Ambiente Jurídico

Política Nacional de Mudança do Clima precisa avançar

Autor

7 de maio de 2016, 8h00

Spacca
Gabriel Wedy [Spacca]É com muita honra e alegria que inauguro este importante espaço do direito ambiental brasileiro, Ambiente Jurídico.

Relevante tema que tem preocupado a comunidade global e jurídica é o fenômeno da mudança climática e os seus nefastos efeitos e, obviamente, como o direito deve postar-se ante esta realidade de modo efetivo e não reacionário. Iniciaremos, hoje, a tratar sobre o tema.

A plenária da 21ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 21), aprovou, em dezembro de 2015, em Paris, com anuência de 195 países, responsáveis por mais de 90% das emissões dos gases de efeito estufa na Terra, acordo de extensão global que, nos seus termos, apresenta efeitos legalmente vinculantes, pela primeira vez, diga-se, desde a assinatura do Protocolo de Quioto. Ao contrário de Quioto, outrossim, agora as nações decidiram de modo unânime pela assinatura de um documento. Os países comprometeram-se em organizar estratégias para limitar o aumento médio da temperatura da Terra abaixo dos 2,0º C, envidando esforços para atingir um aumento de 1,5º C, até 2100, trazendo como referência inicial o período pré-industrial.[1]

Superou-se em parte o obstáculo do princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, uma vez que as nações desenvolvidas e em desenvolvimento devem promover a redução das emissões em igual proporção. Durante muito tempo países em desenvolvimento defenderam um maior prazo e uma maior cota para a emissão de gases de efeito estufa para que pudessem atingir níveis de desenvolvimento similares aos países desenvolvidos, responsáveis por um passado de emissões intensas, causadoras de poluição atmosférica.

Posner e Weisbach, antes da COP 21, afirmavam que “as nações ricas estavam atentas às emissões de gases de efeito estufa e expressavam a disposição de reduzir estas”. Em sentido oposto, referiam que “países em desenvolvimento avaliavam a redução das emissões, como uma prioridade relativamente baixa”.[2] A COP 21, contudo, demonstrou que esta afirmação estava equivocada, pois todas as nações, ricas e pobres, comprometeram-se no corte das emissões com igual objetivo e prazo final. De fato, todos os países devem diminuir as suas emissões, pois estas aumentam as temperaturas globalmente e causam catástrofes e danos ambientais transfronteiriços. De outro lado, é evidente, como reconhecido na COP 21, que os países ricos devem contribuir com a grande maioria dos recursos financeiros e tecnológicos necessários para a diminuição das emissões e a adoção de medidas de adaptação e resiliência pelas nações em desenvolvimento.

O princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas, foi adotado em uma versão soft pela COP 21. Ao tempo em que refere que os Estados Unidos e União Europeia devem prover com recursos fundos verdes para o financiamento de medidas de resiliência e adaptação a serem adotadas pelos países em desenvolvimento, por outro lado prevê que todas as nações, ricas e pobres, devem buscar alcançar igualmente um aumento de temperatura ideal menor de 2,0º C, aproximando-se ou alcançando o objetivo de 1,5º C até o ano de 2100.

O documento não torna o compromisso de corte nas emissões obrigatório e verificável, tampouco traça metas percentuais de transição e periódicas de corte nas emissões até que se atinja o aumento de temperatura final almejado no ano de 2100.

Será alocada a quantia mínima de U$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para fundos verdes, até o ano de 2025, com a finalidade de custear projetos de adaptação e resiliência necessários para o enfrentamento dos efeitos da mudança climática em curso pelos países em desenvolvimento. Estes recursos deverão ser disponibilizados pelos Estados Unidos e União Europeia, com o encorajamento das demais nações para fazer o mesmo. A China declarou, por exemplo, que vai contribuir com o Fundo Climático Verde da ONU com a quantia de U$ 3,1 bilhões.

