Opinião

Inquirição de testemunhas precisa se adequar à nossa realidade

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11 de junho de 2016, 6h55

O artigo 438 do novo Código de Processo Civil dispõe que “as perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, começando pela que a arrolou, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem repetição de outra já respondida”. Trata-se de um avanço, pois permite que os patronos formulem suas perguntas de forma direta, sem que elas sejam reformuladas pelo magistrado.

Como se vê, o dispositivo limita eventuais oposições às perguntas em três hipóteses: (i) quando elas induzem uma resposta; (ii) quando não tiverem relação com a causa ou; (iii) quando já tenham sido respondidas. Todavia, a nova legislação deixou de considerar algumas questões fundamentais. 

Em primeiro lugar, e a jurisprudência pode ter um papel relevante nisso, o novo Código de Processo Civil não estabelece um tratamento diferenciado para a forma do depoimento proferido pela testemunha da parte e a do depoimento colhido pelo advogado da parte contrária (quanto à mesma testemunha). No entanto, há uma grande diferença nas duas situações. O interesse de uma parte em trazer determinada testemunha é corroborar os fatos alegados que sustentam seu pleito. Por sua vez, a parte contrária visa demonstrar — dentre outras questões — que o testemunho não se sustenta, é inverídico; ou, ainda, que a testemunha carece de credibilidade.

Nessa linha de raciocínio, o advogado que questiona as testemunhas por ele arroladas deveria ter um campo mais estrito de questionamento. Caberia, em regra, que suas perguntas fossem feitas de forma “aberta”. Imagine-se um depoimento prestado em uma demanda que envolve um acidente de automóveis. Nessa hipótese, o advogado da parte que indicou a testemunha deveria perguntar, por exemplo: “Onde a testemunha estava localizada no momento do acidente?”; “Foi possível ver o acidente?”; “A testemunha pode descrever o acidente?”; dentre outras na mesma linha.

Por sua vez, o advogado da parte contrária deveria poder fazer um questionamento mais firme e contundente; como: “A testemunha estava situada a um quarteirão do cruzamento onde ocorreu o acidente, sim ou não?”; “A testemunha viu se o semáforo estava verde, sim ou não?”. Ou seja, como corolário da ampla defesa (artigo 5º, LV da Constituição Federal), haveria de ter uma maior liberdade para o advogado ao questionar um testemunha trazida pela parte contrária, desde que os questionamentos estivessem relacionados à causa de pedir ou às perguntas e respostas deduzidas, anteriormente, pela parte contrária. 

Essa, aliás, é a estrutura praticada no common law há séculos. Porém, não proponho a adoção — pura e simples — do sistema processual americano. Pretendo, apenas, apresentar ponderações que podem ser extremamente úteis para a garantia do devido processo legal (artigo 5º, LIV da Constituição Federal), em um momento no qual a prova oral vem ganhando uma importância que não tinha no passado. Nossa tradição processual sempre deu mais ênfase à prova documental e técnica. Isso vem mudando consideravelmente.

É nesse cenário, portanto, que proponho uma alteração no paradigma: uma renovação que compatibilize a inquirição de testemunhas com a nossa realidade. De nada adianta taparmos o sol com a peneira, é fundamental adaptarmos o nosso padrão para garantir a harmonia do sistema, em consonância com as garantias processuais previstas em nossa Constituição.

Ninguém, em sã consciência, vai depor em um litígio sem saber o que está sendo debatido. Não custa lembrar que o processo é público, e, portanto, testemunha, depoentes e informantes podem, perfeitamente, ler as cópias dos autos. Isso pode gerar “falsas memórias”, induções e preconceitos. O questionamento mais firme e livre, pelo advogado da parte contrária, é essencial, portanto, para impugnar testemunhos e depoimentos resultantes de uma compreensão dos fatos diversa da realidade.

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