Diário de Classe

Júri não pode absolver porque quer ou porque sim. Nem condenar

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18 de junho de 2016, 8h05

Spacca
Há um caso interessante para ser decidido pelo STJ e formar jurisprudência. Para o TJ-RJ (ver aqui a notícia), apesar de o júri não precisar mostrar razões do seu convencimento, isso não o isenta de decidir sobre o caso de maneira coerente. “Ao verificar a contradição nas respostas, deve o juiz presidente aplicar o artigo 490 do Código de Processo Penal (CPP)”, argumentou a 3ª Câmara.  Como se sabe, esse artigo do CPP delimita que, se houver contradição entre decisão e provas, o juiz responsável pelo julgamento deverá explicar a contradição aos jurados e promover nova votação.

Disso recorreu a Defensoria do Rio, defendendo a soberania, que seria absoluta, o que decorreria do parágrafo 2° do artigo 483 do CPP, que é expresso ao permitir que os jurados reconheçam a materialidade e autoria do crime e mesmo assim absolvam o acusado. A recorrente também destaca que os jurados firmam juízo de valor de maneira diferente de um juiz, pois acabam se identificando com os atores do processo (réu ou vítima), podendo “absolver por causas supralegais, como clemência, razões humanitárias ou por entender que a pena não é justa para o caso”.

Eis a questão. Quem tem razão? Pode o júri decidir, efetivamente, como quer? Bom, que ele decide como quer já se sabe, por causa da previsão do CPP de que o júri decide por íntima convicção. Nenhum tribunal pode sobreviver na democracia se seus juízes decidem por íntima convicção. Claro que, na prática, na realjuridik, o livre convencimento ou a livre apreciação da prova já se aproximaram demais da íntima convicção. Nisso, júri e Justiça comum se aproximam. Perigosamente.

Porém, cá para nós, não precisamos exagerar. Não se pode tirar da soberania dos veredictos do tribunal do júri a tese de que o jurado não tem compromisso com a coerência ou com a integridade do Direito. Se for verdadeira a tese de que o júri absolve como quer, tem-se também que ele pode condenar como quer. Logo, anarché. Uma dose de democracia faz bem. Se o júri é soberano nesse patamar querido pela Defensoria do Rio, então não precisa nem fazer prova ou plenário. Basta perguntar para o jurado: culpado ou inocente?

No entanto, o problema é que, se olharmos a redação do CPP, a Defensoria pode ter razão. De tão mal redigido o código, não é impossível tirar essa tese. Basta ler o modo como se chega ao quesito de se o acusado deve ser absolvido. Não há exigências de accountability. Não há explicitação objetiva como existia antigamente.

O grande problema é que se os jurados podem dizer “sim, porque sim”, podem também dizer “não, porque não”. Esse é o problema a ser enfrentado. No futuro. A decisão do STJ, seja qual for, não resolverá o problema de fundo: a de que em uma democracia ninguém deve ser condenado ou absolvido por íntima convicção, coisa essa que ninguém sabe o que é. O que é isto — a íntima convicção?

Ganhando a Defensoria ou perdendo, a democracia perde. E perde porque conseguimos construir um modo de julgar irracional. Decisionista. Não podemos dizer que, se for mais fácil absolver, isso é bom. Ou se for mais fácil condenar, isso seja útil à sociedade. Nada disso. Decisão, mesmo a de um jurado, deve ter o mínimo de criteriologia. Por isso a necessidade de uma reforma nesse osso do megatério que é o júri. Ele está envelhecido. Já tem gente dando cambalhota no plenário, como lemos nesta semana. O que mais vão inventar? Fazer funk no plenário?

O júri assim como está não tem futuro. Por causa da íntima convicção. Que é insustentável. Para o bem e para o mal, dependendo de onde o leitor estiver olhando. Devemos transformá-lo em escabinato (participação de juiz ou juízes na decisão). E fazer com que haja o mínimo de fundamentação. Como em Portugal (embora com pouco uso), França e Espanha. Podemos discutir isso melhor na sequência. Há um estudo que um dos articulistas (Lenio Streck) fez há alguns anos mostrando esse problema e apontando para a necessidade de alteração. Também alertando para o fato de que a íntima convicção não consta na Constituição. Logo, não é proibido alterar esse formato antidemocrático atual.

No varejo, esperamos que a Defensoria vença. No atacado, esperamos que esse julgamento seja apenas o início da discussão. Voltaremos ao assunto.

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