Imune a críticas

Glorificação da "lava jato" pode dar margem a abusos, diz Nelson Jobim

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31 de maio de 2016, 14h09

Nos últimos sete dias, dois ministros do governo interino de Michel Temer (Romero Jucá, do Planejamento, e Fabiano Silveira, de Transparência, Fiscalização e Controle) caíram e dois figurões do PMDB (José Sarney, ex-presidente, e Renan Calheiros, presidente do Senado) foram submetidos a escrutínio público por terem criticado aspectos da “lava jato” ao ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado.

Mas é possível que essa glorificação da operação dê margem a abusos de investigadores e magistrados, que podem atropelar direitos e garantias para satisfazer a opinião pública, afirmou à ConJur o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim. “Esse é um risco que se corre, um risco perigoso, de que você transforme um juiz imparcial em um juiz parcial pela investigação."

Antônio Cruz/ABr
Brasil corre risco de transformar juiz em parcial pela investigação, diz Jobim.
Antônio Cruz/ABr

Na reunião mensal das associadas do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), ocorrida em São Paulo nessa segunda-feira (30/5), Jobim também ressaltou ser preciso distinguir críticas à “lava jato” de práticas para obstruir as investigações.

“Em uma sociedade democrática, as críticas são normais. Uma coisa é criticar, outra coisa é tentar influenciar. Fazer críticas que estão exagerando nisso ou naquilo é normal. O problema é que há uma radicalização muito forte hoje. Agora, não pode, evidentemente, tentar instrumentalizar para evitar o funcionamento da Justiça”, avaliou o ministro.

Embora tenha deixado claro não ter uma posição sobre a legalidade das gravações de Sérgio Machado com membros do PMDB, o também ex-ministro da Justiça e da Defesa disse à ConJur ser possível aplicar a lógica do flagrante preparado a essa situação. Nesse caso, os áudios seriam considerados prova ilícita, e não teriam valor processual.

Combate estrutural
Nelson Jobim também garantiu, em sua palestra no evento, que a Justiça não vai resolver os problemas de corrupção do país. “O Judiciário não lida com o futuro, e sim com condutas passadas. É preciso combater os fatores que levaram às estruturas de corrupção, não só o aspecto moral”. Para isso, ele disse ser preciso reduzir os espaços para ilícitos, o que poderia ser feito, por exemplo, pela limitação de aditivos a contratos públicos e por fiscalizações feitas por integrantes de órgãos diferentes do que concedeu a obra ou o serviço.

Porém, a corrupção só será diminuída com um amplo e lúcido debate público, segundo o antigo integrante do STF. A seu ver, o atual elemento de ódio presente na política brasileira não gera soluções racionais. “Processo democrático não é só obtenção do consenso, mas também administração do dissenso. Somente assim é possível construir a superação”, opinou.

*Texto alterado às 10h00 para correção de informação.

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