Opinião

Laços familiares não são limitados pela vontade do legislador

Autor

  • Conrado Paulino da Rosa

    é advogado e parecerista especialista em família e sucessões professor da graduação e do mestrado da FMP e autor de 12 livros sobre Direito de Família e Sucessões.

15 de maio de 2016, 10h15

Em momentos tormentosos, nada como boas notícias para esquentar a alma. Depois de semanas em que se ouvem apenas reclamações e delações, vem a notícia de que o dicionário Houaiss irá alterar o conceito de família em sua nova edição. 

Até agora o vocábulo família era descrito da seguinte forma: “1. grupo de pessoas, formado esp. por pai, mãe e filhos(s), que vivem sobre o mesmo teto. 2 grupo de pessoas ligadas entre si pelo casamento ou qualquer parentesco.”

Claro que tal definição estava atrelada ao conceito difundido até outrora como único modelo possível de família. Não podemos esquecer que, somente com a Constituição Federal de 1988, finalmente, o Estado brasileiro passou a visualizar a união estável e as entidades formadas por qualquer dos pais e seus descendentes, enquanto família.

O Código Civil de 2002, por sua vez, permaneceu praticamente inalterado de sua redação originária enquanto projeto de lei — ainda na década de 1970 — entrando em vigência com uma supervalorização da família matrimonial em detrimento dos demais modelos existentes.

O fato é que os laços familiares não são limitados pela vontade do legislador, nem estão presos a conceitos fechados. Os sentimentos existem em nossa rotina para serem vividos e, jamais, limitados. 

A nova redação estabelece a definição de família como “núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantém entre si uma relação solidária”. Visualiza-se, dessa forma, a valorização daquilo que realmente efetiva a família contemporânea que são elos, não mais consanguíneos ou tão somente matrimoniais, mas, na verdade, um espaço de ligação sincera e de entreajuda, considerando, na musicalidade de Lulu Santos, “justa toda a forma de amor”.

Nada mais adequada do que a alteração oportunamente proposta, afinal, caso permanecêssemos com o conceito antigo, ao invés de dicionário, teríamos que renomear o livro como “dinossário”. Já ultrapassamos a era jurássica na linha do tempo e, agora, chegou a hora de transformar não apenas os verbetes mas, acima de tudo, os olhares jurídicos e legislativos sobre atributos intrínsecos a cada ser humano e que nenhuma força externa pode modificar: seus laços de sentimento e o desejo de ser feliz.

Portanto, não se trata apenas de uma alteração lexicográfica em um lugar universal de construção de conceitos e sentidos, que é o dicionário, mas sim, trata-se de mais um importante reconhecimento, oficial e institucionalizado, de que os laços familiares se fazem, acima de tudo, pelo afeto e pela solidariedade, sendo, a partir disso então, de fato, em seu sentido denotativo, uma família. 

Autores

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    é advogado. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM / Seção RS). Professor do Curso de Direito da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), em Porto Alegre.

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