Práticas sombrias

Interesse público não permite que notícia seja apagada da internet, diz TJ-SP

Autor

16 de junho de 2016, 7h58

Apagar notícias da internet é retomar práticas de momentos sombrios da humanidade, quando poderosos queimavam livros e destruíam bibliotecas. O entendimento é da 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, que, seguindo o voto do desembargador Cesar Ciampolini, negou o pedido de "direito ao esquecimento" feito por um homem retratado como skinhead em reportagens. 

Nelson Jr./SCO/STF
Meio em que notícia foi veiculada não altera sua natureza, afirma decisão.
Nelson Jr./SCO/STF

Em 2007, o autor da ação foi citado em notícias após ter sido preso na Avenida Paulista, em São Paulo, com mais três pessoas, portando armas brancas. A Polícia Militar os deteve por considerá-los possíveis skinheads que estavam indo a uma briga com  grupos rivais.

O homem processou então os jornais O Globo, O Estado de S. Paulo e o site UOL, que foram representados na ação pelo Affonso Ferreira Advogados. O pedido do autor havia sido concedido em primeira instância. O juízo argumentou que “o tempo apagou o interesse jornalístico da notícia”. Porém, a decisão foi reformada em segundo grau. Para a 10ª Câmara do TJ-SP, as notícias fazem parte do acervo histórico social, e podem, no futuro, oferecer informações sobre a sociedade, com suas virtudes e defeitos.

“O material jornalístico censurado pela sentença atacada é de evidentemente interesse público e, por conseguinte, fonte de informação histórica valiosa, porque relata a violência, em estado bruto, transcendendo o subúrbio e transformando um dos lugares mais valiosos do pais em palco de lutas entre gangues rivais, munidas de armas machadinhas similares as que usavam os gladiadores na Roma antiga”, destaca o relator designado, desembargador Cesar Ciampolini.

O julgador afirma ainda que o pedido de apagar notícias remete a uma fase histórica que não deve ser repetida. “O que o autor, ora apelado, pretende equivale a uma ordem que se tenha dado, em momento menos iluminado da história da humanidade, para queima de livros, destruição de bibliotecas.”

O relator designado também explica que a plataforma em que o conteúdo está (internet, rádio, televisão ou impressa) em nada muda sua importância. “A mudança do suporte pelo qual transmitido o noticiário primeiro no jornal impresso, depois radiofônica e televisiva e agora no mundo virtual em nada altera a sua natureza de obra jornalística, desfrutando da mesma garantia constitucional de liberdade de imprensa (CR, artigo 220) e, por conseguinte, da necessidade de guarda de tais registro para a posteridade, como forma de proteção do direito à memória coletiva, entendida como patrimônio cultural nos moldes da Constituição (CR, artigo 216, caput e incisos I e II).”

“Obrigar um jornal a fazer desaparecer de seu acervo na internet uma de suas matérias licitamente produzidas, pondo fim a parte da memória coletiva, equivaleria à tão lesante conduta de ir a uma hemeroteca e destruir exemplares ali arquivados, repetindo, nos dias de hoje, em pleno Estado Democrático de Direito, uma prática inerente ao período de exceção por que não faz muito passou o Brasil”, complementou o desembargador.

Clique aqui para ler o acórdão.
Apelação 1113869-27.2014.8.26.0100

*Texto alterado às 16h01 do dia 17 de junho de 2016 para acréscimo de informações.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!