Multinacionais, governos e investidores, que participaram do evento como assistentes, se mostraram mobilizados pelo combate ao aquecimento global. Cerca de 500 investidores, que representam cerca de US$ 3,4 trilhões do PIB Mundial anunciaram que vão retirar suas aplicações e investimentos dos projetos de combustíveis fósseis.[3]

Este procedimento, chamado de divestment, tem sido objeto de grande debate também nas ricas Universidades que compõe a Ivy League nos Estados Unidos. Alunos, ativistas e professores tem protestado contra o investimento de recursos por estas instituições de ensino em ações de companhias que produzem combustíveis fósseis, que não raras vezes fazem grandes doações para estas Ivy Leagues.[4]

Importante grifar que o próprio FMI divulgou relatório, poucos meses antes da COP 21, com um forte apelo para que as nações parassem de subsidiar a indústria dos combustíveis fósseis. De acordo com o Fundo, esta medida pode salvar milhões de vidas em todo o planeta. O aumento da taxação sobre combustíveis fósseis e a eliminação dos subsídios para esta indústria poderiam reduzir mortes prematuras de seres humanos causadas pela poluição em até 55%, o que seria um grande avanço. Apenas no ano de 2012, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, 3,7 milhões de pessoas perderam suas vidas prematuramente em decorrência da poluição. Dentre as práticas condenáveis dos países, de acordo com o FMI, está a não taxação e a comercialização dos combustíveis abaixo do preço, em virtude dos subsídios públicos. Globalmente, os subsídios estatais para a energia suja alcançam U$ 5,3 trilhões, ou 6,5% do PIB mundial. Estes valores seriam suficientes, por exemplo, para a construção de cinco cidades semelhantes a Boston anualmente. A China, como maior emissora de gases de efeito estufa, é responsável por quase metade deste valor total, U$ 2,3 trilhões, e os Estados Unidos por U$ 699 bilhões, como o segundo maior emissor. Apenas com o corte dos subsídios estatais alocados para a indústria dos combustíveis fósseis, seria possível diminuir as emissões de CO2, em patamares superiores a 20% ao ano.[5]

Outro benefício para os governos seria o consequente aumento da receita com a tributação sobre os combustíveis fósseis, o que possibilitaria maiores investimentos na saúde, energia renovável, transportes públicos de massa e outros serviços de amplo acesso à população. Alguns países, como a Índia, já estão implementando políticas públicas como a sugerida, com a finalidade de conter o déficit orçamentário e diminuir a poluição, como no exemplo do corte do subsídio ao óleo diesel no varejo.

De acordo com o decidido na COP 21, outrossim, o compromisso firmado deve ser revisto pelas nações a cada cinco anos e as metas de cortes de cada país INDCSs são voluntárias. Esta, aliás, foi uma condição política imposta pelos Estados Unidos, uma vez que a administração Obama enfrenta dificuldades para aprovar legislação para o corte de emissões no Congresso dominado pelo partido republicano cujos parlamentares recebem grandes contribuições financeiras da indústria do petróleo e carvão.

Pode-se afirmar que os pontos principais do acordo são: a- Objetivos de longo prazo; b- Descarbonização; c- Metas nacionais de corte das emissões; d- Financiamento aos países pobres; e- Reparação dos danos; f- Proteção de florestas e combate ao desmatamento.

De acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas de 2014 (Fifth Assesment Report), o uso de combustíveis fósseis gera 32 gigatons de dióxido de carbono por ano. Outras fontes, como o vazamento de metano, fábricas de cimento e outros processos industriais são responsáveis por 5 a 7 gigatons de dióxido de carbono anuais. O desmatamento e a agricultura, monocultura especialmente, adicionam 10 a 12 gigatons ao ano de dióxido de carbono na atmosfera. A soma destas atividades humanas emite na atmosfera 49 gigatons de carbono.

