Ações coordenadas

Abraji denunciará ao CNJ assédio judicial contra jornal do Paraná

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16 de junho de 2016, 14h01

O presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Thiago Herdy, afirmou que a entidade enviará um ofício ao Conselho Nacional de Justiça para denunciar o que considera ser assédio judicial o que está acontecendo no Paraná.

Desde o início do ano, o jornal Gazeta do Povo e cinco funcionários são alvo de dezenas de processos por danos morais movidos por juízes e promotores do estado. As ações são motivadas por uma série de reportagens publicada em fevereiro sobre os rendimentos de juízes e membros do Ministério Público que ultrapassavam o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal, o teto do funcionalismo.

Até o momento, o jornal já foi notificado de 39 ações, quase todas em juizados especiais. No entanto, o número pode ser maior. Segundo o diretor de Redação da Gazeta, Leonardo Mendes Júnior, foram identificadas 45 ações pelo sistema eletrônico. 

Nos juizados especiais, todos os pedidos dos juízes são idênticos, pedindo direito de resposta e indenizações por danos morais, que juntas ultrapassam R$ 1 milhão, segundo o jornal. Os pedidos são sempre no teto do limite do juizado especial, de 40 salários mínimos. Já houve uma condenação, em R$ 20 mil.

Assédio judicial
No dia seguinte à publicação da última reportagem, que saiu na versão impressa do jornal, o presidente da Associação de Magistrados do Paraná (Amapar), Frederico Mendes Junior, avisou aos associados, em uma mensagem de voz, que estava “providenciando um modelo de ação individual feito a muitas mãos (…) para que cada um, na medida do possível, e respeitadas as peculiaridades do que foi divulgado ali, possa ingressar com essa ação individual”. (Clique aqui para ouvir o áudio, divulgado pelo jornalista Zé Beto).

Nesta quarta-feira (16/6), a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) divulgou uma nota na qual diz discordar da estratégia dos juízes do Paraná, mas afirma que cada magistrado tem o direito de peticionar em qualquer tribunal. "Defendemos de forma intransigente o direito do juiz de peticionar em qualquer tribunal, mesmo que discordemos da estratégia definida ou que entendamos que a melhor ação seja de natureza coletiva, pois se trata de um direito constitucional", diz a nota assinada pelo presidente da entidade, João Ricardo Costa.

Ainda na nota, a AMB repudia uma premiação recebida pela Gazeta do Povo da Associação Nacional de Jornais (ANJ) pelas notícias sobre as remunerações dos magistrados. Segundo a AMB, "laurear o jornalismo irresponsável e voltado a descredibilizar a magistratura brasileira atenta não somente contra o Poder Judiciário, mas contra cada cidadão brasileiro que tem o direito de ser bem informado".

"Publicar uma remuneração que contempla verbas indenizatórias recebidas esporadicamente como se fosse mensal é uma evidente má-fé, que comprova o manejo de dados veiculados nos portais de transparência, uma vez que o jornalista tem acesso ao histórico de vencimentos de cada magistrado. Denunciar recebimentos acima do teto sem explicar que verbas indenizatórias não são submetidas ao teto constitucional revela uma lamentável política de desinformação à cidadania. Não é razoável o abandono de uma postura ética no ofício de informar", diz a nota.

Diretor de redação do jornal, Leonardo Mendes Júnior defende as publicações afirmando que se trata de assunto de interesse público, com dados públicos, presentes nos portais da transparência de ambas as instituições.

Conforme o diretor, a notícia explicou que a remuneração é composta do salário regulado pelo teto constitucional e de adicionais igualmente legais. "Explicamos esses adicionais. Fazemos distinção de períodos de férias e 13º salário. A base de dados que consta no nosso site, feita a partir dos dados públicos dos portais da transparência, mostra as variações mensais da remuneração total. E deixamos claro que, embora o bolo forme um valor acima do teto, absolutamente tudo é legal. Não há erro nas reportagens", afirma.

Condenação "antecipada"
Leonardo Mendes Júnior diz ainda que o jornal já sofre uma espécie de condenação com as ações. Isso porque a opção pelo Juizado Especial limita as esferas recursais, pois faz com que todo o trâmite seja resolvido dentro do Judiciário paranaense. "Obriga todos os réus a comparecer a todas as audiências, sob risco de condenação à revelia. E aí você tem ações individuais contra os cinco autores mais o jornal. Diante do volume de ações, temos sistematicamente cinco profissionais impedidos de exercer normalmente sua profissão, pois estão na estrada para se defender. Na prática, é uma condenação. Eles já estão cumprindo uma pena." Os profissionais já foram a 19 audiências, percorrendo 6,2 mil quilômetros.

Na visão do diretor de redação da Gazeta, isso é um ataque à liberdade de imprensa que vem da uma parcela específica de juízes. "Esse mesmo grupo de juízes que entra com ações tem enorme equilíbrio e senso de Justiça em questões diversas igualmente fundamentais para o bom funcionamento da nossa sociedade. Mas, em um episódio que diz respeito a eles, infelizmente não têm essa mesma sensibilidade."

Ele lembra, no entanto, que há juízes que tiveram uma leitura diferente de toda a questão. Segundo Mendes Júnior, uma juíza de Maringá, por exemplo, declarou-se impedida para julgar o caso, pois dizia respeito a toda a magistratura do estado do Paraná, que gerou ampla discussão no meio.

Ação no Supremo
A argumentação da juíza de Maringá é a mesma apresentada pelo jornal em uma reclamação no Supremo Tribunal Federal (Rcl 23.899). Representado pelo advogado Alexandre Kruel Jobim, o jornal pede que o tribunal julgue todos os casos. O pedido é baseado no artigo 102, inciso I, alínea “n”, da Constituição Federal. O dispositivo diz que cabe ao STF julgar processos que sejam de interesse de todos os membros da magistratura ou que mais de metade dos membros do tribunal de origem esteja impedida ou interessada no caso.

A relatora, ministra Rosa Weber, negou o pedido no dia 20 de maio. Disse que a competência do Supremo descrita no dispositivo constitucional citado só existe “quando em litígio interesse qualificado como privativo — peculiar e exclusivo — da magistratura”. Também argumentou que a reclamação só é cabível contra decisão judicial que afronta a jurisprudência do Supremo, o que não havia acontecido até a data do julgamento, segundo ela. Jobim já agravou da decisão, mas o recurso ainda não foi julgado.

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