Classe desprestigiada

Era mais fácil advogar na ditadura do que hoje, afirma Mariz de Oliveira

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1 de maio de 2016, 12h06

Em nome da luta contra um crime específico, se está rasgando regras e maculando a advocacia. A opinião é do advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, que afirma: "Era mais fácil advogar na época da ditadura militar do que agora. Um exemplo muito simples: tinha-se acesso aos autos, bastava a procuração. Hoje não basta a procuração, não se tem acesso aos autos de imediato". 

Ele falou no sábado (30/4), durante o encerramento do VII Encontro Anual da Associação dos Advogados de São Paulo (Aasp), em Campinas (SP). O criminalista foi o responsável pela palestra de encerramento, sobre Direito de Defesa na atualidade. O advogado lembrou que este é uma tema muito caro e que exige uma vigilância permanente. "Cada vez mais se faz necessária o olhar sobre o Direito de Defesa para que se mantenha íntegra a democracia. Esta, sem o Direito de Defesa, não existe", disse.

Outra questão levantada por Mariz foi a imagem da advocacia, que segundo ele tem sido maculada e ainda é desconhecia de boa parcela da sociedade. Segundo o advogado, além desse desconhecimento, surge agora com mais força uma ignorância absoluta do papel da advocacia.

"A sagrada origem da advocacia criminal é postular em nome de alguém que não reúne condições para tanto. A sociedade não sabe disso. Não tem ideia, ou a parcela que tem a esquece nestes momentos de quase ruptura, momento em que a cultura punitiva tomou conta especialmente da sociedade brasileira. Uma sociedade que deseja castigo, vingança. Uma expectativa exclusiva pela culpa, pela punição", afirmou.

Em sua opinião, essa cultura punitivista tem colocado a advocacia em péssimos lençóis. "O advogado é considerado um coautor, um colaborador do cliente. Não é mais visto como um porta voz de direitos e garantias", criticou.

Para Mariz de Oliveira essa desmoralização da advocacia começou na ditadura militar e desde então vem numa crescente, atingindo agora o ápice, com a mídia capitaneando, a sociedade aplaudindo e os advogados intimidados. 

Neste momento de sua exposição, Mariz de Oliveira aproveitou para criticas às entidades de classe, com exceção de algumas como a Aassp, que foi elogiada pelo advogado por lançar a campanha Valorizar o Advogado É de Lei. "A entidade mãe está preocupada com a luta contra a corrupção. Isso todos queremos, antes de advogados somos cidadãos. Mas queremos isso dentro da lei. A Ordem dos Advogados do Brasil está preocupada em fazer coro com a sociedade, em dizer o que ela quer ouvir", criticou.

Mariz pediu uma atuação das entidades de classe para enfrentar esse movimento contrário à advocacia. "Sem advocacia não há nenhuma possibilidade da construção da pátria de nossos sonhos", completou.

Prisão preventiva
O criminalista não poupou críticas também às prisões preventivas decretadas na "lava jato". Para ele, essas prisões têm sido utilizadas para forçar a delação premiada, o que em sua opinião configura um desvirtuamento absoluto. "Não há justificativa para essas prisões. Diz que a prisão é necessária porque há provas, mas não há. Há apenas um desejo do Estado, robustecido pela sociedade, de prender para a delação".

No entendimento do criminalista, há apenas uma linha tênue entre a prisão preventiva para a delação premiada e a tortura. "Na tortura falo antes, porque a dor é física. Na prisão amplio um pouco a resistência, fico mais um mes preso. Mas sucumbo porque quero a liberdade. Aí eu falo o que se quer que eu fale". 

Mariz, complementa ainda que a prisão preventiva tem sido utilizada como um instrumento de um autoritarismo Judiciário, que não respeita os requisitos necessários, como da voluntariedade. "Primeiro é o ativismo Judicial, depois o autoritarismo, oxalá não cheguemos na ditadura do judiciário, que é a pior que existe", concluiu. 

Advocacia no banco dos réus
Em seguida à palestra de Mariz de Oliveira, o presidente da Aasp, Leonardo Sica, tomou a palavra para agradecer e mais uma vez destacar que há coisas acontecendo que estão deixando a advocacia apreensiva, o que reforça a necessidade da campanha de valorização.

O primeiro fato apontado por Sica foi o episódio envolvendo Mariz de Oliveira, que estaria sendo cogitado para o cargo de ministro da Justiça, num possível governo de Michel Temer. Mariz teria sido descartado por ter se posicionado publicamente contra a delação. Para Leonardo Sica, trata-se de um episódio de censura. "Mariz foi fortemente censurado por expressar sua opinião em relação ao Direito de Defesa. E felizmente Mariz tem opinião e não vai abrir mão dela".

O outro episódio citado por Sica que causa preocupação é a divulgação de que o advogado Augusto de Arruda Botelho, defensor do executivo Márcio Faria, ligado à Odebrecht, foi indiciado criminalmente nesta sexta-feira (29/4) por corrupção passiva.

"Juridicamente é um absurdo em si. Não fosse o absurdo jurídico, há o que vem por trás. O indiciamento foi prontamente noticiado pela imprensa, com o manifesto propósito de constranger a advocacia, de colocar a advocacia no bando dos réus. O momento é de ponderação sobre a gravidade que nos cerca", afirmou Leonardo Sica. 

Responsável por presidir o painel, o criminalista Alberto Zacharias Toron complementou os argumentos apresentados por Mariz de Oliveira e Leonardo Sica. Toron lembrou que foi necessário à advocacia ir ao Supremo Tribunal Federal para conquistar algo que já estava na lei, que é a Súmula 14 do STF.

A súmula diz: é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.

"Foi preciso pela via exegética que o Supremo impusesse o direito, ou recolocasse, o direito de o advogado examinar os autos de inquérito. É um absurdo que isso tenha acontecido", disse Toron.

O advogado detalhou ainda mais um episódio citado por Leonardo Sica que preocupa a advocacia. O seu escritório e outros advogados estão sendo investigados por um suposto vazamento de informação sigilosa.

Toron narra que antes da deflagração da fase da operação "lava jato" que prendeu os primeiros empresários, em 14 de novembro de 2014, havia um burburinho de que numa sexta-feira eclodiria a tal operação, então os investigadores pensaram que os advogados já sabiam da operação. 

"Mas toda sexta, reparem, eclode uma operação para prender pessoas. Porque no fim de semana não dá tempo de impetrar habeas corpus, não tem juiz. Nós sabemos porque ocorre na sexta. Mas eles encasquetaram que nós sabíamos de antemão que a operação seria deflagrada e por isso instauraram o inquérito", contou Toron. O advogado afirmou que até hoje não teve acesso a esse inquérito, que corre sob sigilo.

Sobre o caso envolvendo o advogado Augusto Arruda Botelho, Toron disse que não conhece os fatos, mas defendeu o colega de profissão. "Posso assegurar que se trata de uma pessoa íntegra, marcadamente preocupada com a legalidade, o respeito a lei, e sobretudo muito combativo. Um advogado que eu temo que esteja sendo penalizado pela sua combatividade. Não conheço os fatos, mas conheço sua integridade", afirmou.

Toron complementou ainda dizendo que isso coloca os advogados em alerta. "Como se referiu o Leonardo Sica, há casos em que se quer apurar a participação de um advogado no vazamento de uma operação. Se faz isso clandestinamente e isso é muito ruim. A OAB precisa se movimentar em torno disso porque as coisas não podem ficar paradas como estão".

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