Medidas descabidas

Especialistas criticam projeto que corrige IR e tributa heranças

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28 de maio de 2016, 10h42

Tramita no Congresso Nacional projeto de lei que reajusta em 5% a tabela do Imposto de Renda Pessoas Física a partir de 2017 e prevê medidas compensatórias para a arrecadação, como a incidência do mesmo imposto para heranças acima de R$ 5 milhões e doações acima de R$ 1 milhão, que estavam isentos até agora. O projeto foi enviado pelo governo da presidente Dilma Rousseff (PT), hoje afastada.

Ao anunciar os detalhes das medidas, o então ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, afirmou que o aumento da progressividade da tributação do Imposto de Renda de forma responsável, sem gerar impacto fiscal no próximo ano. "O custo da correção da tabela do Imposto de Renda vai ser mais do que compensada por medidas de elevação de receita em outras áreas”, disse Nelson Barbosa.

Segundo o ministro, os países mais desenvolvidos têm tributação sobre herança e doações. Para ele, as novas medidas são uma forma de se fazer justiça tributária e de boas práticas para gerar igualdade na sociedade. Entretanto, a proposta foi criticada por especialistas.

O vice-presidente de Fiscalização, Ética e Disciplina do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Luiz Fernando Nóbrega, afirmou que o projeto de lei é “absurdo em todos os pontos”. Segundo ele, a correção progressiva da tabela do Imposto de Renda está defasada há muitos anos e, para ser justa, precisaria ser reajustada em pelo menos 60%, e não em 5% como propõe o texto.

O PL prevê a taxação de heranças acima de R$ 5 milhões e doações acima de R$ 1 milhão. As alíquotas são progressivas e variam entre 15 e 25%. “A família constrói um patrimônio e, na hora de transmiti-lo, uma parte é consumida pelo Estado”, reclama Nóbrega. Hoje sobre herança incidem apenas tributos estaduais, e nem todos os Estados taxam doações.

Ainda segundo Nóbrega, no momento em que tanto se fala em transparência, a decisão de tributar a distribuição de lucros das empresas optantes do lucro presumido é um erro. “A distribuição de lucros livre de tributos é justa e um incentivo extra para que as empresas façam sua contabilidade de maneira correta”, afirma.  

Quanto à decisão de tributar em 100% os direitos de voz, imagem e marca, o governo ignora que esses profissionais precisam manter uma estrutura para continuar no mercado, como marca de interesse. “Embora nem sempre utilizem estrutura física, esses profissionais usam escritórios de gestão de marca, assessoria jurídica e de comunicação, que têm custos elevados, e estão sendo ignorados pelo governo”, disse. 

Na opinião do tributarista Igor Mauler Santiago, sócio do Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados, o problema é que cabe a estados tributar heranças e doações, conforme competência definida pela Constituição Federal. Já com relação aos direitos de imagem e de autor, “a presunção de que não há nenhuma despesa é irrealista. Portanto, algum ajuste precisa ser feito no Congresso”, afirma ele.

Por fim, Santiago critica outro aspecto do PL, que trata da tributação dos dividendos correspondentes à parcela do lucro excedente do presumido: “A parcela do lucro que exceder a presunção legal não será tributada na pessoa jurídica, mas o será na física. Com isso, na prática, se extingue o regime do lucro presumido, ofendendo-se o artigo 44 do Código Tributário Nacional.”

Golpe de misericórdia
Para Marcello Maurício dos Santos, sócio do Chiarottino e Nicoletti Advogados, a tributação de heranças e doações pelo Imposto de Renda, prevista em projeto de lei elaborado pelo governo Dilma, é um golpe de misericórdia contra o contribuinte que conseguiu, mesmo diante de uma carga tributária anual em torno de 36%, amealhar e acumular um patrimônio, podendo a União ficar com até 25% deste patrimônio.

