Opinião

Caso Suzane Von Richthofen mostra necessidade de discutir execução penal

Autor

  • Tiago Cintra Essado

    é promotor de Justiça em São Paulo doutor em Direito Processual Penal pela USP autor da obra A perda de bens e o novo paradigma para o processo penal brasileiro (Lumen Juris 2015).

29 de maio de 2016, 7h30

Se aos olhos do leigo a concessão de saída temporária à reeducanda Suzane Richthofen, no feriado do Dia das Mães, possa causar espanto, não se esperaria o mesmo de pessoas minimamente esclarecidas quanto a assuntos jurídicos.

Reconhece-se a infeliz coincidência em se beneficiar Richthofen, que cumpre pena de 39 anos por matar os pais, numa data em que a homenageada é a própria vítima. Porém, para a concessão do benefício, os olhos da lei são indiferentes à natureza e ao rótulo do feriado. Assim, no Natal ou na Páscoa, independentemente da perspectiva religiosa do preso, a saída temporária poderá ser aplicada a quem a ela tiver direito.

A ideia que permeia a saída temporária, benefício previsto na Lei das Execuções Penais (Lei 7.210/1984), é a de propiciar àquele que se encontra no regime semiaberto um progressivo contato social, visando à sua ressocialização.

No plano teórico e legal, a pena vista como vingança não encontra eco jurídico na realidade contemporânea. Mas não é o que se verifica na prática.

Suzane Richthofen teve a saída temporária do Dia das Mães interrompida, a partir do momento em que tradicional órgão da imprensa brasileira constatou que o endereço por ela fornecido à justiça, onde poderia ser encontrada durante o feriado, era falso. Além da interrupção do benefício, o assunto foi explorado em sensacionalista matéria, em dia e horário nobres.

Se é certo que a lei obriga ao preso a indicação de endereço para a saída temporária, não se ignora que neste específico caso não se identificou qualquer tentativa de fuga ou de violação da lei penal da parte de Suzane Richthofen.

Tampouco se olvida que poucos dos que cumprem pena no cruel sistema brasileiro possuem família, em seu sentido clássico, restrito e superado, e com ela ainda mantêm vínculo, a ponto de ter endereço para o gozo dos benefícios legais.

Não se veem policiais indo em residências de presos que usufruem da saída temporária com o fim de constatar a veracidade do endereço.

O desejo vingativo ainda permeia o inconsciente coletivo da sociedade contemporânea, quando o assunto é a criminalidade. A última fase do processo penal, qual seja, a da execução da pena, ainda é relegada por muitos: advogados, juízes, promotores, políticos. Mas, sobretudo, pela própria sociedade. Os presídios ficam às margens das cidades, bem distantes dos olhares de todos esses, que preferem ignorá-los.

A crença de que apenas a inserção no cárcere daquele que violou a lei penal será a solução tanto para o erro cometido quanto para a paz social, traz em si a ilusão de que segurança pública confunde-se com vingança. Não o é.

A hora é boa, pois, para que a execução penal seja efetivamente posta à mesa pelos agentes do sistema de justiça criminal brasileiro. E, mais ainda, para que as instituições que o compõem possam contribuir para a conscientização social de que o preso tem, mais cedo ou mais tarde, destino certo: as ruas.           

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