Reformulação geral

Carf demora entre 5 e 10 anos para julgar ações, diz Ministério da Transparência

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14 de junho de 2016, 20h35

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais precisa de uma grande reformulação em sua estrutura para atender seus jurisdicionados, pois apresenta uma série de problemas: demora em julgamentos, falta de transparência na escolha de conselheiros, ausência de avaliação de desempenho dos julgadores e sistema processual sem controle de alterações manuais.

Essa é a síntese dos apontamentos feitos pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controle (MTFC), pasta que substituiu a Controladoria-Geral da União, em levantamento sobre o Carf. “O Carf não tem conseguido dar cumprimento, em tempo razoável, à sua atribuição de apreciar, em segunda instância, os processos administrativos fiscais a ele submetidos”, diz a pasta.

O estudo, feito em 2015, analisou os dados do Carf desde 2009 e foi motivado, segundo o MTFC, pelas irregularidades encontradas durante as investigações da operação zelotes, que apurou um esquema de propinas para redução e anulação de créditos tributários de grandes empresas. Consta no documento que, entre 2011 e 2014, o estoque processual do Carf aumentou 29,8%, passando de 104 mil para 135 mil.

No período, foram julgadas 122,6 mil ações. Esse crescimento, segundo o relatório, teria influenciado na tramitação processual, pois consta no levantamento que o tempo médio de apreciação processual em 2014 superou os cinco anos. Além disso, 11% do acervo, que corresponde a 13 mil processos, está há mais de 10 anos aguardando julgamento. No Office of Appeals — o "Carf" dos Estados Unidos —, por exemplo, o tempo médio para apreciação de uma ação varia entre 90 dias e um ano, conforme a complexidade do caso.

O relatório aponta como causas desse problema as ausências de gerenciamento do acervo processual, de estrutura adequada de apoio aos conselheiros, de metas e de avaliação de desempenho dos julgadores. “A falta de tempestividade na atuação do Carf acaba por gerar um desestímulo à arrecadação espontânea, seja em razão da percepção da ineficiência na cobrança tributária por parte do Estado, ou do sentimento de injustiça na distribuição do ônus tributário.”

Sistema não tão automatizado
O e-processo, sistema usado no Carf para a contabilização dos recursos e sorteio de conselheiros responsáveis pelos casos, foi duramente criticado por ser altamente suscetível a influências externas. Consta no levantamento que, apesar de a escolha do julgador ser eletrônica, a seleção dos lotes e dos possíveis responsáveis no órgão dependem de inserção manual no referido sistema.

Esse modelo de trabalho, conforme consta no relatório, existe porque o sorteio dos processos considera as horas disponíveis de cada conselheiro para a relatoria processual, o que gera outro problema, a falta de produtividade. “Supondo que os conselheiros com menor e maior números de horas disponíveis para relatoria possuam, respectivamente, 10 e 100 horas, serão formados lotes de 10 horas. No sorteio a ser realizado no sistema, o nome do primeiro é inserido apenas uma vez e do segundo 10 vezes.”

Outro ponto negativo do sistema para o MTFC é a deficiência no controle das mudanças de configuração do e-processo. “Dentre os efeitos decorrentes da ausência dessas medidas de controle sobre as alterações efetuadas no sistema e-processo por parte dos configuradores de unidade, destaca-se a possibilidade de alterações indevidas no sistema, que podem vir a resultar, inclusive, em direcionamento de processos.”

A falta de normas sobre a distribuição processual, de acordo com o Ministério da Transparência, aumenta os riscos de “desvio de conduta, especialmente por direcionamento de processos, bem como a trazer maior dificuldade ou até mesmo inviabilizar o processo de responsabilização, uma vez que não é fixada a conduta esperada dos servidores.”

Dados viciados
O documento apresentado também destaca que o modelo de escolha dos conselheiros do Carf, devido à vinculação à Fazenda Nacional ou aos contribuintes, gera um “potencial risco de conflito de interesse”, levando o julgador a decidir mais favoravelmente ao lado que o fez chegar ao Conselho.

O Carf tem dois modelos de escolha de conselheiros: uma para os representantes da Fazenda Pública e outro para os julgadores que representam os contribuintes. Porém, nos dois casos, os nomes sugeridos são encaminhadas ao Comitê de Acompanhamento, Avaliação e Seleção de Conselheiros (CSC) e, por fim, ao ministro da Fazenda, que toma a decisão.

