Opinião

Bloqueio do WhatsApp mostra necessidade de se repensar atuação do Judiciário

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14 de maio de 2016, 7h30

Uma das notícias mais veiculadas nos últimos dias – certamente decorrente do impacto social por ela causado – refere-se à decisão judicial que determinou o bloqueio do WhatsApp no Brasil.

Como amplamente divulgado, tal fato decorreu face à negativa do Facebook, dono do aplicativo em questão, quanto ao cumprimento de uma decisão judicial que determinava, por seu turno, o compartilhamento de informações que subsidiariam uma investigação criminal destinada a apurar o cometimento de crime de tráfico ilícito de drogas no município de Lagarto, no Estado de Sergipe.

Sem adentrar no mérito da decisão, cabe trazer à tona algumas considerações fundamentais.

Em primeiro lugar, cumpre destacar que o amparo legal de qualquer decisão judicial é sempre o ponto de partida a ser considerado por aquele que a profere, ou seja, pelo magistrado. Todavia, este jamais pode ser o único fator a se observar.

Nesse sentido, como bem leciona o ministro Luiz Fux (STF, Primeira Turma, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário 730.067, julgamento em 18/06/2013), outros importantes elementos devem ser considerados, indicando, por exemplo, que, ao fixar o valor de uma indenização, o Juiz deve sempre se orientar pelo princípio da razoabilidade, “valendo-se da sua experiência e do bom senso e atento à realidade da vida”.

Com efeito, atentar para a “realidade da vida” é providência crucial para que uma decisão judicial possa alcançar a sua almejada finalidade social, sem a qual nenhum sentido finalístico restará à mesma. Afinal, como se sabe, o Poder Judiciário é, em última análise, um prestador de serviços para a sociedade e, portanto, precisa estar sempre em perfeita sintonia com os interesses preponderantes da coletividade social. Vale dizer, o Poder Judiciário não serve a si mesmo, muito menos é um fim em si mesmo, e seus operadores, os magistrados, na qualidade de representantes do Estado-Juiz, não podem estar contaminados pelos vícios da pessoalidade, como bem assim por outros defeitos humanos.

No caso em questão, parece-nos, data maxima venia, que a “realidade da vida” foi absolutamente olvidada. Ora, o WhatsApp, sem dúvida, é um dos meios de comunicação mais usados atualmente. Segundo informações veiculadas pelo próprio Mark Zuckerber, fundador do Facebook, em dezembro de 2015 mais de 100 milhões de brasileiros já usavam diariamente o aplicativo de mensagens.

Na esteira do raciocínio do ministro Fux, não seria, portanto, minimamente razoável que se bloqueasse o referido aplicativo. De igual forma, não há razoabilidade na paralisação do trânsito de toda uma cidade com o intuito de se perseguir um bandido em fuga, pois o benefício experimentado pela sociedade em decorrência da prisão seria muito menor que os males causados pela ação estatal.

Assim, incumbe ao Julgador, necessariamente, – e por imperioso dever de ofício -, ponderar a forma mais adequada para fazer cumprir as suas decisões, de modo que o meio escolhido para tanto seja, ao mesmo tempo, o mais efetivo e o menos prejudicial para a sociedade.

A título de ilustração comparativa, vale consignar que todo médico, ao prescrever um anti-inflamatório, deve sempre ponderar se os benefícios decorrentes do seu uso superam os malefícios causados pelos respectivos efeitos colaterais, razão pela qual, não raro, o profissional da medicina, diante da magnitude das consequências previsíveis, simplesmente deixa, em muitos casos, de receitar o medicamento aparentemente mais indicado pela farmacologia, pois de nada adiantaria a eventual cura de uma inflamação ao custo de se provocar uma úlcera péptica no paciente.

Transportando tal inteligência médica para o campo jurídico, cabe relembrar – posto que lamentavelmente esquecido nos últimos tempos – que as medidas coercitivas para abrigar o cumprimento das decisões judiciais possuem inexorável caráter excepcional, uma vez que a regra jurídica preconiza que o descumprimento destas deve ser imediatamente comunicado ao Ministério Público para que este, no contexto de suas atribuições constitucionais, requeira as medidas que entender cabíveis, inclusive de natureza penal, em nome da sociedade que a instituição ministerial representa.

Por fim, cumpre afirmar que o bom senso, algo tão raro nos dias de hoje, deve pautar diuturnamente a atuação do Poder Judiciário, notadamente nas demandas que envolvam (direta ou indiretamente) o conjunto da sociedade brasileira, até porque a atuação do Poder Judiciário representa, em última análise, a orientação derradeira do correto atuar de todos os agentes públicos, como bem assim de todos os integrantes da própria sociedade.

Destarte, precisamos urgentemente repensar a atuação do Poder Judiciário, de modo a conciliar o postulado da legalidade com os ditames do equilíbrio e da serenidade.

Autores

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    é desembargador federal e vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Ex-membro do Ministério Público, é mestre e doutor em Direito pela UFRJ. Professor Titular da Universidade Veiga de Almeida e do Mestrado em Desenvolvimento Local do Centro Universitário Augusto Motta, é autor de várias obras jurídicas, dentre as quais se destaca Curso de Ciência Política e T.G.E, 5ª edição, Editora Freitas Bastos, 2014.

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