Direito Civil Atual

Geraldo Neves deixa uma contribuição fundamental para o Direito Civil

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  • Venceslau Tavares Costa Filho

    é advogado doutor em Direito pela UFPE professor de direito civil da UPE Vice-Presidente da Associação de Direito de Família e Sucessores – Seção Pernambuco (ADFAS-PE) e Diretor da Escola Superior de Advocacia da OAB-PE.

20 de junho de 2016, 10h52

Spacca
Venceslau Tavares Filho [Spacca]Geraldo de Oliveira Santos Neves faleceu há pouco mais de uma semana, no dia 11 de junho de 2016, aos 78 anos de idade. Graduou-se pela Faculdade de Direito do Recife em 1965, onde também obteve o título de doutor em Direito, com defesa de tese sobre as obrigações com prestações alternativas. Tive a honra de ser aluno dele no Curso de Especialização em Direito Civil da UFPE, e no Curso de Mestrado em Direito da UFPE.

Geraldo Neves formou gerações de civilistas pernambucanos e de todas as regiões do Brasil. Era, como chamávamos, o Decano dos Civilistas pernambucanos. Certamente, foi aquilo que Clóvis Bevilaqua chamou de Filósofo: Geraldo Neves foi “a alma de seu tempo”.[1] Além de Diretor da tradicional Faculdade de Direito do Recife, Geraldo Neves também foi Professor de Introdução ao Estudo do Direito e de Direito Civil no Curso de Graduação. No Programa de Pós-graduação em Direito da UFPE, lecionou História da Codificação Civil Brasileira.

Com o seu peculiar senso de humor, não costumava economizar nas críticas aos juristas mitificados pela manualística. Ele pertencia àquela geração de egressos da Faculdade de Direito do Recife que se dedicou a pesquisar e a escrever sobre a História das Instituições Jurídicas nacionais; a exemplo de Nelson Saldanha, Gláucio Veiga e Vamireh Chacon. Profundo conhecedor da Teoria Geral do Direito (a exemplo de outros grandes civilistas da Escola do Recife, tais como Torquato Castro, Soriano Neto, Olímpio Costa Jr, Vera Della Santa, etc.), não se deixava iludir facilmente pelos encantos aparentes das “novidades”.

Deve-se a ele, inclusive, uma das obras fundamentais para a compreensão dos fundamentos históricos do atual Código Civil brasileiro, qual seja: Código Civil Brasileiro de 2002: principais alterações; publicado no ano de 2003 pela Editora Juruá. Apesar do título despretensioso, trata-se de excelente análise dos antecedentes históricos do Código Civil brasileiro de 2002. Àquela época, o professor Geraldo Neves não poupou o texto codificado de suas críticas. Até hoje, trata-se de um dos raros autores que criticam a exigência de boa-fé subjetiva para a proteção possessória no sistema do Código Civil vigente, pois: “Nenhum ‘sem terra’ ignora que a terra que está invadindo pertence a outrem: a um particular, ao governo ou a uma tribo indígena”.[2]

Geraldo Neves também exerceu intensamente a advocacia pública e privada. Foi Secretário de Assuntos Jurídicos da Cidade do Recife e de diversos Municípios de Pernambuco, e chegou a ocupar o cargo de Procurador Geral do Estado de Pernambuco. Devido a sua notável contribuição para o Direito Eleitoral, como doutrinador e advogado militante, foi homenageado pela Instituição Brasileira de Direito Público (IBDPub), na terceira edição do seu Fórum Permanente de Direito Eleitoral.[3]

Geraldo Neves dizia que: “Está para ser estudada ainda, no Brasil, a contribuição da obra de Teixeira de Freitas para a elaboração do Código Civil Brasileiro, do Código Civil Argentino e do Código Civil Uruguaio”.[4] Certamente, aqueles que levarão a cabo esta tarefa ainda inacabada necessitarão recorrer aos escritos do civilista recifense. E então se dará aquele encontro secreto de que fala Walter Benjamin: um encontro entre as gerações anteriores e a nossa. Pois, “alguém na Terra já nos esperava”.[5] Ao nos dirigirmos para as aulas de Geraldo Neves, nos esperava um jurista bem humorado e atencioso, que conhecia os funcionários da Faculdade pelo nome. Também nos esperava um jurista refinado e extremamente franco, de modo que nunca foi daqueles que vendem a ideia de um direito “facilitado”. Cabe-nos agora o desafio de continuar trilhando o caminho até que cada um realize os seus encontros secretos

*Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC e UFMT).


 


[1] BEVILAQUA, Clovis. Philosophia positiva no Brazil. Recife: Typographia Industrial, 1883, p. 25.

[2] NEVES, Geraldo de Oliveira Santos. Código Civil Brasileiro de 2002: principais alterações. Curitiba: Juruá, 2003, p. 119.

[3] Ocorrido nas dependências do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco, nos dias 31 de março e primeiro de abril de 2016. O IBDPub é presidido pelo Professor Adriano Soares da Costa, refinado jurista alagoano e grande estudioso de Teoria Geral do Direito.

[4] NEVES, Geraldo. Uma bibliografia comentada de fontes diretas e indiretas para o estudo do Esboço, Apontamento, Anteprojetos, Projetos e Código Civil Brasileiro, de 1855 a 2001. Anuário dos cursos de pós-graduação em Direito, n. 11 (2000). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, p. 367.

[5] Tradução livre. No original: “Dann sind wir auf der Erde erwartet worden” (BENJAMIN, Walter. Über den Begriff der Geschichte. In: Erzählen – Schriften zur Theorie der Narration und zur literarischen Prosa. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 2007, p. 130).

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