Opinião

Não há necessidade de constituinte para implantar o parlamentarismo

Autor

  • Luiz Antonio Sampaio Gouveia

    é advogado sócio de Sampaio Gouveia Advogados Associados conselheiro do IASP e do Con-sea/FIESP mestre em Direito Constitucional pela PUC-SP especialista em Administração Contábil e Financeira pela Escola de Administração de Empresas da FGV especialista em Direito Penal Econômico pela GVlaw e ex-conselheiro da OAB-SP e da AASP.

16 de maio de 2016, 6h19

Deve-se bem refletir sobre o parlamentarismo como solução possível para a nossa permanente crise de governança e governabilidade.

Atribuir o parlamentarismo no Brasil à Constituição do Império, de 1824, pode não ser correto. Muito menos dizer que fosse o Poder Moderador — como se dizia nela, a chave de toda nossa organização política — a expressão de um sistema parlamentarista.

O Poder Moderador era um poder de sobreposição, para arbitrar conflitos políticos comumente e sociais e jurídicos, mais raramente, no âmbito do Estado, posto na pessoa do imperador, que não poderia ser responsabilizado em sua ação pela cidadania.

O parlamentarismo surgiu no império como instrumento para aperfeiçoar e facilitar a operatividade do Conselho de Ministros, após a grande concertação de Honório Hermeto Carneiro Leão, que construiu as bases para a estabilidade do Império, mas não se punha como um governo parlamentar por excelência, porque era o imperador quem derrubava os ministérios inoperantes convocando novas eleições a cada vez que liberais e conservadores não se entendiam na Câmara — contexto no qual apenas os deputados eram eleitos e os senadores eram vitalícios e nomeados por sua majestade.

Contudo, não se pode falar em eleições autênticas naquele império de dez milhões de habitantes, em que o voto não era universal e, mais ainda, censitário, com boa parte da população sob o regime da escravidão, em sua maioria.

Nos estertores da monarquia, seria Gaspar Silveira Martins o último primeiro ministro imperial. Entretanto, já há quem diga tenha sido a República consequência de disputa amorosa entre ele e o Marechal Deodoro, daí não tivesse ele logrado aquele cargo.

Entretanto, o nome de Gaspar vem à baila porque a continuidade de sua luta política tem a ver com o parlamentarismo no Brasil.

Exilado no Uruguai após a proclamação da República, tornado, então, um caudilho, Gaspar foi líder, com Gumercindo Saraiva da Revolução Federalista, de 1893, cujas tropas quase depuseram a República, tendo chegado a São Paulo, pouco além das margens do Paranapanema.

O confronto deu-se a partir das divisões políticas gaúchas. As gentes de Gumercindo Saraiva chamavam-se Maragatos (defendiam o Parlamentarismo); seus adversários, Ximangos, tinham por líder Júlio de Castilhos, positivista, que defendia um sistema de governo, para não dizer presidencialista, porque sustentado na pessoa de um chefe de estado e de governo, ditatorial.

Em 1923, com o Tratado das Pedras Altas, pacificou-se a política gaúcha, cuja ruptura datara-se da Revolução Federalista, entre Maragatos e Ximangos. Contudo, a partir daí, preponderou o castilhismo, de Júlio de Castilho, cujo mais conhecido discípulo, o doutor Getúlio Dorneles Vargas, nos outorgou a Carta ditatorial de 1937, de um presidencialismo ditatorial.

Apesar de unidos na Revolução de 30, os Maragatos continuaram parlamentaristas, fundando, a partir de 1946, o Partido Liberal, cuja principal figura fora Raul Pila e seu último presidente em São Paulo, o jurista Ives Gandra da Silva Martins.

Não se precisa dizer que passando os Ximangos — com Vargas e Goulart — a preponderar na política brasileira de 1937, quase até 1964, que o presidencialismo sempre foi exaltado, com a pichação do parlamentarismo.

Em 1961, como solução para a crise decorrente da renúncia de Jânio Quadros, enquanto parcela majoritária das Forças Armadas não aceitava o vice-presidente João Goulart empossado presidente e porque o alegavam comunista, buscou-se inspiração nesse Parlamentarismo de Raul Pila para implantar o parlamentarismo, fazendo de Goulart, em tese, mero chefe de Estado, enquanto presidente, sem poderes de governo efetivo. Entrementes, esse parlamentarismo foi derrubado por plebiscito em 1963, mas não se pode culpar essa experiência equívoca do sistema parlamentarista, por sua inoperância no Brasil, porque desde a sua implantação em 1961, esse sistema foi deturpado por todos e até por seus primeiros ministros, principais agentes de sua desmoralização entre nós.

Finalmente, a Constituição de 1988 construiu-se sob um viés parlamentarista, promulgando-se presidencialista. Esta solução “frankenstein”, resultou nesse presidencialismo de coalização que deságua na crise atual.

Certo, entretanto, que se previra nas disposições transitórias de nossa Constituição a opção entre os dois sistemas, por plebiscito que se deu em 1992, afinal com a escolha do presidencialismo para fazer operante uma Constituição preponderantemente valorizante do parlamento.

Também esse plebiscito foi objeto de alguma incompreensão, porque realizado concomitantemente com opção plebiscitária entre república ou monarquia. Confundiu-se o parlamentarismo com monarquia, possivelmente. Mas tanto em 1963, como em 1992, houve um vício de invalidade na origem e porque não se dera o necessário esclarecimento aos eleitores. Na primeira hipótese, ocorreu forte pressão governista para reprovação do parlamentarismo, com recursos maciços e de propaganda massiva em favor da espécie presidencialista; na segunda, confusão entre parlamentarismo e monarquia e inegável deturpação do sistema parlamentar, que restou pejorado pelo paradigma impróprio do regime de 1961.

Hoje, em que pese a licitude do impeachment da presidente Dilma Rousseff — posto que o controle de verbas públicas esteja na causa quase que originária do constitucionalismo e ser evidente que quem protela os credores, pedala tanto na vida pública quanto na privada, em desobediência ao orçamento —, há um certo viés de moção de desconfiança neste apear da senhora Rousseff.

Entretanto, em um sistema parlamentarista poderiam não ter acontecido os acintes aos preceitos regulatórios perpetrados pelo governo Dilma nas áreas de energia ou as barbadas com os juros, pela instrumentalização do Banco Central. Sequer teriam sido esvaziadas as agências reguladoras aparelhadas pelo PT, haja vista que essas questões de governança estariam subordinadas ao parlamento.

Esses temas não seriam uma questão de Estado, à responsabilidade do presidente, desgastável em cada frustração operacional deles; seriam questões de governo, que se trocaria quando evidente não se ter conseguido o escopo de sua propositura. Nesta hipótese, cairia o gabinete que não conseguira o ótimo ou o razoável de seu programa.

Assim, no binômio parlamentarismo e agências reguladoras, pode estar uma governança que tire do presidente da República esse atributo caciquista de um quase monarca.

Dizer que o parlamentarismo nunca deu certo no Brasil, não dá! Porque ele nunca vigeu em essência por aqui!

Todavia, não há necessidade de Constituinte para implantar o parlamentarismo porque o presidencialismo não está amparado por cláusula pétrea constitucional.

A questão está em melhor estudar-se o parlamentarismo. Um sistema de governo de responsabilidade a prazo certo, mais coadunado com a democracia, que, afinal, não é apenas o voto universal e direto.

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