Segunda Leitura

Complexidade do comércio internacional pede a criação de varas empresariais

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

29 de maio de 2016, 8h00

Spacca
Participando da 12ª Conferência da International Association for Court Administration (Iaca), em Haia, Países Baixos, assisti no dia 19 de maio a um painel cujo título era "Tribunais Comerciais Especializados versus Tribunais Comuns”. Palestraram representantes do Judiciário de Dubai, Singapura e Cazaquistão, e um do Centro Europeu de Resolução de Conflitos, este defendendo a arbitragem e a mediação.

Pensamento solto, a comparação com o Brasil foi inevitável. Como procede o Poder Judiciário em relação à economia e, mais precisamente, com referência à vinda de investidores para o nosso país?

Desde logo registra-se que o Brasil, tal qual outros países em desenvolvimento, precisa do capital estrangeiro. Hoje dificilmente se encontrará alguém que sustente que tenhamos uma economia fechada, que produza e sirva a nós mesmos. No século XXI tal posicionamento soa como algo completamente despropositado.

Vivemos tempos de globalização e, como alertam Brevigliere e Soares,  “é fato perceptível que na modernidade, o capitalismo comercial transformou-se em industrial, e atualmente, de serviços. Exceto apenas nos períodos das grandes guerras mundiais, no século passado, confrontamos-nos com uma explosão do comércio internacional (de mercadorias e de serviços), ou seja, uma globalização econômica. Esse mercado atual se caracteriza pela rapidez nas comunicações e por um grande desenvolvimento da infra-estrutura (telefonia celular, televisão por satélite, transportes em larga escala etc.)”.[1]

Boas empresas estrangeiras trazem benefícios ao país. A título de exemplo, cita-se a Bayer,  que aqui se instalou no ano de 1896. Ela dá emprego a 4.500 pessoas, possui três unidades,  incentiva a educação dos seus empregados, dando um subsídio de 50% a 90% para os cursos de MBA ou graduação, dá às mulheres licença-maternidade de seis meses,  estimula a prática de esportes, oferecendo um clube que pode ser usado com uma pequena contribuição mensal.[2]

Mas, para alguém investir no Brasil, é necessário que acredite no país. Nos últimos tempos a confiança está em baixa. Segundo pesquisa do Banco Mundial  sobre economias e a facilidade de se fazer negócios, o Brasil ficou na 116ª classificação, atrás, inclusive, do Paraguai. Na região, o Chile foi o mais bem classificado (48º) e a Venezuela o pior (186º), o quarto pior do mundo.[3]

Esta situação tem sido analisada pelos economistas e evidentemente é da alçada do Poder Executivo Federal. Porém, interessa-nos a avaliação do ponto de vista jurídico. A questão é: o nosso sistema de Justiça auxilia a vinda de investidores estrangeiros? Ou, ao inverso, prejudica?

Esta discussão é praticamente ignorada na academia. Raramente se encontrará monografia, dissertação ou tese analisando a matéria.

Não é diferente no âmbito dos tribunais. É verdade que o Direito Empresarial é matéria prevista nos concursos para a magistratura (Resolução CNJ 75/2009). Mas é verdade, também, que depois do ingresso do candidato na magistratura o tema sai da pauta.

Além disto, os Tribunais de Justiça do país, que são os competentes para especializar varas ou câmaras em matéria empresarial, têm sido tímidos em tomar tal medida. Com efeito, dos 27 TJs do Brasil, apenas os de São Paulo  e Santa Catarina têm câmaras especializadas (empresarial e comercial, respectivamente). Na primeira instância só há varas empresariais no Rio de Janeiro (sete), Belo Horizonte (duas) e no Distrito Federal (uma). É muito pouco.

Guilherme Bentzen observa com propriedade que “as lides empresariais necessitam de soluções céleres, pois a atividade comercial gravita em torno de um sistema de mercado que se altera constantemente, não podendo os negócios ou a vida ativa de uma empresa ficar à mercê de uma decisão judicial”.[4]  

No exterior a preocupação é bem diferente. No Emirado de Dubai, em 2004 foi criado o Dubai International Financial Centre Court (DIFC), que é uma Justiça especializada em disputas de natureza comercial, locais, regionais e internacionais. O DIFC está localizado no meio de imponente centro financeiro da cidade de Dubai e não em um setor de tribunais. Há uma primeira instância e um Tribunal de Apelação, com um total de oito magistrados, a maior parte estrangeiros.

Sob forte influência das cortes britânicas, o DIFC utiliza-se do idioma inglês e o sistema é o da Common Law. Os julgamentos são céleres e o tribunal tem os mais avançados recursos tecnológicos do mundo. Suas decisões não admitem recursos e são executadas na corte de Dubai, para tanto, devendo ser traduzidas para o árabe. 