Os sumidouros de carbono, por sua vez, removem apenas 18 gigatons por ano, 8.8 vão para os oceanos e 9.2 para a terra. Para alcançar o equilíbrio entre as emissões e a capacidade de absorção dos sumidouros de carbono seria necessário se acabar completamente com as emissões.[6]

Como este é um objetivo difícil e o acordo demonstrou-se abstrato, pois o objetivo de redução das emissões e o consequentemente limite de temperatura a ser atingido pode ocorrer em um período de espaço vago, de 2050 até 2099, novas medidas precisam ser adotadas.

De acordo com o World Resources Institute, para se alcançar o objetivo previsto no artigo 2º do Acordo de Paris[7], seria fundamental trazer as emissões de dióxido de carbono para a produção de eletricidade em valores aproximados a zero e, também, elevar para cerca de 25% o número de veículos movidos com energia elétrica.[8]

Gerrard, por sua vez, sugere que existem apenas três formas de se continuar a usar combustíveis fósseis para a produção de energia elétrica na segunda metade deste século:

  • Captura do carbono antes que ele seja emitido na atmosfera;
  • Elaborar e criar, em massiva escala, novas tecnologias para remover e sequestrar o carbono do ar;
  • Criar sumidouros de carbono, assim como acabar com o desmatamento em todo o Mundo.[9]

Todas as três alternativas levantam a questão de como o carbono será armazenado. Não se sabe quanto tempo o carbono ficará nos reservatórios. Por exemplo, qual o período de vida das árvores que o armazena? Impossível saber, o que é certo e que quando árvores são queimadas, cortadas e morrem, elas liberam o carbono armazenado.

De outro lado, as tecnologias para captura, sequestro e remoção do carbono do ar estão sendo desenvolvidas lentamente e sem grande incentivo e concessão de subsídios pelos governos.

Não há dúvida, igualmente, que a precificação do carbono criaria um incentivo para estas pesquisas na busca de novas tecnologias de captura e armazenamento do carbono.[10]

Com a finalidade de solucionar o problema, Gerrard sugere a combinação de programas agressivos de eficiência e de conservação energética, com a instalação de novas usinas de energia renovável (e talvez nuclear) e a substituição dos veículos movidos a petróleo por carros elétricos ou movidos a hidrogêneo.[11]

E o Brasil como fica neste cenário?

De acordo com o próprio governo, o desmatamento na Amazônia aumentou este ano 16%.[12] Segundo fonte independente, o mês de fevereiro de 2015 teve um aumento de 282% no desmatamento na Amazônia se comparado ao mês de fevereiro de 2014.[13]

O país possui uma economia calcada nos combustíveis fósseis e poucos investimentos orçamentários e científicos em energias renováveis. A participação da energia eólica e solar é, em matéria de produção, muito pequena, se comparada com os países desenvolvidos, especialmente os países nórdicos.

Cabe ao Estado brasileiro virar este jogo e optar pela sustentabilidade. Será preciso governança e transparência na gestão dos recursos que serão alocados pelos fundos verdes ao Brasil, que necessita superar a cultura da corrupção, do patrimonialismo e da má gestão dos recursos públicos por políticos populistas e burocratas sem maior qualificação técnica. O Estado e todos os setores da sociedade tem uma grande responsabilidade a assumir, a Amazônia é, em parte, brasileira, mas vital para toda a humanidade. É o pulmão do Mundo.

Existe, com muitas omissões e imperfeições técnicas, a Lei 12.187/09, que cria a Política Nacional da Mudança do Clima. Referida lei já nasceu velha. É preciso implementá-la onde é possível, suprir as suas evidentes omissões e complementá-la.

Os instrumentos reconhecidamente mais eficazes para o combate à mudança climática estão longe de ser implementados, mas precisam ser regulamentados, como a tributação, a precificação do carbono e o cap-and-trade (este último por uma legislação que possa lhe dar concretude).

