Opinião

Tutela de evidência em mandado de segurança afeta Direito Tributário

Autor

  • Paulo Cesar Conrado

    é juiz federal em São Paulo professor do Curso de Especialização do Ibet professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

25 de maio de 2016, 6h48

Não há dúvida de que, de ordinário, medida liminar em mandado de segurança é provimento enquadrável no capítulo das cautelares; significa dizer: tende a assegurar um dado direito, e não o satisfazer de forma antecipada.

Em matéria tributária, acentuaram essa premissa, as restrições trazidas pelo artigo 7º, parágrafo 2º, da Lei 12.016/2009 (atual diploma de regência do mandado de segurança), preceito que, em sua primeira parte, afirma que “não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior (…)”.

Essas restrições são facilmente compreendidas se se considerar que, como sublinhado, medida liminar em mandado de segurança é provimento de natureza cautelar, afigurando-se inviável, daí, sua eventual satisfatividade — efeito que se verificaria, dentre outros, nos casos descritos naquele dispositivo.

A par dessas certezas, o CPC/2015, inovando no capítulo destinado ao que chamou de “tutelas provisórias”, instituiu a inédita figura da “tutela de evidência”, provimento cuja concessão é possível, segundo o parágrafo 1º do artigo 311[1], em caráter liminar — tal como acontece, idealmente, na generalidade dos casos de mandado de segurança.

Ocorre que, em sua lógica, para concessão da tutela de evidência, dispensa-se a demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo (caput do mesmo artigo 311), exigindo-se, em contrapartida a caracterização de uma dentre as quatro hipóteses descritas nos incisos.

Dessas hipóteses, uma é de realçada importância para o direito tributário: a inscrita no inciso II, que afirma viável a outorga do provimento se “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante”.

Como o CPC/2015 não define, materialmente, os efeitos extraíveis da tutela de evidência (deixando de apontar, por outros termos, se a providência por ela aparelhada é cautelar ou satisfativa), fica a questão desde logo: o jurisdicionado pode pedir tutela de evidência apenas para um, para outro ou para ambos os fins?

Em princípio, poderíamos dizer que, por não restritivo, o novo estatuto caminharia para uma posição mais abrangente, contemplando, via tutela de evidência, tanto as providências cautelares como as satisfativas.

Se assim for, partindo-se da premissa (já assentada) de que liminar em mandado de segurança é submodelo de cautelar, o que se poderia concluir é, para além das condições gerais fixadas nos incisos do artigo 7º da Lei 12.016/2009[2], seria possível a concessão da aludida medida sob o regime do artigo 311 (especificamente em seu inciso II).

Ter-se-ia, com isso, uma variante à “clássica” medida liminar em mandado de segurança, que se caracterizaria, inovadoramente, pela irrelevância do periculum in mora.

Essa é, parece-nos, uma das mais interessantes implicações da legislação processual em relação ao direito tributário — primeiro de tudo, sabe-se, por conta da recorrente utilização do mandado de segurança nessa matéria; segundo, porque, nos termos do inciso IV do artigo 151 do Código Tributário Nacional[3], liminar em mandado de segurança é causa de suspensão de exigibilidade, potencial que, seguido o raciocínio apresentado, se estenderia às tutelas de evidência.

E não cogitaríamos que a tomada dessa ideia representaria o indevido afastamento da exigência do periculum in mora, como se fosse uma espécie de reescritura ilegítima da lei de regência do mandado de segurança: esse importante instrumento processual, embora disciplinado em lei própria, deve ser interpretado em contexto com o CPC/2015, e não isoladamente, como se alheio estivesse — o que é especialmente relevante se (re)lembrarmos que a tutela de evidência, na mencionada hipótese do inciso II do artigo 311, pauta-se na existência (i) de prova cabal dos fatos (ideia que coincide com a de direito líquido e certo; até ai, portanto, nenhuma novidade) e (ii) de tese firmada em julgamento de recursos, especial ou extraordinário, repetitivos ou em súmula vinculante; vale dizer: quando se propõe a aplicação, em mandado de segurança, de parâmetros tais como os da tutela de evidência (notadamente a fundada no decantado inciso II), garante-se a incidência, também nessa espécie processual, de um de uma dos principais pilares do CPC/2015, sabidamente relacionado à vinculação/prevalência da orientação jurisprudencial assentada.


1 Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente.
2 Art. 7º. Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
I – que se notifique o coator do conteúdo da petição inicial, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias, preste as informações;
II – que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito;
III – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
3 Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
(…)
IV – a concessão de medida liminar em mandado de segurança;
(…).

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