No caso da Fazenda, é usada lista tríplice apresentada pela Secretaria da Receita Federal. Já os outros integrantes são indicados pelas confederações que representam categorias econômicas de nível nacional e as centrais sindicais.

“Considerando que, para o ingresso e a recondução no cargo, há necessidade da indicação e aprovação da entidade de origem, existe uma inclinação para julgar conforme sua procedência para manter-se no mandato e garantir a recondução, além do fato de que o vínculo com o Carf se limita ao período do mandato”, opina o MTFC.

Dentro dessa falha, o Ministério da Transparência mostra que há outro problema: o número de entidades que indicam os conselheiros. No caso dos julgadores que representam os contribuintes, apesar de dez entidades serem representadas no conselho, 81% das vagas se destinam às confederações nacionais do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC); da Indústria (CNI) e das Instituições Financeiras (CNF).

Em relação aos conselheiros que representam a Fazenda, o MTFC destaca que não são apenas os originários Receita Federal que têm condições de atuar no Carf. “Servidores de outros órgãos, como os procuradores da Fazenda Nacional, têm conhecimento e ligação com o tema, bem como outros servidores com conhecimentos semelhantes exigidos aos representantes dos contribuintes (direito tributário, processo administrativo fiscal e tributos federais).”

Diferenças entre conselheiros
Também é questionada a diferença de tratamento e salarial entre conselheiros da Fazenda Nacional. Um desses questionamentos envolve o voto de qualidade, que é uma prerrogativa de representante do setor público. “Esse cenário contribui para o risco de corrupção podendo inclusive impactar no risco à imagem do órgão, caso essa situação se mantenha a longo prazo, se tornando um aspecto da cultura organizacional do Carf.”

A responsabilização administrativa dos conselheiros é um dos pontos citados nessa diferenciação entre representantes da Fazenda e dos contribuintes. Os julgadores que ocupam as vagas destinadas ao setor público são penalizados com base na Lei 8.112/1990 podem perder seu mandato do Carf. Já os ocupantes dos postos dos contribuintes podem apenas perder o mandato, e só serão enquadrados na Lei 8.112/1990 quando houver motivação suficiente.

“A ausência de outras penalidades administrativas aos conselheiros dos contribuintes e um processo diferenciado provocam o risco de aumento da sensação de impunidade e, por isso, há o risco de corrupção”, opina o MTFC, que critica ainda a falta de transparência e publicidade na elaboração das listas para a escolha de conselheiros.

“Ressalta-se que, se esse processo não for transparente, há o risco de a elaboração da lista tríplice favorecer um candidato, por meio de direcionamento, ao descartar candidatos mais bem qualificados para competir com o favorecido na lista tríplice apresentada ao Comitê de Acompanhamento, Avaliação e Seleção de Conselheiros (CSC)”, diz o Ministério da Transparência.

Como opção ao modelo atual, o MTFC cita o exemplo do Tribunal Administrativo Tributário de Pernambuco, que escolhe seus conselheiros por meio de concurso público. “Tem-se o referencial do Tribunal Administrativo Tributário do Estado de Pernambuco, que optou por acabar com o sistema paritário e selecionar seus conselheiros por meio de concurso  público, compondo uma carreira própria de conselheiros tributários do Estado, com intuito de trazer unicidade e controle mais amplo e eficaz às atividades de julgamento.”

Nem tudo é erro
Apesar das inúmeras falhas apontadas no relatório, o Ministério da Transparência elogiou a chegada de 24 novos servidores ao órgão, sendo 12 analistas tributários da Receita Federal, 11 assistentes técnico administrativo e um analista técnico administrativo. “Segundo entrevista com a alta cúpula do Carf, embora não haja previsão para implantação de plano de cargos e salários, há a perspectiva de que nos próximos concursos do Ministério da Fazenda sejam destinadas vagas específicas ao órgão.”

Apesar de não haver um bom controle interno no Carf, o Ministério viu positivamente a vontade da atual administração do órgão em implantar um planejamento. “No decorrer dos trabalhos da auditoria, foi possível constatar que a nova gestão do Carf adotou medidas para melhorar a sua estrutura de controles internos, dentre as quais destacam-se: a alteração do organograma do órgão com a inclusão de uma estrutura de auditoria diretamente ligada à presidência; a nomeação do chefe de auditoria interna e risco; a constituição de uma equipe para propor a política de gestão de riscos; e a elaboração de um projeto para implantação da gestão de riscos.”

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