"Se somada a alíquota máxima prevista para o imposto estadual (ITCMD), que incide sobre a mesma base de cálculo, a carga tributária pode chegar a 33%, ou seja, 1/3 do patrimônio! O governo tanto tem noção do quão absurdo é o valor do tributo, que tentou amenizar a situação de alguns contribuintes, dilatando o prazo de pagamento do imposto para o último dia útil do ano-calendário subsequente ao da transmissão”, criticou.

Santos destaca, ainda, que o mesmo PL aumenta a carga tributária de 10,88% para 34% no que se refere à tributação das receitas decorrentes de cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz, de que seja detentor o titular ou o sócio da pessoa jurídica, ao determinar a adição à base de cálculo do Imposto de Renda pelo regime do lucro presumido, sem a aplicação dos percentuais de presunção.

“No ensejo de arrecadar, o Fisco, que vem combatendo essa estrutura utilizada por muitos esportistas, artistas e outros, que têm na sua imagem a fonte de grande parte de seus rendimentos, vira as costas ao princípio base do regime do lucro presumido, que é a presunção do lucro. Ao excetuar esse tipo de receita, por considerar que não há despesas vinculadas a essas receitas, cria uma excepcionalidade que poderá gerar mais uma batalha tributária a ser disputada nos tribunais do país”, afirma.

Segundo o tributarista Carter Gonçalves Batista, do Nelson Wilians e Advogados Associados, a proposta do governo federal revela importantes desacertos em toda a sua estrutura. “Em primeiro lugar, a adequação da Tabela progressiva do Imposto de Renda mais uma vez não alcançará o objetivo de minimizar um dos principais problemas que é o fato de quem ganha menos pagar mais tributo proporcionalmente em relação àqueles que ganham mais, especialmente, porquanto o ajuste não altera a relação da taxação exacerbada que ocorre no Brasil em relação ao consumo e não à renda em si.”

Isenção revogada
De acordo com o tributarista Hugo Funaro, sócio do Dias de Souza Advogados Associados, o projeto de lei revoga parcialmente a isenção do Imposto de Renda atualmente prevista para a aquisição de bens por doação ou herança. Com isso, pretende-se incluir no campo do imposto os bens adquiridos por herança e as doações em adiantamento da legítima.

Hugo Funaro destaca que a proposta “afigura-se inconstitucional porque compete privativamente aos Estados e ao Distrito Federal cobrar impostos sobre heranças e doações, nos exatos termos do artigo 155, I, da Constituição Federal. Dessa maneira, a União não pode cobrar imposto sobre os bens transmitidos a esse título”.

Ele observa ainda que a “isenção” de Imposto de Renda em vigor trata, na realidade, de uma “não incidência” decorrente de limitação imposta pela Constituição e, como tal, não pode ser revogada para permitir à União cobrar o imposto em relação a bens sujeitos apenas ao ITCMD. “Portanto, aguarda-se que o Congresso Nacional rejeite a proposta, de sorte a prevenir a invasão pela União de competência estadual e a bitributação de heranças e doações (IR e ITCMD), com indevida elevação da já insuportável carga tributária”, conclui Funaro.

Ao comentar sobre a sobre cessão de direitos de imagem, voz e marca, os advogados Karem Jureidini Dias Raphael Assef Lavez, do escritório Rivitti e Dias Advogados, explicam que o que se discute é a base de cálculo, isto é, o imposto da renda não pode — inclusive no lucro presumido — desprezar o custo decorrente dessas operações.

“Realmente, tais cessões envolvem custos, justamente porque são realizadas de forma empresarial. Desconsiderar esse custo significa tributar além da renda, o que seria absolutamente inconstitucional, mesmo na sistemática do lucro presumido”, explica Karem Jureidini Dias. 

Ela aponta duas alternativas viáveis: “ou se entende que essa cessão, por fazer parte do objeto social da empresa, compõe sua receita bruta e, nesse caso, o custo é considerado “presumidamente” mediante aplicação do percentual de 32% (como é atualmente); ou, caso seja uma atividade estranha ao objeto social, deve ser atribuído o tratamento de ganho de capital, ou seja, tributa-se integralmente o ganho (isto é, a diferença entre a receita na cessão e o custo de aquisição)”.

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