Opinião

Integração global tornou planejamento tributário um problema internacional

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  • Allan Titonelli Nunes

    é procurador da Fazenda Nacional e desembargador Eleitoral Substituto do TRE-RJ mestre em Administração Pública pela FGV especialista em Direito Tributário ex-presidente do Forum Nacional da Advocacia Pública Federal e do Sinprofaz. Membro da Academia Brasileira de Direito Político e Eleitoral (Abradep).

26 de maio de 2016, 9h00

O recente escândalo internacional provocado pela divulgação de lavagem de dinheiro através de offshores constituídas no Panamá, conhecido como “Panamá Papers”, coloca em foco o combate à sonegação. Nesse pormenor, o Grupo Tax Justice Network, uma organização internacional destinada a realizar pesquisas sobre impostos, paraísos fiscais e movimentações financeiras, já divulgou inúmeros estudos sobre a evasão.

Um desses trabalhos teve o objetivo de fazer um comparativo Mundial, com base em dados do Banco Mundial de 2011, levando em conta os principais países do Mundo, entabulando estimativas a partir do PIB e alíquotas tributárias, alcançando uma previsão do que deveria ser arrecadado, diminuindo daquilo que realmente ingressou nos cofres públicos, para saber a evasão fiscal em cada país.

Como resultado chegou-se à conclusão que Rússia, Brasil (correspondendo a 13,4% do PIB) e Itália foram, nessa ordem, os países com maior evasão[1]. Tratando ainda do mesmo tema, o Grupo Tax Justice Network contratou James Henry, ex-economista-chefe da consultoria McKinsey, para produzir um estudo, nominado The Price of Offshore Revisited, destacando o impacto sobre a economia de 139 países mais desenvolvidos da movimentação de dinheiro enviada a paraísos fiscais.

O trabalho, que teve como base dados do Banco de Compensações Internacionais, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial e de governos nacionais, constatou que os ricos brasileiros acumularam cerca de US$ 520 bilhões em paraísos fiscais até 2010, o que corresponderia a um terço do PIB nacional e cuja quantia seria a quarta maior do mundo depositada nesta modalidade de conta bancária. Restando evidenciado que a elite brasileira paga proporcionalmente muito menos tributo que todas as outras classes sociais do país[2].

É de origem histórica a tentativa de não se submeter ao jugo do Estado, sendo uma das primeiras formas de sair do campo de incidência das normas coletivas. Ou seja, a não subsunção às normas de conduta surgiram conjuntamente com a existência do Estado. Essa lógica também passou a acontecer, e com mais frequência após o advento da tributação, tendo em vista a questão econômica envolvida (origem de diversas disputas nos sistemas capitalistas).

Concomitante à fuga da exação tributária por parte do cidadão, o Estado demanda alternativas para aperfeiçoá-la. Nesse campo, a doutrina majoritária entende que a conduta do contribuinte, de tentar se eximir da incidência tributária no momento ou depois da ocorrência do fato gerador por meio de condutas ilícitas (fraude, simulação e outras), como evasão fiscal.

Sendo a elisão fiscal a ação lícita tendente a não incidência da norma tributária, antes da ocorrência do fato gerador, face a inexistência de previsão legal. Sacha Calmon Coêlho discorre sobre essa distinção[3]:

“Tanto na evasão comissiva ilícita como na elisão fiscal existe uma ação do contribuinte, intencional, com o objetivo de não pagar ou pagar tributo a menor. As diferencia: (a) a natureza dos meios empregados. Na evasão ilícita os meios são sempre ilícitos (haverá fraude ou simulação de fato, documento ou ato jurídico. Quando mais de um agente participar dar-se-á o conluio). Na elisão os meios são lícitos porque não vedados pelo legislador; (b) também, o momento da utilização desses meios. Na evasão ilícita a distorção da realidade ocorre no momento em que ocorre o fato jurígeno-tributário (fato gerador) ou após sua ocorrência. Na elisão, a utilização dos meios ocorre antes da realização do fato jurígeno-tributário, ou como aventa Sampaio Dória, antes que se exteriorize a hipótese de incidência tributária, pois, opcionalmente, o negócio revestirá a forma jurídica alternativa não descrita na lei como pressuposto de incidência ou pelo menos revestirá forma menos onerosa.”

Muito embora a elisão fiscal seja tratada como economia lícita de tributo o Direito Tributário tem se debruçado sobre conceitos éticos e morais de sua prática. Porquanto, o planejamento tributário com a utilização do abuso de forma para tentar escapar da incidência tributária está se tornando cada vez mais corriqueiro.

Importante ressaltar nessa quadra a doutrina sobre o dever fundamental de pagar tributo, que tem contribuição pioneira de José Casalta Nabais, defensor de deveres do cidadão perante o Estado, os quais conduzem à existência de uma cidadania fiscal atrelada à concretização da solidariedade[4]:

“Noutros termos, o imposto não pode ser encarado, nem como um mero poder para o estado, nem simplesmente como um mero sacrifício para os cidadãos, mas antes como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado.”

Voltando para o problema mencionado, a integração global, a internet como ambiente de negócio, entre outros mecanismos de supressão volátil das fronteiras, tornou a forma abusiva de planejamento tributário um problema internacional. Para enfrentar a questão, o G-20, grupo de países constituídos para debater sobre a estabilidade econômica global, pautou a matéria para discussão na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que ficou responsável por criar normas internacionais sobre o assunto, evitando uma “Guerra Fiscal Internacional”, face essa mitigação virtual das fronteiras.

Um dos esforços concentra-se na Base Erosion and Profit Shifiting (BEPS – Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros -), sendo um dos planos de ações aprovados, a adoção de medidas mais transparentes por parte dos contribuintes, delineando não só evitar o planejamento tributário abusivo como definir regras de compliance.

O Brasil buscou regulamentar a questão por meio da MP nº 685, de 21 de julho de 2015, inaugurando o que convencionou-se chamar de declaração antielusiva e a consulta preventiva antielusiva, com o intuito de monitorar e dar segurança jurídica “as operações e atos ou negócios jurídicos que acarretem supressão, redução ou diferimento de tributo”, conforme dispôs o artigo 7º da mencionada legislação. Outrossim, essa parte da MP não foi convertida na Lei 13.165/2015, o que evidenciou um retrocesso no combate à sonegação.

De todo modo, com base nesses mesmos princípios de combate ao planejamento tributário abusivo, a Lei Complementar 104/2001 acresceu um parágrafo único ao disposto no art. 116 do Código Tributário Nacional, que ficou conhecida como norma geral antielisiva. Contudo, a aplicabilidade do respectivo instituto ainda não foi utilizada na íntegra tendo em vista a falta de sua regulamentação, não obstante a defesa por vários doutrinadores que ele já seria autoaplicável.

A retomada do tema no cenário político internacional exige a discussão de medidas efetivas no combate à sonegação, entre as quais a regulamentação da norma geral antielisiva, sob pena de continuarmos perdendo 10,1% do PIB anualmente com a sonegação, o que corresponderia a R$ 518,2 bilhões levando em conta o PIB de 2014, segundo estudos do Sinprofaz[5].


[3] COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria da Evasão e da Elisão em Matéria Tributária. Planejamento Fiscal – Teoria e Prática. São Paulo: Dialética, 1998, p. 174.

[4] NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 185.

[5] SINDICATO NACIONAL DOS PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL (SINPROFAZ). Sonegação no Brasil – Uma Estimativa do Desvio da Arrecadação do Exercício de 2014. Acesso em: 08/06/2015.

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