Interpretação controversa

Estado pode retomar imóvel ocupado sem autorização judicial, diz PGE-SP

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13 de maio de 2016, 20h44

Em caso de ocupação de seus bens, a administração pública pode retomar a posse deles sem autorização judicial, devido à autoexecutoriedade dos atos administrativos. Essa é a conclusão da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, exposta em parecer emitido na terça-feira (10/5) a pedido do então secretário de Segurança Pública paulista, Alexandre de Moraes, que assumiu nessa quinta (12/5) o Ministério da Justiça.

Na consulta feita ao procurador-geral do estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, Moraes perguntou se o mecanismo de autotutela previsto no artigo 1.210, parágrafo 1º, do Código Civil, se aplica a casos de ocupação de imóveis públicos, quando ela seria exercida por forças policiais. O dispositivo estabelece que aquele que sofrer interferência em sua posse pode mantê-la ou restituí-la por sua própria força, contanto que não demore para fazê-lo e não exagere em sua defesa.

O que motivou o questionamento do então secretário de Segurança Pública foi o “crescente número de invasões de propriedades estaduais, por diversos motivos, em especial políticos, a exemplo da ocupação de escolas públicas estaduais no segundo semestre de 2015 e, nesta semana, do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, responsável pela gestão das escolas técnicas estaduais”.

Para reverter essas ocupações, Alexandre de Moraes afirmou que o governo Geraldo Alckmin (PSDB) tem recorrido a ações de reintegração de posse com pedido liminar. Porém, o agora ministro alegou que o “componente político dessas invasões” acaba ampliando a discussão jurídica, embora a esse tipo de ação não admita questionamentos alheios à posse. E isso, a seu ver, acaba atrasando a retomada desses imóveis públicos.

Na visão do integrante do governo interino de Michel Temer (PMDB), o Estado só deveria recorrer ao Judiciário se, por meios próprios e proporcionais, não conseguir retomar a posse.

Autoexecutoriedade dos atos
Em parecer ao PGE, o procurador do estado e assessor-chefe Adalberto Robert Alves apontou que a administração estatal pode preservar a posse de bens públicos de uso especial, independentemente de haver autorização judicial, por causa da autoexecutoriedade dos atos administrativos.

Segundo ele, “se até mesmo ao particular é excepcionalmente garantida, em caso de turbação ou esbulho, o exercício da autotutela, certamente a administração pública poderá também exercê-la”. O fundamento disso está no regime publicístico dos bens estatais, destacou. Alves ainda ressaltou que, diferentemente do particular, o Estado pode retomar sua posse a qualquer tempo.

Elival da Silva Ramos concordou com o entendimento do assessor-chefe. “Diante da autêntica ‘banalização’ nas ocupações de imóveis afetados a serviços públicos no estado de São Paulo, sob o falso pretexto de que se trata do exercício da liberdade de manifestação do pensamento ou do direito de reunião, recomenda esta Procuradoria-Geral do estado que as secretarias do estado, agindo em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública, alterem a sistemática até aqui adotada, de solicitar a este órgão de advocacia pública a obtenção em juízo de ordens de reintegração de posse.”

Conforme o PGE, as excessivas cautelas impostas pelos magistrados acabam atrasando as reintegrações. As audiências de conciliação, a seus olhos, tampouco têm sido frutíferas, transformando-se “em cenário para a apresentação de reivindicações por grupos que, ao contrário do que se poderia supor, não se interessam em manter um diálogo constante e produtivo com a administração”.

Com base nesse entendimento, a Polícia Militar executou, nesta sexta-feira (13/5), quatro reintegrações de posse de diretorias de ensino e escolas em São Paulo.

Especialistas divergem
Não há consenso entre especialistas se a administração pública pode promover reintegrações de seus bens sem aval da Justiça. Para o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, a autoexecutoriedade só deve ser usada na impossibilidade da via judicial — o que não ocorre no caso das ocupações de escolas paulistas. Caso contrário, as retomadas de imóveis podem caracterizar abuso de poder.

“Achar que a autoexecutoriedade é uma prerrogativa plena, sem limites, das decisões administrativas, é voltar à época em que se achava que o ato administrativo era um ato de império. Essa visão é totalmente incompatível com o Estado Democrático de Direito”, avaliou Serrano.

Um especialista ouvido pela ConJur sob condição de anonimato tem visão semelhante. Segundo ele, o Estado só pode agir sem autorização judicial quando houver uma situação de risco, como conflitos dentro do bem público ou perigo de desastre natural.   

Por outro lado, o professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Adilson Abreu Dallari opinou que a administração pública pode, sim, exercer a autotutela para reaver a posse de seus bens. Contudo, ele ressalvou que essa medida deve ser colocada em prática sem excessos.

Caso haja risco de confronto físico, o jurista recomenda a busca de autorização “para dividir a responsabilidade com o Judiciário”. Além disso, Dallari entende que o Estado pode usar medidas coercitivas, como cortar água e proibir o ingresso de novas pessoas no imóvel, para forçar a desocupação.  

Crítica da OAB
A seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil manifestou preocupação com o uso de forças policiais para desocupar, sem aval da Justiça, escolas públicas na capital paulistana.

“Em se tratando de invasão pacífica e não predatória, de estabelecimento de ensino oficial, por jovens que lá estudam, parece desarrazoado proceder a reintegração manu militari, sem a prévia cautela de ordem judicial e, assim, levada a efeito da forma menos violenta possível”, apontou a entidade em nota divulgada nesta sexta.

Leia abaixo a íntegra da nota da OAB:

Nota pública – Reintegração de posse das escolas

A OAB SP vem manifestar preocupação em face do uso de forças policiais, sem autorização judicial, para desocupação de estudantes em escolas públicas, baseando-se o governo do Estado em parecer lavrado pela Procuradoria-Geral do Estado.

O Código Civil de fato autoriza que o possuidor possa usar da própria força (autotutela) para fazer parar turbação ou esbulho em sua propriedade, contanto que o faça logo e que a reação seja apenas a necessária para a manutenção ou restituição da posse (art. 1210, § 1º, do Código Civil brasileiro). Esse dispositivo protege tanto patrimônio público, quanto privado.

Todavia, ordem de autoridade governamental objetivando o uso da força institucionalizada para a finalidade de reintegração de posse é ato administrativo que se sujeita aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Em se tratando de invasão pacífica e não predatória, de estabelecimento de ensino oficial, por jovens que lá estudam, parece desarrazoado proceder a reintegração manu militari, sem a prévia cautela de ordem judicial e, assim, levada a efeito da forma menos violenta possível.

O próprio Estado Administração ficará também melhor resguardado, e a sociedade civil mais reconfortada.

Marcos da Costa
Presidente da OAB SP”.

Clique aqui para ler a íntegra do parecer da PGE.

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