Singapura, que é o primeiro colocado no ranking de países com economia e facilidade para fazer-se negócios, e o Cazaquistão,  país emergente, rico em petróleo,vêm investindo no aprimoramento de seus tribunais e estudam a possibilidade de criação de tribunais comerciais como forma de atrair mais investidores.

 Mas por que os países devem ter um Judiciário especializado em temas comerciais ou empresariais?

A resposta é simples. Os investidores estrangeiros precisam ter a certeza de que seus pleitos serão decididos por juízes imparciais e em prazo razoável. Os investimentos são feitos mediante contratos de financiamento de vultosas quantias e se, nos conflitos que surgirem, a Justiça for lenta e despreparada, o projeto fracassará.

Note-se que o interesse pela matéria cresce a olhos vistos. Não só as grandes cidades apresentam expertos na matéria. Por exemplo, em Campos Novos (SC), com apenas 34.386 habitantes (censo de 2010), há advogados especializados em contratos internacionais.[5]

Contudo, a existência de poucas unidades judiciárias especializadas leva à presunção de que as decisões serão dadas por juízes pouco envolvidos com o assunto. E com razão. Imagine-se um juiz de vara cível de uma cidade aeroportuária como Guarulhos (SP), que deve decidir desde dívidas de jogo (artigo 814 do Código Civil) até o uso do direito  de superfície (artigo 1.369). Como exigir de tal profissional conhecimentos de contratos de joint venture ou de catering, que recebem a influência de sistemas jurídicos diferentes e que são necessariamente extraterritoriais?

No item segurança jurídica não se pode olvidar a existência de número infinito de recursos processuais e surpresas locais, como em empreendimentos que geram impacto ambiental. É difícil um estrangeiro compreender como é possível que um empreendimento licenciado por um órgão ambiental, com a concordância do Ministério Público Estadual, possa vir a ser impugnado em juízo pelo Ministério Público Federal e ter uma liminar suspendendo o andamento do empreendimento.

As múltiplas dificuldades do nosso sistema de Justiça têm levado os investidores estrangeiros a  eleger um tribunal arbitral para a solução de seus conflitos. Sabem que a decisão será dada por árbitros especializados e em tempo muito menor, já que só há  uma única instância. Atualmente, até mesmo o Estado pode submeter-se à arbitragem, desde que o contrato envolva direitos patrimoniais (Lei 9.307/96, artigo 1º, parágrafo 1º).

Como se vê, há que se dar uma virada de página na solução de tais conflitos. Assim, ao Judiciário, em especial o dos estados, cumpre: a) adaptar-se aos novos tempos, especializando ou semiespecializando, nas cidades com maior potencial econômico, câmaras nos tribunais e varas na primeira instância; b) consolidar sua jurisprudência em súmulas, dando aos investidores maior segurança nos seus negócios; c) preparar seus juízes para as novas e complexas relações econômicas, que envolvem investimentos altos, prazos a serem cumpridos, cláusulas contratuais rígidas, de modo que as decisões sejam bem fundamentadas e convincentes.

Evidentemente, o que aqui se diz aplica-se também às relações comerciais internas. E caso não haja adaptação aos novos tempos, o Brasil ─ e consequentemente a sociedade ─ sofrerão notório prejuízo econômico e os litigantes evitarão, até onde possível, o ingresso no Poder Judiciário,  transformando este Poder em opção de solução apenas de pequenos conflitos.                                             

[1] Etiene Maria Bosco Breviglieri e Denis Marcos Veloso Soares, Contratos internacionais firmados no Brasil: a possibilidade de escolha da legislação aplicável mediante a lei de arbitragem. Acesso em 28/5/2016.

[2] Revista Você S.A., maio de 2016, p. 22.

[3] http://portugues.doingbusiness.org/rankings, acesso em 27/5/2016

[4] A necessidade de criação de jurisdição empresarial especializada no Poder Judiciário Goiano http://bmmadvocacia.com/a-necessidade-de-criacao-de-jurisdicao-empresarial-especializada-no-poder-judiciario-goiano/, acesso 26/5/2016.

[5] http://www.jusbrasil.com.br/advogados/contratos-internacionais-sc-campos-novos/, acesso em 27/5/2016.

Autores

  • Brave

    é desembargador federal aposentado do TRF da 4ª Região, onde foi corregedor e presidente. Mestre e doutor em Direito pela UFPR, pós-doutor pela Faculdade de Saúde Pública da USP, é professor de Direito Ambiental no mestrado e doutorado da PUC-PR. Presidente da International Association for Courts Administration (IACA), com sede em Arlington (EUA). É vice-presidente do Ibrajus.

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