Contrato público

Escritório é condenado a pagar R$ 820 mil por terceirizar serviços para outra banca

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6 de maio de 2016, 7h29

O escritório Siqueira Castro Advogados foi condenado a pagar mais de R$ 820 mil por ter “terceirizado” serviços para os quais foi contratado, sem licitação, pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae). A banca, que afirma possuir 2,9 mil clientes ativos, também está proibida de contratar com o poder público ou receber benefícios fiscais por dez anos. De acordo com decisão da juíza Mabel Castrioto Meira de Vasconcellos, da 6ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro, ao repassar os casos para outro escritório, o escritório teve enriquecimento ilícito. Todos os envolvidos no caso afirmaram que vão recorrer.

O Siqueira Castro foi contratado em 2003 para cuidar das ações trabalhistas da Cedae, recebendo R$ 65 por mês para cada processo. À época, para que houvesse dispensa de licitação, a companhia afirmou haver “notória especialização” da banca. No entanto, no ano seguinte, a banca passou a contratar outro escritório, o Eliel de Mello e Vasconcelos, para atuar nos casos trabalhistas da Cedae, pagando R$ 50 por ação/mês.

O Ministério Público Federal acusou o Siqueira Castro de ter ganhado R$ 15 por ação ao mês sem ter trabalhado em nenhuma delas. Contabilizando mais de mil processos mensais repassados de 2004 a 2007 — quando foi encerrado o contrato entre os escritórios —, a sentença aponta que houve enriquecimento ilícito de R$ 411 mil.

Segundo a juíza, uma vez que o próprio escritório admite ter repassado seus serviços para outro, assume que o contrato não necessitava de sua expertise, mostrando a violação ao artigo 13, parágrafo 3º, da Lei de Licitações (Lei 8.666/93). A norma exige que quem for contratado com dispensa de licitação por causa de sua especialização preste “pessoal e diretamente” os serviços previstos no contrato.

Apesar de o contrato original proibir os advogados de substabelecer os poderes outorgados pela Cedae a outros profissionais de fora do escritório, um termo aditivo alterou o documento no dia 20 de julho de 2004, permitindo o substabelecimento a outros advogados. O documento é assinado por Aluizio Meyer de Gouvêa Costa e Sidney Roberto Szabo, à época, presidente e diretor da Cedae, respectivamente.

Para a juíza Mabel Castrioto, o termo aditivo é nulo, uma vez que o contrato original é administrativo — não se tratando de contrato de mandato — e não admite substabelecimento.

O advogado Fábio Coutinho Kurtz, sócio do Siqueira Castro, contesta a decisão. Segundo ele, o contrato de prestação de serviços firmado com a Cedae não se confunde com o contrato de mandato. Assim, a subcontratação do correspondente “é meramente mandamental, para atuar como procurador ou representante, ou seja, mandatos são outorgados aos advogados sócios, associados ou prestadores de serviço”.

Kurtz afirma que o escritório não pode sofrer sanções por simplesmente ter cumprido ordens da própria Cedae para repassar casos a outros profissionais. “É uma determinação legal, feita a partir de deliberação da diretoria e encaminhada pela Cedae ao escritório, que tem o dever de cumprir as ordens de seus contratantes.”

Pessoalidade exigida
A decisão, datada do último dia 20 de abril, aponta que o contrato firmado entre a Cedae e o Siqueira Castro possuía como característica inerente o intuitu personae (pessoalidade), uma vez que, a princípio, o escritório “era o que melhor possuía as condições para a execução daqueles serviços”. Assim, ao repassar os serviços para outra banca (ficando com R$ 15), o Siqueira Castro Advogados contrariou a Lei de Licitações (8.666/93) e o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal (que trata de licitações).

