A empresa que obriga o consumidor a comprar dentro do próprio cinema todo e qualquer produto alimentício dissimula uma venda casada e limita a liberdade de escolha do consumidor, contrariando o disposto no artigo 6º, II, do Código de Defesa do Consumidor, entende a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Por isso, os ministros, por maioria, mantiveram decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que proibia uma rede de cinemas de restringir o ingresso de consumidores com produtos iguais ou similares aos vendidos nas dependências do estabelecimento.
O relator do caso foi o ministro Villas Bôas Cueva. Para ele, a rede de cinema estava dissimulando uma venda casada e lesando direitos do consumidor. Diz ainda que a prática é abusiva porque não obriga o consumidor a adquirir o produto, mas impede que ele compre em outro estabelecimento. “A venda casada ocorre, na presente hipótese, em virtude do condicionamento a uma única escolha, a apenas uma alternativa, já que não é conferido ao consumidor usufruir de outro produto senão aquele alienado pela empresa recorrente”, disse o relator. Os ministros da turma concordaram.
Segundo a decisão, a empresa está proibida de fixar cartazes alertando os consumidores a não entrar nas salas cinematográficas com bebidas ou alimentos adquiridos em outros estabelecimentos.
O TJ-SP havia decidido que a proibição valia para todo o território nacional, mas o ministro Cueva acolheu argumento da rede de cinemas e restringiu o alcance dos efeitos da decisão. Ele citou precedentes do STJ para limitar os efeitos do julgado de acordo com os limites da competência territorial do órgão responsável pela decisão — no caso concreto, a comarca de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo.
O processo começou porque o Ministério Público paulista considerou abusiva a prática da rede de limitar a aquisição, a preços superiores à média de mercado, de alimentos e bebidas no interior dos seus cinemas.
Uma ação no Supremo Tribunal Federal está pedindo o contrário do que aponta a decisão do STJ. A Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas Operadoras de Multiplex (Abraplex) pediu que o STF proíba a entrada nos cinemas com alimentos e bebidas comprados em outros estabelecimentos.
A entidade questiona na arguição de descumprimento de preceito fundamental as decisões que têm considerado válida a prática. Segundo a Abraplex, as decisões, que têm aplicado jurisprudência do STJ sobre a matéria, estão causando lesão e restrição à livre iniciativa, “sem base legal específica e em descompasso com práticas adotadas mundialmente no mesmo setor econômico”. Com informações da Assessoria de Comunicação do STJ.
REsp 1.331.948
Comentários de leitores
20 comentários
Que tipo de argumento é esse?! (1)
Sérgio Niemeyer (Advogado Sócio de Escritório - Civil)
Quer dizer que a iniciativa privada não pode cumular duas atividades num mesmo estabelecimento porque isso será considerado venda casada?
Pelo amor de deus! Aonde vamos parar desse jeito?!
Que tipo de argumento é este: “Evidente a venda casada, pois a prevalecer a proibição derrubada pelo STJ, o consumo de alimentos no cinema estará condicionado à compra do alimento no mesmo local”? Onde, a evidência?
Por acaso alguém pode entrar num restaurante, sentar-se e ficar lá o dia inteiro sem consumir nada, impedindo que outros clientes o façam? A resposta é desenganadamente negativa. Não, não pode, porque isso causa prejuízo ao desempenho das atividades empresariais para as quais o restaurante foi constituído.
Por acaso alguém pode entrar num restaurante com a comida e bebida obtida em outro, onde não havia onde sentar-se, e lá fazer sua refeição? Também aqui a resposta é negativa. Não pode, por identidade de razão.
Então, por que um cinema que oferece comida e bebida deve tolerar que alguém nele ingresse com comida e bebida adquiridas em outros estabelecimentos? Só por que a venda de bebida e comida representa atividade distinta da exibição cinematográfica? Com todo o respeito, não há nexo de causa e efeito entre a premissa e a conclusão. O fato de se tratar de atividades distintas não implica que não possam ser exploradas no mesmo estabelecimento comercial. Não se pode olvidar o conceito de estabelecimento comercial.
