Opinião

Conduta da AGU ao defender Dilma foi legítima e irrepreensível

Autor

  • Pedro Gomes Miranda e Moreira

    é sócio​ do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados graduado em Direito pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) e em Tributação Internacional pela FGV-LAW.

24 de maio de 2016, 8h54

Em matéria veiculada recentemente pela mídia nacional[i], foi noticiado que o novo advogado-geral da União, Fábio Medina Osório, determinou a instauração de sindicância para apurar a conduta do então advogado-geral José Eduardo Cardozo na defesa de Dilma Rousseff no processo de impeachment.

Segundo veiculado, a abertura do procedimento residiu, também, no fato da defesa ter chamado o processo de impeachment de “golpe”.

Entendemos que, em um momento político tão instável, é imprescindível estarmos atentos e em alerta para evitar que conquistas e garantias alcançadas pelos advogados e cidadãos com árduas lutas não sejam suprimidas ou extirpadas dentro da polarização política que se vê hoje em nosso país.

Primeiramente, quanto à legitimidade da defesa da então presidente da República pela Advocacia Geral da União (AGU), temos que esta é amplamente amparada pela Constituição Federal de 1988 (CF/88) e também pela legislação infraconstitucional.

O artigo 131 da Constituição Federal é claro ao estabelecer que a AGU “representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo”.

A Lei Complementar 73/1993, que institui a Lei Orgânica da AGU, ratificou expressamente que esta é a entidade que representa a União judicial e extrajudicialmente (artigo 1º), além de atribuir ao advogado-geral da União, dentre outras, as seguintes competências (artigo 4º):

“Art. 4º – São atribuições do Advogado-Geral da União:

I – dirigir a Advocacia-Geral da União, superintender e coordenar suas atividades e orientar-lhe a atuação;

III – representar a União junto ao Supremo Tribunal Federal;

VII – assessorar o Presidente da República em assuntos de natureza jurídica, elaborando pareceres e estudos ou propondo normas, medidas e diretrizes;

VIII – assistir o Presidente da República no controle interno da legalidade dos atos da Administração;

XI – unificar a jurisprudência administrativa, garantir a correta aplicação das leis, prevenir e dirimir as controvérsias entre os órgãos jurídicos da Administração Federal;

§ 1º – O Advogado-Geral da União pode representá-la junto a qualquer juízo ou Tribunal.”

Neste momento, é importantíssimo notar que o processo de impeachment se baseou na suposta abertura de créditos suplementares por decretos presidenciais, sem autorização do Congresso Nacional e na suposta contratação ilegal de operações de crédito, tendo, portanto, relação direta com atos praticados pela Presidente da República no exercício de suas funções.

O próprio artigo 86, § 4º, da CF/88, ratifica que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.

Assim, é incontroverso que se está diante de atos praticados no exercício das funções presidenciais, o que legitima a defesa pela AGU, nos termos da Carta Maior e da legislação complementar.

Como se não bastasse, o artigo 22 da Lei 9.028/1995 autoriza expressamente a representação judicial do chefe do Poder Executivo quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais ou legais, vejamos:

“Art. 22. A Advocacia-Geral da União e os seus órgãos vinculados, nas respectivas áreas de atuação, ficam autorizados a representar judicialmente os titulares e os membros dos Poderes da República, das Instituições Federais referidas no Título IV, Capítulo IV, da Constituição, bem como os titulares dos Ministérios e demais órgãos da Presidência da República, de autarquias e fundações públicas federais, e de cargos de natureza especial, de direção e assessoramento superiores e daqueles efetivos, inclusive promovendo ação penal privada ou representando perante o Ministério Público, quando vítimas de crime, quanto a atos praticados no exercício de suas atribuições constitucionais, legais ou regulamentares, no interesse público, especialmente da União, suas respectivas autarquias e fundações, ou das Instituições mencionadas, podendo, ainda, quanto aos mesmos atos, impetrar habeas corpus e mandado de segurança em defesa dos agentes públicos de que trata este artigo.”

Vale frisar que a Procuradoria-Geral da República inclusive manifestou-se favoravelmente à constitucionalidade do dispositivo em tela, mediante parecer juntado nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 2.888/DF, de relatoria da ministra Rosa Weber, perante o Supremo Tribunal Federal.

Importante notar, por oportuno, que esta representação não implica em quaisquer das vedações previstas no artigo 29[ii] da referida Lei Complementar.

Nesse sentido, é totalmente legítimo que o Advogado-Geral da União represente a Presidência da República na defesa de atos praticados no exercício de suas funções outorgadas pela legislação vigente.

Fixadas estas premissas, importante notar que a abertura de sindicância contra o então Advogado-Geral da União efetivamente censura a liberdade de atuação do advogado dentro do Estado Democrático de Direito brasileiro.

A Constituição Federal, em seu artigo 133, preceitua ser o advogado “inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

Já o Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994), aplicável aos integrantes da AGU por força do artigo 3º, § 1º, prestigia a inviolabilidade do advogado por seus atos e manifestações:

“Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça. (…)

§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.”

O inciso I e o § 2º do artigo 7º, da Lei 8.906/1994, asseguram ao advogado o direito de exercer sua profissão com ampla liberdade, gozando de imunidade profissional.

Importante notar, ainda, que o artigo 31 do Estatuto garante ao advogado o exercício da profissão com independência, dispondo de forma precisa que “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão”.

O Código de Ética e Disciplina da OAB vem prestigiar a atuação do advogado com “destemor” e “independência” (artigo 2º, II) e o seu preâmbulo ratifica que o advogado deverá …lutar sem receio pelo primado da Justiça; (…) empenhar-se na defesa das causas confiadas ao seu patrocínio, dando ao constituinte o amparo do Direito, e proporcionando-lhe a realização prática de seus legítimos interesses; comportar-se, nesse mister, com independência e altivez, defendendo com o mesmo denodo humildes e poderosos; exercer a advocacia com o indispensável senso profissional, mas também com desprendimento (…)”

Além de que, a Lei Complementar 73/1993, anteriormente citada, prevê em seu artigo 4º, § 2º, que o advogado-geral da União poderá, na defesa processual, avocar quaisquer matérias jurídicas de interesse desta, prestigiando a liberdade de atuação do advogado no exercício de sua função constitucional e legal.

Percebe-se, assim, que o sistema jurídico garante ao advogado uma atuação independente, destemida, com inviolabilidade de seus atos e manifestações, sendo bastante temerário qualquer ato que vise censurar o exercício de sua profissão.

Dentro deste contexto, forçoso concluir que a conduta do Advogado-Geral da União na defesa de Dilma Rousseff no processo de impedimento é irrepreensível e tem base legal e constitucional, sendo certo que qualquer tentativa de limitação à liberdade, inviolabilidade e independência de atuação do advogado deve ser fortemente repelida, sob pena de violar garantias duramente conquistadas pela classe dos advogados e, consequentemente, lesar os cidadãos e colocar em risco o Estado Democrático de Direito brasileiro.

Pedro Gomes Miranda e Moreira, advogado, pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), especialização em Tributação Internacional pela FGV – GV LAW, certificado em Inglês pela Universidade de Cambridge (FCE), tendo se graduado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP – Campus em Franca), sócio da CM Advogados

ii Art. 29. É defeso aos membros efetivos da Advocacia-Geral da União exercer suas funções em processo judicial ou administrativo:

I – em que sejam parte;

II – em que hajam atuado como advogado de qualquer das partes;

III – em que seja interessado parente consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o segundo grau, bem como cônjuge ou companheiro;

IV – nas hipóteses da legislação processual.

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