Marco jurídico

Nova lei permite que empresas estatais contratem concessionárias sem licitação

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23 de junho de 2016, 17h07

Divulgado como solução para supostos problemas de gestão e de transparência nas companhias estatais, o novo estatuto jurídico das empresas públicas permite que concessionárias de serviços públicos sejam contratadas sem licitação. O texto foi aprovado pelo Senado na terça-feira (21/6) e enviado à sanção presidencial nessa quarta-feira (22/6).

A aprovação foi rápida, levou menos de um ano, porque a Presidência da República fez um pedido formal de urgência, o que encurta a tramitação dos projetos. O presidente interino Michel Temer anunciou o texto como uma forma de impedir as indicações de partidos a cargos de direção em estatais. E já disse que não pretende fazer vetos.

A nova regra sobre dispensa de licitações está no inciso X do artigo 29 do texto aprovado. O dispositivo diz que empresas públicas e sociedades de economia mista podem dispensar a licitação para contratar concessionárias de energia elétrica ou gás natural “e de outras prestadoras de serviço público”.

Com isso, qualquer concessionária de serviço público, como telecomunicações, água ou até administração de portos, mesmo que haja mercado competitivo com participação de várias empresas, não precisará mais passar por processo de concorrência pública.

A permissão é da redação original do projeto, de autoria de comissão especial do Senado criada para elaborar o texto, apresentado em agosto de 2015. No entanto, a comissão se baseou em projeto anterior, do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), do mesmo ano, que não abria a possibilidade de dispensa de licitação para qualquer concessionária. Apenas repetia o texto do inciso XXII do artigo 24 da Lei de Licitações, que dispensa o pregão para contratação de concessionárias de eletricidade e gás, “segundo as normas da legislação específica”.

E embora o inciso X do artigo 29 do projeto conste na redação original, ele não é objeto da justificativa do relator, o próprio Jereissati. E nem no relatório do deputado Arthur Maia (PPS-BA), responsável pelo projeto na Câmara, apresentado aos deputados no fim de agosto de 2015.

Maia só diz que “as normas que dizem respeito às licitações e contratos, em sua essência, não inovam quanto ao texto do projeto de lei do senador Tasso Jereissati”. E justifica que o projeto também buscou atender a uma pesquisa de opinião feita no site do Senado na qual 80% dos que responderam disseram ser a favor da obrigatoriedade de licitação em “todas as compras das empresas estatais”.

Opacidade
Ao mesmo tempo, 97% dos que participaram da enquete se disseram a favor de regras mais transparentes para as companhias públicas. E é justamente por isso que o projeto preocupa especialistas no assunto.

Segundo o advogado especialista em licitações Jonas Lima, a lei é aguardada pela comunidade jurídica há muito tempo. Ele explica que, em 1998, a Emenda Constitucional 19 mudou a redação do parágrafo 1º do artigo 173 da Constituição Federal para dizer que “a lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública”.

A emenda também acrescentou o inciso III ao parágrafo para dizer que a lei do estatuto jurídico das estatais deve informar como devem ser as licitações e contratações. Porém, isso não quer dizer que as concessionárias têm privilégios quando fornecerem a empresas públicas, afirma Lima.

Isso porque o artigo 175 da Constituição diz que o Estado deve prestar serviços públicos, direta ou indiretamente, “sempre através de licitação”. Para ele, o novo projeto cria “um privilégio de forma aberta”.

Segundo o advogado, “quando o artigo 175 da Constituição abriu o mercado das concessões, não estabeleceu que a concessionária pode vender o produto da concessão ao poder concedente sem passar por licitação”. “Se for inviável a competição em casos específicos, por limitações de mercado, deve-se aplicar a regra de inexigibilidade de licitação do artigo 25 da Lei 8.666/1993, e não recriar o privilégio de 30 anos atrás, antes das privatizações e da criação das agências reguladoras.”

Espírito da lei
Também especialista em licitações e contratos de concessão, o advogado Luís Eduardo Serra Netto não vê inconstitucionalidade na nova lei. No entanto, ele se diz preocupado com “a redação muito genérica” do dispositivo.

Serra Netto se refere ao trecho em que o inciso X dispensa a licitação para contratar concessionárias, “desde que o objeto do contrato tenha pertinência com o serviço público”. “Podem estar escondidos aqui interesses que não consigo identificar de imediato”, analisa.

Ele pondera, porém, que o dispositivo do novo texto deverá ser interpretado de acordo com a parte final do inciso VIII do artigo 24 da Lei de Licitações, que só permite a dispensa de licitação se o preço do contrato seja compatível com o do mercado. “Esta interpretação é possível sem maiores esforços porque as aquisições e contratações feitas sob regime de dispensa ou de inexigibilidade de licitação devem necessariamente resguardar a justificativa do preço.”

Jonas Lima é mais cético. Para ele, há sérios riscos de as estatais “fornecerem auxílio indevido à iniciativa privada”. "A regra será uma porta aberta para situações escusas. Não se pode evitar processo licitatório, pois até grandes corporações privadas realizam suas concorrências, o que revela um contrassenso do que foi aprovado".

Clique aqui para ler a redação final da nova lei, enviada para sanção presidencial.

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