Por outro lado, pode o cinema não vender alimentos e proibir o consumo de qualquer tipo de alimento nas suas dependências? A mim, a resposta é desenganadamente afirmativa. (continua)...
Que tipo de argumento é esse?! (2)
Sérgio Niemeyer (Advogado Sócio de Escritório - Civil)
(continuação)... Pode. Exatamente porque tal seria a proibição máxima (proibir que nas suas dependências se consuma qualquer alimento), como quem pode o mais pode o menos, e o menos é permitir o consumo apenas dos alimentos oferecidos pelo próprio cinema, então não há nada de errado com o cinema proibir, nas suas dependências, o consumo de alimentos adquiridos na concorrência.
A exibição do filme não está condicionada ao consumo de alimentos vendidos no cinema. Tampouco a venda desses alimentos está condicionada ao consumo do serviço de exibição do filma. Se fosse, num caso como no outro, caracterizada estaria a venda casada. Mas não é. O que há, na verdade, é que o cinema oferece, além do serviço de exibição cinematográfica, alimentos para quem desejar consumi-los nas suas dependências. Mas não pode ser obrigado a tolerar que nelas ingressem pessoas com alimentos adquiridos num estabelecimento concorrente.
Infelizmente, estão fazendo uma confusão enorme sobre o conceito de venda casada. Venda casada, conforme a define a legislação (CDC, art. 39, I), é condicionar o fornecimento de um produto ao consumo de outro. Isto, definitivamente, não ocorre no caso sob exame. Nem a venda de alimentos está condicionada ao consumo do serviço de exibição do filme, nem a exibição cinematográfica está condicionada ao consumo de alimentos.
A questão é outra. Tem natureza completamente diferente. Trata-se da exploração de uma atividade paralelamente a outra sem que sejam condicionante e condicionada reciprocamente, mas exploradas pelo mesmo estabelecimento comercial.
Uma boate vende serviços de diversão consistentes da apresentação de música para as pessoas dançarem e também explora o segmento econômico de venda de comida e bebida. (continua)...
Que tipo de argumento é esse?! (3)
Sérgio Niemeyer (Advogado Sócio de Escritório - Civil)
(continuação)... Se houver consumação prévia, então, o ingresso da pessoa para se divertir dançando estará condicionado ao consumo de comida e bebida. Ainda que ela não coma nem beba nada, terá pagado por isso. Na esteira dos argumentos expostos pelos que antagonizam comigo, isso deveria caracterizar venda casada em cores vibrantes e reluzentes. Mas não é.
Com todo o respeito, os argumentos apresentados são falhos na lógica, porque partem de premissas falsas. Irrazoável é afirmar que “comer no cinema não pode ser condicionado a adquirir a comida do próprio cinema”. Pode, porque uma das atividades econômicas exploradas pelo cinema é vender comida e bebida, como ocorre com os restaurantes. O fato de ser uma atividade distinta da apresentação cinematográfica não implica a impossibilidade de ser explorada no mesmo local. Dizer o contrário, isto sim, constitui um atentado grave e incisivo à livre iniciativa erigida como um dos alicerces do estado democrático de direito previsto no inc. IV do art. 1º, e exaltado no art. 170 da Constituição.
A livre concorrência e a defesa do consumidor manifestam-se e estão asseguradas no caso porque o consumidor não é obrigado a frequentar ou consumir todos os produtos e serviços oferecidos pelo estabelecimento, e ainda tem liberdade escolher dirigir-se a outro estabelecimento concorrente para consumir o que desejar. Mas é inadmissível que um estabelecimento seja compelido a aceitar nas suas dependências o consumo de produtos dos seus concorrentes, porque isso conspira contra a livre iniciativa.
Pelo rumo que a coisa tomou, é imprescindível que o STF aprecie a questão para assegurar a livre iniciativa.
(a) Sérgio Niemeyer
Advogado – Mestre em Direito pela USP – sergioniemeyer@adv.oabsp.org.br
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