Não se pode pensar em concretizar o direito fundamental ao desenvolvimento sustentável se o país não estiver engajado no compromisso jurídico assumido pelas nações na COP 21 para o combate ao aquecimento global e os seus trágicos efeitos.


1 UNITED NATIONS. Fonte: http://unfccc.int/meetings/paris_dec_2015/session/9057.php. Acesso em: 20.12.2015.

2 POSNER, Eric A; WEISBACH, David. Climate Change Justice. Princeton University Press, 2010.P. 189.

3 NICOLLETTI, Mariana; HISAMOTO, Bruno Toledo. Regras para um jogo colaborativo. Jornal Folha de São Paulo, 17, 12,2015. Fonte: http://m.folha.uol.com.br/opiniao/2015/12/1720987-cop21-trara-avancos-no-combate-ao-aquecimento-global-sim.shtml?mobile. Acesso em: 20.12.2015.

4 Pode-se observar a preocupação do Presidente da Universidade de Harvard com o aquecimento global de um lado, mas de outro a intenção de continuar por hora investindo nestas companhias emissoras de gases de efeito estufa. Ver: Fossiel Fuel Divestment Statement. Fonte: http://www.harvard.edu/president/news/2013/fossil-fuel-divestment-statement. Acesso em: 20.12.2015.

5 The high cost of dirty fuels. The New York Times. Fonte: http://www.nytimes.com/2015/05/21/opinion/the-high-cost-of-dirty-fuels.html?_r=0. Acesso em: 20.12.2015.

6 INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Fifth Assesment Report. Fonte: https://www.ipcc.ch/report/ar5/. Acesso em: 20.12.2015.

7 Emissões bem abaixo de 2ºC e tentativa de limitá-las em 1,5oC.

8 WORLD RESOURCES INSTITUTE. Fonte: http://www.wri.org/our-work/project/cop-21. Acesso em: 20.12.2015.

9 GERRARD, Michael. What the Paris Agreement Means Legally for Fossil Fuels. Energy Policy. Columbia Law School. New York City: Sipa, 2015. Fonte: http://energypolicy.columbia.edu/sites/default/files/energy/Gerrard_What%20the%20Paris%20Agreement%20Means%20Legally%20for%20Fossil%20Fuels.pdf. Acesso: 20.12.2015.

10 Sobre captura e armazenamento do carbono ver: JACOBS, Wendy. Carbon Capture and Sequestration. In: GERRARD, Michael; FREEMAN, Jody (Editors). Global Climate Change and U.S. Law. Second Edition. New York: American Bar Association, 2014. Págs. 581-520.

11 GERRARD, Michael. What the Paris Agreement Means Legally for Fossil Fuels. Energy Policy. Columbia Law School. New York City: Sipa, 2015. Fonte: http://energypolicy.columbia.edu/sites/default/files/energy/Gerrard_What%20the%20Paris%20Agreement%20Means%20Legally%20for%20Fossil%20Fuels.pdf. Acesso: 20.12.2015.

12 O desmatamento atingiu 5831 Km2 segundo o próprio governo, com um aumento de 16% medido de agosto de 2014 a julho de 2015. O Estado de São Paulo. Fonte:http://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,desmatamento-na-amazonia-sobe-16-em-um-ano-e-atinge-5831-km,1802729. Acesso em: 20.12.2015.

13 Um novo mapeamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) detectou 42 km² de desmatamento no bioma em fevereiro de 2015. Isso representa um aumento de 282% em relação ao índice constatado no mesmo mês em 2014. Jornal O Globo. Fonte: http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/desmatamento-da-amazonia-aumentou-282-em-um-ano-15653073#ixzz3v6bfxBZ3. Acesso em: 20.12.2015.  

Autores

  • Brave

    é juiz federal. Doutorando e Mestre em Direito. Visiting Scholar pelo Sabin Center for Climate Change Law da Columbia Law School – EUA. Professor de Direito Ambiental Coordenador na Escola Superior da Magistratura- Esmafe/RS.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!