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Com crise, número de dissídios de greve no Rio de Janeiro cai 59%

7 de maio de 2016, 6h43

Por Giselle Souza

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A crise econômica diminuiu o poder de reivindicação do trabalhador brasileiro. Pelo menos é o que indica um levantamento feito pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ), a pedido da ConJur, sobre os dissídios de greve protocolados na corte. Em 2014, o tribunal recebeu 39 novas ações do tipo. No ano seguinte, o número de processos foi para 16, representando uma queda de 59%. Em 2016, até agora, apenas um dissídio de greve chegou à Justiça.

TRT/RJ
Dificuldade de empresas e alta do desemprego inibiram trabalhador, diz desembargadora Maria das Graças.

O índice surpreendeu — entre 2013 e 2014, a diferença no número de dissídios fora de apenas uma ação, de 40 para 39. Para a desembargadora Maria das Graças Cabral Viegas Paranhos, o aumento no número de empresas em dificuldade e o crescimento gradual do desemprego ao longo de 2015 inibiram o trabalhador de fazer reivindicações.

“Acredito que em 2013 e 2014 havia uma expectativa maior em relação a melhores salários e mais benefícios por parte dos trabalhadores diretamente envolvidos nas obras relativas à Copa do Mundo, e de categorias que prestam serviços essenciais, como no caso dos profissionais da Comlurb [Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro]. Muitas das greves levaram em conta a urgência do poder público em garantir o pleno funcionamento da capital e do estado do Rio de Janeiro como um todo, às vésperas de um evento tão importante”, avaliou.

Segundo a desembargadora, a expectativa era a de que os Jogos Olímpicos, que vão acontecer no Rio de Janeiro em agosto, ajudassem a manter o cenário. Mas o recrudescimento da crise política e econômica no começo de 2016 parece ter inibido ainda mais os trabalhadores. Segundo a consulta, apenas um dissídio coletivo de greve foi protocolado no TRT-1 nos quatro primeiros meses deste ano.

“Isso [ambiente favorável para as mobilizações] também poderia ter se repetido nestes dois anos seguintes [2015 e 2016], em razão da realização das Olimpíadas, mas, nesse período, o país foi afetado por uma grave crise econômica, que certamente ajudou a reduzir a margem de negociação das empresas”, afirmou.

Segundo a desembargadora, a greve é um movimento reivindicatório para pressionar o empregador a negociar. Em um cenário de crise, no qual muitas empresas estão fechando ou cortando pessoal, a concessão de reajustes salariais acima da inflação ou de novos benefícios se torna mais difícil. “Nesse sentido, o próprio trabalhador pode concluir que, no momento, o mais importante é manter intacto seu posto de trabalho, ainda que sem ganho salarial maior, o que de certa forma desestimula a deflagração de movimentos paredistas”, ressaltou.

Para Rita Cortez, presidente da comissão especial de Direito Sindical da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, a legislação atual também não favorece o trabalhador. Nesse sentido, ela citou o artigo 114 da Constituição Federal, que autoriza a Justiça do Trabalho extinguir os dissídios quando movidos sem a anuência de uma das partes envolvidas — o sindicato da categoria profissional ou a empresa.

“Os dissídios coletivos são ajuizadas quando há uma negativa na negociação coletiva ou quando há um impasse ou conflito na negociação coletiva entre os sindicatos dos trabalhadores e os empregadores. A Constituição de 1988, de forma a estimular a negociação coletiva, estipulou como uma condição que as partes estejam de acordo em entrar com o dissídio. Então, você só pode ajuizar o dissídio se as duas partes acordarem, o que é complicadíssimo. Quando não há esse acordo, os tribunais se dizem impedidos e extinguem a ação”, afirmou.

Em um cenário de recessão, as empresas têm mais poder para recusar a negociação, explicou Rita. “Nessa situação de crise econômica, com alto nível de desemprego, a situação fica mais delicada para os sindicatos. Os sindicatos ficam meio acuados e acabam se obrigando a fazer um mau acordo”, afirmou.

A advogada defende mudanças na legislação trabalhista para que os tribunais possam exercer seu poder normativo e resolver os impasses entre empregados e empregadores, principalmente em um cenário de recessão como o atual. “Antes da crise, nas negociações coletivas, os trabalhadores não estavam só conseguindo garantir seus direitos, como também estavam conseguindo benefícios e até um aumento real do salário, além da inflação. A situação estava mais favorável”, destacou.

Servidores
Responsável por analisar a legalidade das greves no serviço público, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também registrou queda no número de ações desse tipo — isso a despeito da crise financeira que tem levado tanto o governo estadual como de diversos municípios fluminenses a atrasar ou parcelar as remunerações dos servidores.

Segundo levantamento do TJ-RJ, a corte recebeu 15 dissídios em 2013. Em 2014, porém, este número caiu para cinco. No ano passado, foram registradas apenas quatro ações do tipo. Na avaliação de Rita Cortês, a estabilidade garante ao servidor público um ambiente melhor para fazer greves, mas a falta de uma legislação específica para as paralisações no serviço público prejudica a obtenção dos direitos reivindicados.

“Não há uma legislação sobre a greve no serviço público. Então o TJ analisa essas questões aplicando subsidiariamente o que vem sendo aplicado no setor privado, que tem uma situação bem diferente. Essa indefinição faz com que os tribunais de Justiça tenham entendimentos adversos ao julgar os casos”, explicou.