Mudança regimental

Carf endurece regras de impedimento para conselheiros

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14 de maio de 2016, 7h55

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) ainda sente os efeitos das investigações que abalaram o órgão nos últimos anos. No último dia 5, o Regimento Interno do Conselho sofreu uma série de alterações com a publicação da Portaria 152/2016. Uma das mudanças foi para proibir os conselheiros de julgar causas defendidas por escritórios de advocacia do qual já tenham feito parte como empregados, sócios ou prestadores de serviços nos últimos cinco anos.

A nova portaria criou o parágrafo 2º no artigo 42, que só restringia o julgamento quando o conselheiro atua como advogado do escritório responsável pela ação. Outra mudança ocorreu no parágrafo 4º da mesma norma, que passou a proibir a participação quando o contribuinte é sócio ou trabalha com o cônjuge, companheiro ou parente de até segundo grau do membro do Carf. Antes, a vedação se restringia ao caso em que o familiar atuasse na banca que patrocina a causa.

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Luis Felipe Carvalho lembra que regimento interno do Carf foi alterado no ano passado

Para advogados ouvidos pela Conjur, as mudanças são consequências da operação zelotes, que começou investigando denúncias de compra de votos de conselheiros, mas já se espraiou para discutir a compra de medidas provisórias. O advogado Luis Felipe Carvalho (foto), do escritório Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados, lembra que o atual Regimento Interno do Carf foi instituído em junho de 2015 — apenas três meses depois do início da investigação.

Na avaliação dele, as mudanças não devem parar por aí. “As denúncias investigadas na operação zelotes foram as responsáveis pela substituição do antigo regimento interno por aquele aprovado por meio da Portaria MF 343, de 9 de junho de 2015, que passou a prever diversas hipóteses de vedação de designação de conselheiros e também de impedimentos para atuação dos conselheiros no julgamento de determinados casos”, destaca.

A advogada Mariana Jatahy, do mesmo escritório, considera que a ampliação do rol de impedimentos para os conselheiros que já tenham integrado o escritório responsável pelo caso “é uma forma de garantir imparcialidade ainda maior nos julgamentos do Carf”. A mesma avaliação ela faz com relação à mudança no dispositivo sobre os familiares do julgador. “Neste particular, as alterações são bastante lógicas na medida em que a vinculação direta com o contribuinte também poderia motivar um julgamento imparcial”, afirma.

Rafael Capaz Goulart considera a portaria positiva para resgatar credibilidade do Carf

Para o advogado Rafael Capaz Goulart (foto), do Goulart & Santos Advogados, a portaria é resultado do contexto atual. “Essa alteração é fruto não só das denúncias investigadas na operação zelotes, mas principalmente do momento político e econômico vivenciado no país e no qual, infelizmente, algumas de nossas instituições, entre elas o Carf, tiveram sua imagem arranhada e sua atuação descredibilizada”, avalia.

Mudanças polêmicas
As mudanças introduzidas, contudo, não se limitam às regras sobre a participação dos conselheiros no julgamento. A portaria alterou diversos dispositivos do Regimento Interno — algumas muito criticadas pelos advogados da área.

Entre essas mudanças, Jandira de Souza Ferreira, da banca Fraga, Bekierman & Cristiano Advogados, cita os parágrafos 3º e 4º do artigo 58. “[Os dispositivos] parecem ter afastado a possibilidade de o conselheiro mudar seu voto quando o julgamento for parcial”. Pela redação anterior, a alteração no voto poderia ser feita antes da proclamação do resultado.

“Digamos que, em determinada sessão, o conselheiro tenha votado pelo conhecimento do recurso e improcedência da preliminar de nulidade da atuação. Ao adentrar ao exame do mérito, o presidente da turma decide retirar o processo de pauta para vista coletiva. Ao reanalisar o caso, aquele conselheiro se convence que o auto de infração é nulo. Nessa hipótese, de acordo com as alterações, ele não poderá mudar o seu voto na sessão seguinte, o que evidentemente afronta o princípio do livre convencimento”, critica a advogada.

