mesmo assim tem que passar dos 54% para pagar os funcionários. Mas pelo menos assim você pode argumentar na Justiça eleitoral que fez tudo ao seu alcance para cumprir a lei”, explica Almeida em entrevista à ConJur.

O advogado conta que parte do problema são os reajustes dos funcionários públicos, que estão previstos no artigo 37 da Constituição Federal e não podem deixar de ser concedidos. Aumentar o salário na medida que a arrecadação cai é uma equação que não fecha.

Tratamento diferente do Judiciário
Prefeito de Valparaíso, Marcos Higuchi (PSDB) conta que os municípios pequenos dependem quase que exclusivamente de repasses do estado e da União e que a cada mês a verba diminui. Ele também aponta outro fator além da queda de arrecadação: “A crise econômica reduz o orçamentos das famílias, e aí elas começam a buscar serviço municipal. Escola, posto de saúde, Santa Casa, creche. Nosso gasto fica enorme”.

Gomes vê um tratamento diferente dado pelo Judiciário a pequenas e grandes cidades. “Com os municípios menores, a Justiça é extremamente legalista, mas não tem esse mesmo rigor com grandes cidades, estado e União”, critica.

Municipalização de serviços
A situação é tão grave que faz tucano e petista concordarem. Hélcio Slavez (PT), prefeito de Coroados, concorda que a situação econômica faz a população buscar ainda mais o município para uma série de serviços. Para ele, a maioria dos prefeitos não fechará as contas da gestão.

“Você então dispensa um educador para ficar no limite da lei, e o Ministério Público te obriga a recontratá-lo. Não pode gastar mais nenhum centavo, e a Justiça te obriga a criar vagas de creche. Não contrata um agente de saúde, e uma epidemia assola a cidade. Com esse cenário econômico, o modelo dos pequenos municípios não se sustenta e vai falir todas as cidades menores”, disse Slavez.

Para Julião Gomes (PMDB), prefeito de Sud Mennucci, a sanha punitivista do Ministério Público é um grande agravante do problema. “O MP não tem bom senso e não quer conversar, saber de motivos. Eles querem é mostrar serviço e, por isso, logo entram com ação civil pública quando você está numa situação crítica, tentando manter os serviços, ficar dentro da lei e pagar os funcionários”, reclama Gomes.

Revisão no pacto federativo
O advogado Renato Ribeiro de Almeida elogia a Lei de Responsabilidade Fiscal (tem o papel importantíssimo de estabelecer parâmetros e limites aos gastos públicos) e vê o problema como algo estrutural. “É urgente que se discuta uma revisão do pacto federativo brasileiro, oferecendo mais alternativas e recursos aos municípios, sobretudo os menores. Os municípios gozam apenas de três impostos. Essa realidade os torna dependentes da participação em tributos estaduais e federais, como é o caso do IPVA e ITR, do Fundo de Participação dos Municípios e de emendas parlamentares. Uma crise estrutural da economia em escala estadual ou nacional afeta diretamente os municípios mais pobres e dependentes de ajuda externa”, afirma Almeida.

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