Em sua defesa, no processo, o Siqueira Castro Advogados afirmou que não ficava com todos os R$ 15 por ação/mês, pois usava cerca de R$ 4 para pagar tributos. A banca alega que elaborava as teses matrizes e a estratégia de atuação em defesa dos interesses da Cedae e que o Eliel de Mello e Vasconcelos só comparecia fisicamente aos julgamentos e praticava alguns atos processuais.

Ainda de acordo com a defesa do escritório, a outorga dos substabelecimentos sem reservas fora expressamente autorizada pela Cedae e é análoga "à corriqueira contratação dos chamados advogados 'audiencistas', profissionais destacados especificamente para o acompanhamento de audiências e adoção de alguns atos", o que não mitigaria a responsabilidade e o envolvimento da banca em decidir as estratégias processuais a serem adotadas.

A juíza não aceitou o argumento e condenou o escritório à perda dos valores acrescidos ilicitamente ao seu patrimônio em favor da Cedae, no valor de R$ 411.709,47; ao pagamento de multa civil correspondente a uma vez o valor do acréscimo patrimonial; e à proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, por dez anos.

A banca afirma que a decisão de primeira instância está “bastante equivocada” e que vai recorrer ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro para revertê-la. “Vale ressaltar que a Siqueira Castro Advogados foi contratada pela Cedae em estrita observância à Lei 8.666/93 e demais normas em vigor, e passou pelo crivo e teve o aval do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, órgão competente e fiscalizador dos atos praticados pelas empresas públicas, tendo, de igual forma, sido chancelado pela então governadora do Rio de Janeiro”, aponta o advogado Fábio Kurtz.

Punições para todos
Na mesma decisão, a juíza condenou também o escritório Eliel de Mello e Vasconcelos e dois ex-diretores da Cedae que assinaram os termos aditivos do contrato e permitiram a terceirização dos serviços. Todas as condenações, no entanto, foram mais brandas que as impostas ao Siqueira Castro Advogados.

Os executivos Aluizio Meyer de Gouvêa Costa e Sidney Roberto Szabo foram condenados a perder quaisquer cargos públicos que ocupem, tiveram seus direitos políticos suspensos por cinco anos e terão de pagar multa de R$ 5 mil cada um, além de ficarem proibidos de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, por três anos.

O advogado Gustavo Kloh, que defende o ex-presidente da Cedae Gouvêa Costa, diz que seu recurso contra a decisão será baseado em dois pontos: os atos de seu cliente foram todos aprovados pelo conselho da Cedae e a contratação de advogados não precisa ser feita por meio de licitação.

O segundo ponto da defesa, sobre a dispensa de licitação, é polêmico e tem como base a decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual, “diante da natureza intelectual e singular dos serviços de assessoria jurídica", o administrador tem o direito de utilizar da discricionariedade, que lhe foi conferida pela lei, para escolher o melhor profissional.

Segundo a decisão do STJ no Recurso Especial 1.192.332/RS, é inviável escolher o melhor profissional para prestar serviço de natureza intelectual por meio de licitação, “pois tal mensuração não se funda em critérios objetivos”. Assim, diz Kloh, como a relação entre a Cedae e o escritório Siqueira Castro era de confiança, a contratação não poderia ser enquadrada na Lei de Licitações, e a banca teria poder para definir as estratégias  de defesa e, inclusive, dividir o caso com outros profissionais.

O escritório que prestou os serviços para a Cedae, Eliel de Mello e Vasconcelos, terá de pagar multa de R$ 5 mil e ficou proibido de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, por três anos.

Eliel de Mello Vasconcellos, sócio da banca, afirma que não houve uma subcontratação, mas “apenas o substabelecimento para que o escritório atuasse em alguns casos”. Ele lembra que seu escritório sequer foi contratado pela Cedae e que foi remunerado com honorários que eram pagos ao Siqueira Castro, com permissão da companhia de águas e esgoto. O advogado diz que é necessário recorrer ao TJ-RJ, pois classifica a condenação como um equívoco.

Processo 0216664-42.2008.8.19.0001

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