O advogado Francisco Francisco Secaf Silveira, do Rivitti e Dias Advogados, critica também a revogação de parte do parágrafo 2º do artigo 44, que obrigava a convocação de suplente. “A convocação de suplente é relevante para que se mantenha a paridade intrínseca ao Carf”, destaca.

Outra reclamação dos advogados é a revogação do parágrafo 3º do artigo 47, que previa sustentação oral pelas partes dos demais processos que não o sorteado para o julgamento do caso paradigma. Karem Jureidini Dias, do Rivitti e Dias Advogados, afirma que a pretensão do Carf de estabelecer um rito mais rápido para as demandas repetitivas pode prejudicar o contribuinte.

“É muito importante que se amplie o contraditório e a ampla defesa, inclusive com participação de terceiro interessado, a fim de atribuir maior legitimidade à decisão. Essa era uma das funções do parágrafo 3º ao permitir sustentação oral. Nesse sentido, a revogação vai na contramão do que estabeleceu o novo Código de Processo Civil em causas repetitivas, em que houve ampliação do contraditório e da participação de terceiros em tais julgamentos”, afirma.

Já o advogado Bruno de Abreu Faria, do Abreu Faria, Goulart & Santos Advogados, classificou a alteração como pertinente. “A previsão de as partes dos demais processos, que não o sorteado como paradigma, terem direito a apresentar sustentações orais tumultua e atrapalhar o julgamento do leading case propriamente dito, o que pode produzir efeitos negativos em relação a todos os demais casos sobre a matéria”, avalia. 

Já Luis Felipe Carvalho e Mariana Jatahy avaliam que os efeitos da revogação desse dispositivo foram “neutralizados” com a introdução do parágrafo 12 ao artigo 58, que garante às partes dos demais processos que não o paradigma o direito de fazer sustentação oral complementar no prazo máximo de 30 minutos, a ser dividido entre elas.

“Na prática, nos julgamentos de processos conexos, decorrentes ou reflexos, de mesma matéria ou concentração temática, haverá dois tipos de sustentações orais: uma primeira, das partes do processo sorteado como paradigma, cujo prazo é de 15 minutos, prorrogáveis por mais 15 minutos, a critério do presidente, para cada uma delas; e uma segunda, complementar, destinadas às partes dos demais processos, com prazo total máximo de 30 minutos”, explica Carvalho.

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Mariana Jatahy critica restrição ao tempo para sustentação oral dos advogados 

O problema dessa nova sistemática, na avaliação de Mariana (foto), é o tempo, que deveria ser maior. “Na medida em que os argumentos de defesa contra o auto de infração e contra o termo de sujeição passiva solidária não são necessariamente os mesmos, a limitação do tempo total da sustentação oral em 30 minutos prejudica a defesa das partes, colocando-as em situação de desvantagem em relação a outros contribuintes. Assim, a rigor, esse tempo deveria ser estendido e tomar como parâmetro os 15 minutos de que um sujeito passivo (isoladamente) já dispõe para sua sustentação oral, prorrogáveis por outros 15, a critério do presidente da turma julgadora”, defende.

Medida positiva
Mas nem toda mudança promovida pela portaria repecutiu mal entre os especialistas. O advogado Carter Gonçalves Batista, do Nelson Wilians e Advogados Associados, chama a atenção para o artigo 71 da portaria, que criou a possibilidade de se interpor agravo contra o despacho do presidente da turma que negar seguimento, total ou parcial, ao recurso especial.

“Essa é uma das raras medidas veiculadas na alteração ora comentada que veio em socorro dos contribuintes. A reintrodução do agravo contra a decisão que nega seguimento ao recurso especial foi totalmente acertada e possibilita a correção de distorções, privilegiando o contraditório e a ampla defesa”, destaca.

Rafael Goulart avalia que essa a “mudança tornará o processo administrativo muito mais célere, pois possivelmente reduzirá o acúmulo de processos a serem examinados pelo presidente da CSRF [Câmara Superior de Recursos Fiscais]”, que, pela sistemática anterior, era o responsável por apreciar o despacho que rejeitasse a admissibilidade de recurso ao Superior Tribunal de Justiça. 

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